Rápido e louco. Veloz e maluco. Agressivo e atrapalhado. Esses adjetivos tão antagônicos caem muito bem para um dos pilotos mais carismáticos e agressivos dos anos 90. Paul Tracy viveu de perto o auge, o declínio e a morte da CART, tornando-se um dos maiores pilotos da categoria, mesmo tendo conquistado seu único título na categoria mais de dez anos após estrear na F-Indy. Dono de uma agressividade quase doentia, Tracy podia ser extremamente rápido e isso lhe trouxe muitos fãs e inimigos ao longo de sua carreira. Completando 40 anos no dia de hoje, vamos conhecer um pouco mais a carreira desse piloto com físico de lutador de judô.
Paul Anthony Tracy nasceu no dia 17 de dezembro de 1968 na cidade de Scarborough, próximo a Torono, no Canadá. Desde muito cedo, Tracy era fascinado por corridas e, muito provavelmente influenciado pelo ícone canadense Gilles Villeneuve, começou a correr no início dos anos 80 num pequeno kartodromo próximo a sua cidade. Em 1984, Tracy participou do Campeonato Mundial de Kart e terminou o certame em sexto, disputando corridas com um tal de Michael Schumacher. Esse resultado lhe garantiu a sua estréia nos monopostos no ano seguinte, quanto completou a idade mínima para poder correr de carros, aos 16 anos. E Paul mostrou logo suas credenciais! Em sua primeira temporada nos monopostos, o canadense se tornou Campeão Canadense de F-Ford, se tornando o campeão mais jovem da história. Mostrando que a precocidade seria uma das suas características iniciais, Tracy se tornou o piloto mais jovem a vencer uma prova na prestigiosa Can-Am em 1986. Após mais uma temporada na Fórmula Ford 2000 em 1987, onde conseguiu outra vitória e disputou outras categorias, Tracy se mudou para a Indy Lights, último degrau antes da CART.
Mesmo não tendo grande sucesso na F-Ford 2000, Tracy sobe para a última categoria de base antes da F-Indy como uma das grandes promessas canadenses e vence uma corrida em Phoenix, terminando o campeonato em nono e como "Rookie of the year". Após um ano sem vitórias em 1989, Tracy finalmente mostra a que veio. Com uma temporada sem retoques, ele se torna campeão com o número recorde de nove vitórias e sete poles em 14 corridas. Isso chama a atenção dos chefes de equipe da CART e ainda em 1990 ele faz seu primeiro teste em carro da Indy pela equipe Truesports, mas seu maior prêmio viria do outro lado do Atlântico. Mesmo fazendo toda a sua carreira na América do Norte, Paul Tracy conquista o Prêmio Bruce McLaren como o piloto mais promissor da comunidade britânica. Tamanho talento aguça o faro do Capitão Roger Penske, que o contrata como piloto de testes para 1991, o emprestando a pequena equipe Dale Coyne, por onde Tracy faz sua estréia em Long Beach. A equipe Penske coloca um terceiro carro para Tracy ainda em 1991 e o canadense faz sua estréia pela equipe em Michigan, onde largou em oitavo. O bom resultado acaba em acidente ainda na terceira volta, quando Tracy bate forte e quebra uma perna. Seria o primeiro de muitos acidentes...
Tracy ainda retornaria em 1991 para fazer as duas últimas corridas da temporada e ficou acertado com Roger Penske de que participaria de apenas algumas corridas em 1992. Na verdade, Penske sabia que a lenda Rick Mears estaria se aposentando no final da temporada e prepararia Tracy para substituí-lo, porém, Mears sofre um sério acidente durante o mês das 500 Milhas de Indianápolis e mesmo participando da corrida, passa o ano sofrendo um problema no pulso, possibilitando a Tracy participar de onze provas durante o ano, ao lado de Emerson Fittipaldi. O talento de Tracy é confirmado com algumas boas exibições, como um segundo lugar em Michigan e Mid-Ohio e uma pole em Elkhart Lake. A primeira temporada completa de Tracy era esperada com expectativa e a primeira vitória do canadense seria logo na terceira corrida do ano, em Long Beach. No entanto, a maior característica de Tracy ficaria inerente ao longo deste ano. Mesmo tendo conseguido outras quatro vitórias (Cleveland, Elkhart Lake, Toronto e Laguna Seca) durante o ano, se igualando ao campeão Nigel Mansell, Tracy foi terceiro no campeonato, longe da briga pelo título entre Mansell e Emerson Fittipaldi, seu companheiro de equipe. Tracy era rápido, mas se metia em muitas confusões e isso lhe causava muitos abandonos, praticamente destruindo suas chances de título. Porém, muitos diziam que a impetuosidade do canadense diminuiria com o passar do tempo e o título era questão de tempo...
Para 1994, Roger Penske faz um "Dream Team" para enfrentar o poderio da Newman-Hass e Nigel Mansell. Trazendo Al Unser Jr. para a equipe e a potência dos motores Mercedes, a Penske dominou a temporada como poucas vezes se viu. Tracy era uma espécia de piloto-júnior da equipe e começou o campeonato de forma discreta, com apenas dois pontos nas quatro primeiras corridas. No entanto, nas doze corridas seguintes o canadense conquistou oito pódios, inclusive com vitórias em Detroit, Nazareth e Laguna Seca. Tracy novamente termina o campeonato em terceiro, atrás de "Little Al" e Emerson. Foi uma trinfeta da Penske no campeonato! Porém, Tracy se sentia injustiçado dentro da equipe e pensava em mudar de ares. Aquele foi o auge da F-Indy e até um passo na carreira foi pensado por Tracy. No meio de 1994, Tracy foi convidado pela Benetton para um teste no circuito do Estoril e apesar dos bons resultados, Tracy não se animou muito com a proposta de Flavio Briatore e preferiu se manter na Indy, se transferindo para a maior rival da Penske no momento, a Newman Hass. Foi lá que Tracy conheceu de perto o que seria seu maior desafeto na carreira: Michael Andretti. A essa altura, Paul Tracy era uma estrela da categoria e chegou na equipe de Paul Newman e Carl Hass como tal, mas Andretti era uma espécie de monumento da equipe e isso causou atrito entre os pilotos que, além de tudo, eram extremamente agressivos e competitivos. Tracy terminou o ano em sexto lugar, com mais duas vitórias na carreira (Surfer's Paradise e Milwakee), mas cansado das brigas internas com Andretti, resolveu voltar às origens e retornou a Penske.
Ao contrário do que viu duas temporadas atrás, Tracy teve que se contentar com uma equipe em crise. Se dominou em 1994, a Penske passou pelo vexame de não conseguir largar para as 500 Milhas de Indianápolis de 1995 e as coisas só piorariam em 1996. Única equipe a construir o próprio chassi, a Penske foi humilhada pelo conjunto vencedor da Chip-Ganassi (Reynard-Honda-Firestone). O motor Mercedes já não era o mais potente, o pneus Goodyear não eram páreos aos Firestone, Al Unser Jr. estava claramente em decadência e tudo isso levou a um péssimo ano de Tracy, que pela primeira vez desde 1992 não conquista uma vitória. Nesse momento, todos começavam a ver Tracy mais como um piloto trapalhão do que sua velocidade. Seus acidentes cresciam na mesma medida em que crescia sua barriga. Em Michigan, ele sofre um grande acidente que o deixa duas provas de fora e Tracy lutou para melhorar, inclusive fazendo um cirurgia na vista que o fez aposentar os óculos que lhe eram característica. Para 1997, Tracy, claramente mais magro, faz um início de temporada avassalador, conquistando três vitórias seguidas (Nazareth, Rio e Madison) e se tornava o favorito ao título daquele ano. Pura ilusão. Em Detroit, Tracy passou mal durante os treinos e seus resultados caem de forma vertiginosa. No final do ano, ele termina o campeonato na quinta posição e com uma má fase que parecia sem fim. Contudo, Tracy ainda tinha cacife para conseguir um contrato com a equipe Green, ganhando um dos melhores salários da Indy. A equipe do australiano tinha a mesma combinação vencedora da campeã Chip Ganassi (Reynard-Honda-Firestone) e teria o escocês sensação Dario Franchitti como companheiro de Tracy. Tudo parecia conspirar a favor do canadense, mas o que se viu foi umas das temporadas mais indisciplinadas de um piloto dentro de uma categoria. Tracy se envolvia em acidentes em praticamente todas as corridas, algumas vezes até envolvendo seu companheiro de equipe Franchitti, com quem teve uma relação de amor e ódio. Em Houston, debaixo de muita chuva, Tracy quase colocou Franchitti para fora da pista quando brigavam pela liderança e quando o canadense chegou aos boxes com a suspensão arrebentada, quase foi as vias de fato com seu patrão Barry Green. Em Surfer's Paradise, Tracy se meteu numa encrenca (mais uma...) com Michael Andretti e o americano prestou uma queixa contra Tracy a Wally Dallenbach, chefe dos comissários. Tracy vinha de seguidas multas e ele acabaria suspenso por uma corrida, mas só pagaria a punição na primeira corrida de 1999. Foi nessa época que o locutor Téo José, que na época trazia a Indy com muita categoria para o Brasil via SBT, inventou o apelido com que Tracy ficou conhecido no Brasil: Sr. Apronta Tudo.
Apesar de poucos acreditaren, Tracy permaneceu mais um ano na equipe Green e após ser substituído por Raul Boesel na primeira etapa do ano, o canadense parece ter refletido sua situação na carreira e surpreendeu ao terminar o campeonato em terceiro lugar, igualando os feitos de 1993 e 1994. Num campeonato em que Juan Pablo Montoya dominou, Tracy foi um dos pilotos que enfrentaram o colombiano naquele ano e conseguiu duas vitórias (Milwakee e Houston). Mesmo eclipsado pelo vice-campeão e companheiro de equipe Dario Franchitti, Tracy parecia resgatado rumo ao topo, mas ele sofreria um baque no final de 1999. Mesmo não tendo conquistado um título ainda, Tracy já tinha escolhido um sucessor: Greg Moore. O jovem canadense começou sua carreira na Indy igual a Tracy, mostrando muita velocidade e petulância, causando muitos acidentes, inclusive o que encerrou a carreira de Emerson em 1996. Tracy e Moore eram grandes amigos e Paul viu com muita tristeza a morte do compatriota na última etapa do ano em Fontana. No ano 2000, Tracy foi protagonista de um dos campeonatos mais disputados da história, brigando pelo título até a ultima corrida do ano Fontana, quando abandonou com o motor quebrado. Quando Tracy venceu em Long Beach naquele ano, ele liderou sete etapas seguidas, conquistando outra vitória em Detroit. Aquela temporada foi a ressurreição da equipe Penske na Indy, após anos muito ruins da equipe. Em Nazareth, Gil de Ferran conquistou a centésima vitória da equipe, três anos após a vitória de número 99 de Tracy.
Depois de um ano tão bom, Tracy teve uma péssima temporada no ano de 2001. Após conseguir resultados consistentes nas quatro primeiras corridas, Tracy só pontuou outras três vezes até o final do ano. Após duas temporadas em que mostrou, finalmente, maturidade, Tracy começava a aprontar das suas, mas havia um problema maior. No final de 2001, a Penske se transferiu para a IRL e a CART iniciava o caminho rumo ao seu fim. O principal atratativo da categoria rival era justamente as 500 Milhas de Indianápolis e em 2002, Tracy voltou ao templo sagrado após sete anos. Equipes da Cart faziam isso desde 1999 com muito sucesso e Tracy fez uma corrida que lhe permitiria manter essa sina. Nas últimas voltas, o canadense estava em segundo lugar atrás de Hélio Castroneves, que a essa altura estava pensando em economizar combustível. Todos esperavam o bote de Tracy, que teve paciência para atacar no momento certo. A duas voltas do final, Tracy ultrapassou Castroneves bem no momento em que uma bandeira amarela era mostrada. A vitória foi dada a Castroneves, mas até hoje há quem jure que o vencedor daquela prova foi mesmo Tracy. A equipe Green recorreu do resultado, mas não deu em nada. Alguns acreditam que o resultado não mudado por influência direta de Tony George, dono da IRL, cansado de ver suas equipes derrotadas por equipes vindas da CART.
Voltando a CART, Tracy venceu em Milwakee, mas termina o campeonato numa posição intermediária. A essa altura, a IRL já tinha chamado a atenção da Chip Ganassi e da equipe de Tracy, a Green. No entanto, a equipe Green tinha se associado a Michael Andretti e como o americano não estava interessado em Tracy, o canadense procurou outra equipe. Em 2003, as únicas equipes realmente de ponta da CART era a Newman-Hass e a Forsythe, que tinha o patrocinador canadense da Foster's. Graças a isso, Tracy foi contratado para ficar ao lado de Patrick Carpentier e fez uma das temporadas mais arrasadoras da história da categoria. Após conquistar, até com facilidade, as três primeiras corridas daquele ano (St. Petersburg, Monterrey e Laguna Seca), cometeu poucos erros para conquistar seu único título na CART. Foi um ano quase perfeito, onde Tracy conquistou mais quatro vitória, foi pole seis vezes e conquistou dez pódios. Em Toronto, onde corrida praticamente em casa, Tracy dominou de tal forma que, quando a primeira bandeira amarela apareceu, Tracy fez seu pit-stop antes do segundo colocado aparecer nos pits! Foram doze longos anos em que Tracy precisou passar por cima de muitos obstáculos e não restam dúvidas de que ele calou a boca dos vários críticos que ele tem.
Contudo, a lei antitabagista do Canadá proibiu a propaganda de cigarros e a Foster's deixou a equipe Forysthe. Para piorar, Sebastien Bourdais, que já tinha sido o Rookie of the year em 2003, dominou completamente em 2004 e nos três anos seguintes. A CART tinha falido e sido comprada por alguns chefes de equipe, passando a se chamar Champ Car. Contudo, esse foi apenas o suspiro de uma categoria que um dia foi grande e no momento tinha poucos carros no grid e pilotos de baixíssimo nível técnico. Em 2005, Tracy liderou o início do campeonato, mas uma pane seca quando liderava em Toronto e um forte acidente Las Vegas estragaram as chances do canadense. Já com quinze anos de CART, Tracy pensava em mudar de ares e o canadense negociava com a Nascar. Após três corridas pela Busch Series, Tracy se desinteressou pela categoria e se voltou para a Champ Car, mas outro piloto já tinha arrebatado o coração da Forsythe. A.J. Allmendinger foi contratado no meio da temporada e conquistou várias vitórias, enquanto Paul Tracy voltava aos seus piores momentos na carreira. Em San Jose, se envolveu num acidente com Alexandre Tagliani e os dois saíram no tapa nos boxes, num momento totalmente bizarro, onde Tracy saiu com um corte na testa. Na prova seguinte, em Denver, Tracy de desentendeu com Bourdais na última volta e o francês saiu do carro fulo da vida. Talvez pensando em seguir carreira de pugilista, Tracy saiu do seu carro e, segundo ele, chamou Bourdais para a briga, algo que o francês se negou na hora. O público urrava com a cena, enquanto Tracy voltava a ser multado. Como nos velhos tempos...
Com a Cart se desmilingüindo, Tracy foi perdendo rendimento e a Forsythe sofria com problemas financeiros. Num treino em Long Beach, Tracy sofreu um sério acidente e ficou de fora de quase toda a temporada, voltando em Portland para conquistar sua última vitória na carreira duas semanas depois em Cleveland. Quando foi anunciado que a Champ Car tinha se unido (ou seria comprada?) pela IRL, Tracy ficou sem carro quando a Forysthe anunciou que estava abandonando as corridas. Mesmo claramente fora de forma, Tracy fez uma prova em Edmonton pela Indycar e de forma surpreendente andou forte, longe de fazer um papelão. Após quinze anos na CART, Paul Tracy participou de 261 corridas, onde conquistou o título de 2003, 31 vitórias, 25 poles e 74 pódios. Hoje, Paul Tracy mora com sua esposa Patty e suas duas filhas em Fort Lauderdale. O canadense teve a honra de participar da corrida de despedida da categoria em Long Beach, no início de 2008, mas ao ver seu pares, ele devia estar imaginando os grandes pilotos que enfrentou (e derrotou) ao longo de sua carreira, como Al Unser Jr., Emerson Fittipaldi, Rick Mears, Bobby Rahal, Nigel Mansell, Michael Andretti, Alessandro Zanardi, Juan Pablo Montoya, Dario Franchitti, Gil de Ferran, Sebastien Bourdais...
Parabéns!
Paul Tracy
3 comentários:
João, por acaso essa Foster's é a dona da marca de cigarros Player's que vinha estampada nos carros da Forysthe?
Por falar nisso eu fiz um perfil do Paul Tracy (dividido em três partes) em meu blog em julho quando ele disputou a etapa canadense da Indy reunificada.
http://champcarbrasil.blogspot.com/2008_08_01_archive.html
Grande texto esse que você fez.
Wallace Michel
Acho que o link não saiu todo. Vou mandar outra vez.
http://champcarbrasil.blogspot.com/2008_08_01_archive.html
Wallace Michel
O teste que Paul Tracy realizou com o carro da Benetton foi após o Grande Prêmio de Portugal.
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