sábado, 31 de dezembro de 2011

The King

Este homem foi para o motociclismo americano e mundial o mesmo o que foi Emerson Fittipaldi para o automobilismo brasileiro e mundial. Kenny Roberts já era um dos grandes do motociclismo americano quando no final da década de 70 se aventurou pela Europa e iniciou uma dinastia de pilotos americanos que vieram atrás dele, como Randy Mamola, Freddie Spencer, Eddie Lawson, Wayne Rainey e Kevin Schwantz. Todos ídolos e campeões como Roberts. Dono de um estilo agressivo e único de pilotagem, Kenny Roberts conquistou três títulos mundiais em suas três primeiras temporadas no Mundial das 500cc e com sua longa parceria com a Yamaha, garantiu para si também o cargo de chefe de equipe vitorioso. Completando 60 anos no último dia do ano, vamos conhecer um pouco da carreira de Kenny “The King” Roberts.

Kenneth Leroy Roberts nasceu no dia 31 de dezembro de 1951 na pequena cidade de Modesto na Califórnia e como em toda cidade pequena, as atividades de Kenny eram bem modestas (é impossível não parodiar o nome da cidade natal do americano...) e o americano gostava mesmo era de cavalgar. Porém, um desafio imposto por um amigo mudou para sempre a vida do pequeno Roberts e do motociclismo americano. Quando tinha 12 anos, Roberts foi chamado por um amigo para uma simples corrida de mini-bike. Kenny montou um motor de cortador de grama em sua bicicleta e nos próximos quarenta anos, não saiu mais de trás de um guidão de moto. Escondido dos pais, Roberts treinava em pequenas pistas de terra em sua cidade e em 1965 ele fez sua primeira corrida oficial, ainda em uma pista de terra, em Scrambler. Já apoiado pelos pais, Roberts chama a atenção de Bud Aksland, concessionário da Suzuki nos Estados Unidos e passa a patrociná-lo, cedendo uma de suas motos Suzuki. Um dia após completar 18 anos, Kenny participou de sua primeira corrida como profissional e garante um bom quarto lugar. Ainda em 1969, Roberts faz sua primeira corrida no asfalto e vence logo na estréia! Era muito comum naquela época, os pilotos americanos correrem em vários tipos de superfície, disputando simultaneamente campeonatos em pistas de terra e em asfalto. Isso faria aflorar uma forma de pilotagem bastante particular entre os pilotos dos Estados Unidos, que ganharia o mundo rapidamente. Em 1970 Roberts consegue seu primeiro título, na categoria novatos e Aksland resolve apresentar Kenny ao piloto Jim Doyle, que tem vários contatos nas corridas de moto americanas. Doyle apresenta Roberts primeiramente a Triumph, que lhe nega um contrato por achar Roberts pequeno demais para correr em suas grandes motos. Acreditando no talento do californiano, Doyle bate na porta da Yamaha, que contrata Roberts no início de 1971. Seria o início de uma parceria que durariam mais de 25 anos!

A Yamaha chama Kel Carruthers, antigo campeão mundial da 250cc, para auxiliar Roberts e essa parceria também seria duradoura. Subindo de categoria em 1971, Roberts conquista o título de Campeão Americano Junior, vencendo várias corridas em pistas de terra. Para 1972, a Yamaha introduz uma moto 250cc de dois tempos para corridas no asfalto e na terra e Kenny começa o ano vencendo a tradicional corrida de terra no Houston Astrodome, se tornando um dos poucos pilotos a terem vencido sua primeira corrida na categoria principal. No asfalto, Roberts tinha que tirar no braço a desvantagem de sua Yamaha frente a Harley Davidson e apesar dos seus esforços, fica apenas em quarto lugar no campeonato. Em 1973, apenas em sua segunda temporada na categoria principal da AMA, Roberts se torna campeão em pista de terra com o recorde de pontos até aquele momento, que seria superado pelo próprio Kenny no ano seguinte, quando conquista um dominante bicampeonato. Porém, no asfalto Kenny Roberts não mostrava o mesmo talento e isso o incomodava bastante. Durante a Daytona 200 de 1973, Kenny ficou observando o estilo agressivo, mas ao mesmo tempo eficiente, do vencedor Jarno Saarinen e passou a utilizá-lo, evoluindo a tal ponto que começou a andar tão forte no asfalto como na terra. Um ano depois, Roberts quase venceu em Daytona, sendo derrotado pelo multi-campeão mundial Giacomo Agostini. Dois meses depois Roberts faz sua primeira corrida na Europa, participando da famosa corrida de 200 quilômetros em Ímola, causando uma boa impressão ao terminar em segundo lugar, novamente atrás de Agostini. No final de 1974, ele foi para a Inglaterra participar do Campeonato Transatlântico, um torneio entre pilotos ingleses e americanos, onde os representantes da rainha sempre sobressaíam sobre os americanos, mais acostumados a correrem em pista de terra. Ainda mais com os britânicos tendo em suas fileiras Barry Sheene, um dos melhores pilotos do mundo na época. O campeonato era de equipes e sem nenhuma surpresa a Inglaterra venceu, mas Kenny Roberts deu um show, vencendo três das seis corridas, numa batalha titânica contra Sheene. Em 1975 Kenny faz sua estréia no Mundial de Motovelocidade no Grande Prêmio da Holanda nas 250cc, onde consegue um bom 3º lugar e no final do ano garante aos Estados Unidos sua primeira vitória no Campeonato Transatlântico. Em 1976 é derrotado por Johnny Cecotto na Daytona 200 por causa de um pit-stop lento, mas vence em Ímola com direito a recorde da pista. Porém, a Yamaha não conseguia competir com a Harley Davidson no Campeonato Americano e faz uma proposta para Roberts em 1978. Ele correria por uma equipe financiada pela Yamaha USA e pela Goodyear no Campeonato Mundial de 250cc e 500cc. Roberts não se anima muito com a proposta, mas apoiado por Carruthers, que seria o chefe de equipe, e por uma esnobada de Sheene, Roberts aceita o desafio. Quando Barry Sheene, então atual bicampeão mundial pela Suzuki, disse que Kenny Roberts não seria um grande problema, ele não estava de todo errado naquele princípio de 1978. Para os especialistas, mesmo com Roberts sendo muito talentoso, ele ainda teria que aprender todas as pistas na Europa e o sucesso viria com o tempo. Ledo engano!

Roberts começa 1978 finalmente realizando o sonho de vencer a Daytona 200 e de forma dominante. Kenny participaria do Mundial das 250cc para aprender as pistas européias, mas na primeira etapa, na Venezuela, Kenny vence sua primeira corrida em mundiais pela categoria inferior, tendo problemas mecânicos nas 500cc. Após um segundo lugar na etapa seguinte, Roberts vence na Áustria após uma disputa palmo a palmo com Sheene e Cecotto. Logo o americano consegue duas vitórias na França e na Itália e dois segundos lugares na Holanda e na Bélgica. Roberts e Sheene brigavam pelo título de forma emocionante e na penúltima etapa, na Inglaterra, casa de Sheene, Kenny derrota o inglês e com um terceiro lugar em Nürburgring, Roberts se torna o primeiro americano a se tornar campeão mundial de motovelocidade. Nas 250cc, Roberts fica em quarto lugar, enquanto nas 750cc, Kenny participa de algumas provas, mas é derrotado por Cecotto. Kenny Roberts surpreendia o mundo e junto com Mario Andretti, os Estados Unidos haviam vencido os dois campeonatos mundiais em duas e quatro rodas. Porém, 1979 não começa bem para Roberts, quando sofre um sério acidente na pré-temporada em que teve afundamento de várias vértebras e rompimento do baço, fazendo com que Kenny perdesse a primeira etapa do campeonato na Venezuela. Novamente contra todos os prognósticos, Kenny Roberts reaparece na segunda etapa do campeonato e... vence! Já como uma das estrelas do campeonato, Kenny começa e encampar uma luta por mais segurança e direitos dos pilotos ainda em 1979. Quando venceu na Espanha, Roberts se recusou a receber o troféu de vencedor após os organizadores só terem pago metade do que havia no contrato. Em Spa, a pista estava perigosíssima após um recapeamento mal feito e Roberts se recusou a correr. A FIM chegou a suspendê-lo, mas voltou atrás quando o americano ameaçou de criar, juntamente com os principais pilotos da época, um campeonato paralelo ao da FIM. Com isso, Kenny Roberts garantiu mais segurança aos pilotos, na mesma medida em que garantia mais dinheiro com novos valores nos contratos. Apesar de todos esses problemas, Roberts ainda tinha um campeonato a vencer e durante o Grande Prêmio da Inglaterra, o americano protagonizou juntamente com Barry Sheene da corrida mais emocionante da década de 70, quando as duas lendas da motovelocidade trocaram de posição várias vezes ao longo das 28 voltas, com Roberts derrotando Sheene apenas por três décimos de segundo. Com um terceiro lugar na França, Roberts conquistava seu segundo título mundial de motovelocidade e ganhava a alcunha de ‘The King’.

O sucesso de Kenny Roberts no Mundial de Motovelocidade começa a dar frutos, a começar pelos seus novos rivais. No lugar de Barry Sheene, descontente com a falta de desenvolvimento da Suzuki, entra o jovem americano Randy Mamola. No retorno da Honda ao Mundial, o piloto escolhido para liderar o programa é Freddie Spencer. Ambos vieram do Campeonato Americano de Superbike, categoria mais forte da AMA em termos de asfalto e que nos próximos anos seria uma espécie de celeiro para o Mundial das 500cc. Uma novidade para 1980 seria que Roberts iria se tornar o piloto oficial de fábrica na Yamaha, com Carruthers como chefe de equipe, já que ambos ainda corriam como Yamaha USA. A mudança de equipe não faz que o ímpeto de Kenny diminua e ele vence as três primeiras corridas da temporada das 500cc, mas a equipe Suzuki, liderado por Mamola e Marco Lucchinelli, reage e mesmo vencendo as quatro últimas corridas do ano, Roberts consegue seu terceiro título consecutivo na base da experiência e da consistência. Porém, o avanço da Suzuki havia sido um aviso do que viria e em 1981 a montadora japonesa domina o campeonato, com Lucchinelli derrotando Mamola, com o norte-americano ficando com o vice campeonato pelo segundo ano consecutivo. Roberts consegue apenas duas vitórias e tem que se conformar com o terceiro lugar no mundial, com o americano tendo que lhe dar com o fim do seu casamento e o distanciamento dos seus dois filhos, Kenny Jr e Kurtis. Para 1982 a Yamaha troca os pneus Goodyear pelos Dunlop e a adaptação a nova borracha não foi tranqüila, com Roberts alternando vitórias com corridas ruins, além de um acidente durante os treinos para o Grande Prêmio da Inglaterra tendo fazê-lo perder duas corridas. Mesmo com duas vitórias, Roberts fica apenas em quarto lugar, com a Yamaha ficando atrás da campeã Suzuki, desta vez com Franco Uncini, e da ascendente Honda, liderada por Freddie Spencer. Ao final de 1982, Kenny Roberts tinha muito mais vitórias do que seus contemporâneos e era considerado uma referência no Mundial de Motovelocidade. Querendo sair de cena ainda no auge, Kenny anuncia que 1983 seria seu último ano no Mundial como piloto e para isso a Yamaha se prepara para prestigiar a saída de um dos seus melhores pilotos na história. Para aumentar o investimento, a equipe consegue o valioso patrocínio da Marlboro, com as motos da Yamaha tendo a cor vermelha e branca da Marlboro por muitos anos. O velho ídolo Giacomo Agostini assumiria o lugar de Ken Carruthers como chefe de equipe, mas Carruthers ainda teria um cargo gerencial na equipe. Já pensando na sucessão de Roberts, a Yamaha traz do Campeonato Americano de Superbike Eddie Lawson, antigo rival de Freddie Spencer. Por sinal, a Honda também se prepara como nunca para 1983, com Spencer como ponta da espada. O que viria a seguir seria uma temporada histórica!

Kenny Roberts e Freddie Spencer eram diferentes em tudo. Roberts era agressivo e carismático, enquanto Spencer tinha uma pilotagem bem mais técnica e tinha uma aparência frágil, fora que os dois norte-americanos tinham dez anos de diferença de idade. A nova Yamaha YZR500 ficou pronta para a primeira etapa do ano, mas a moto sofria com problemas de superaquecimento e Spencer se aproveitou para vencer as três primeiras corridas da temporada. Roberts vence na Espanha e quando Spencer tem problemas em sua Honda na Áustria, era Kenny quem capitalizava o problema do rival. A temporada vinha sendo um show bipolar entre Roberts e Spencer, Yamaha e Honda. Após conseguir apenas um quarto lugar no Grande Prêmio da Iugoslávia, Roberts vence três provas seguidas (Holanda, Bélgica e Inglaterra) e chega a penúltima etapa do ano, na Suécia, com apenas dois pontos de desvantagem para Spencer. Como aconteceu em todo o ano, Spencer e Roberts se desgarraram dos demais e passaram toda a corrida juntos. Na última volta, Roberts liderava quando Spencer deu o bote nas curvas finais, chegando a tocar na moto de Roberts para conseguir uma vitória essencial. Kenny deixou isso bem claro ao trocar insultos com Spencer no pódio e na última etapa da temporada, no Grande Prêmio de San Marino, o representante da Yamaha teria que vencer e torcer para que Spencer ficasse abaixo do terceiro lugar. Como um grande campeão que era, Kenny Roberts vence com autoridade aquela que seria sua última corrida na carreira no Mundial de Motovelocidade, mas como Spencer chegou em segundo, o jovem americano conquistou seu primeiro título mundial, deixando Roberts em segundo. Fora um campeonato sensacional, com Spencer e Roberts dividindo todas as vitórias da temporada, com seis triunfos para cada. Mesmo com o vice-campeonato, a carreira de Roberts acabara de forma espetacular, com 60 corridas, 24 vitórias, 22 poles, 27 melhores voltas, 44 pódios e três títulos mundiais (1978, 1979 e 1980).

Ainda em 1984 Kenny Roberts participa das tradicionais Daytona 200 e Imola 200, vencendo ambas. Após finalizar sua carreira como piloto, ele inicia sua segunda carreira vitoriosa: de chefe de equipe. Em 1984 ele abre uma equipe no Mundial das 250cc com Alan Carter e a nova sensação americana no campeonato de superbike, Wayne Rainey, sempre utilizando Yamaha. Em 1986 ele sobe para o Mundial das 500cc com sua equipe, trazendo consigo seu antigo rival Randy Mamola e utilizando como patrocinador a Lucky Stryke, mostrando ao mundo um dos mais famosos e bonitos lay-outs da história do Mundial. Para 1988 Roberts recontrata Rainey e inicia uma parceria vitoriosa, com o americano ficando em terceiro lugar logo em sua primeira temporada nas 500cc. Até o momento, a equipe Lucky Strike Roberts era a segunda equipe da Yamaha, com a Marlboro Agostini com o status de equipe principal. Isso mudaria em 1990, com Roberts atraindo juntamente o patrocínio da Marlboro e Rainey garantindo seu primeiro título. E de lambuja, John Kocinski, protegido de Roberts, conquista o Mundial das 250cc no mesmo ano. Para 1991, Roberts contrata Eddie Lawson e forma um verdadeiro dream team, com os melhores pilotos da época com a melhor moto. Rainey conquistaria o bicampeonato e assim como Roberts, vence o mundial pela terceira vez em 1992. Porém, toda uma dinastia acabaria em setembro de 1993. Durante o Grande Prêmio da Itália, Rainey, que liderava o campeonato e poderia conquistar seu quarto título mundial, sofre um acidente no perigoso circuito de Misano e fica paralítico. A equipe Roberts Yamaha nunca mais se recuperaria desse baque. E aquele também era o fim do domínio dos pilotos americanos no Mundial das 500cc. Mesmo Kevin Schwantz tendo conquistado o título de 1993 pela Suzuki, os pilotos ianques não dominariam como fizeram nos anos 80 com Lawson, Spencer, Rainey e Schwantz. A própria Yamaha também sentiria o fim dessa era. Em 1994 iniciava o grande domínio da Honda e de Michael Doohan e a montadora japonesa só voltaria a vencer um título nas 500cc (ou MotoGP) em 2004 com Valentino Rossi. Kenny Roberts ainda ficaria por alguns anos como chefe da equipe oficial da Yamaha, mas desgostoso com os rumos da montadora japonesa, ele desfaz a parceria com a Yamaha em 1997, depois de 26 anos. Roberts passa a correr com uma moto própria, mas o americano não é capaz de fazer frente as equipes de fábrica japonesas, fechando as portas de sua equipe por problemas financeiros em 2008. No ano 2000, Kenny tem a grande satisfação de ver seu filho mais velho, Kenny Roberts Jr, conquistando o titulo mundial das 500cc, se tornando a única dupla de pai-piloto a vencer o prestigioso campeonato. Kenny Jr seria o último piloto da equipe de Kenny Roberts. A vitoriosa carreira de Kenny Roberts entrou para a história da motovelocidade mundial, com Kenny trazendo para o Mundial o estilo agressivo de pilotagem dos pilotos americanos e iniciando toda uma dinastia nas pistas do mundo.

Parabéns!
Kenny Roberts

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