terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Piquete na F1



Há trinta anos, só faltaram as indefectíveis bandeiras vermelhas e alguém berrando contra o imperialismo na F1. Em Kyalami, a palavra greve entrou no dicionário da F1 quando os pilotos acabaram se unindo em torno de uma reivindicação comum e simplesmente cruzaram os braços.

Tudo começou quando Niki Lauda, que retornava a F1 após dois anos sabáticos, leu com mais cuidado o texto da super-licença, novidade para a temporada de 1982 implantada por Jean-Marie Balestre, presidente da FISA. O experiente austríaco observou em um texto mal elaborado três pontos que foram o estopim da confusão.

1) A exigência dos pilotos revelarem detalhes dos seus contratos com as equipes.
2) Como a super-licença pertencia as equipes, os pilotos só poderiam correr apenas em um time durante um ano.
3) A obrigação dos pilotos serem santinhos com relação a imagem da F1, não podendo criticá-la.

Lauda informou aos demais colegas e começaram as reclamações. Gilles Villeneuve disse a um jornal francês que algo aconteceria na África do Sul se esses três itens não saíssem do texto da super-licença. Na quarta-feira, Didier Pironi e Niki Lauda anunciaram que não haveria corrida se não mudasse. Como a corrida seria no sábado, o primeiro dia de treinos seria na quinta-feira e às 8:30, um ônibus apareceu no paddock e 30 pilotos subiram no veículo em direção a um lugar desconhecido. Pilotos novatos como Raul Boesel e Roberto Guerrero eram ameaçados pelos seus chefes de equipe, enquanto Jochen Mass não entrava no ônibus por desconhecer da trama feita pelos pilotos.

O ônibus foi em direção ao Hotel Sunnyside, nos arredores de Johannesburg. A idéia era que os pilotos ficassem longe dos chefes de equipe e não fossem pressionados a correr. No hotel, cenas totalmente inacreditáveis ocorriam dentro de um salão alugado pelos pilotos. Carlos Reutemann jogava futebol com vários pilotos, inclusive com o rival Nelson Piquet. Elio de Angelis tocava piano para os demais. E TODOS dormiam em colchões espalhados no chão. Já pensaram isso nos dias atuais? Fernando Alonso e Charles Pic passando uma noite juntos, jogando baralho? Lewis Hamilton e Pastor Maldonado falando sobre política? Felipe Massa e Pedro de la Rosa falando sobre a crise econômica? Sinceramente, não. Mas isso aconteceu em janeiro de 1982!

Didier Pironi era o representante dos pilotos nas tensas negociações com Bernie Ecclestone e Jean-Marie Balestre. No dia seguinte, 26 horas após a paralisação, os pilotos voltavam felizes a Kyalami no mesmo ônibus que o haviam levado a um hotel em Johannesburg. Pironi havia conseguido de Balestre a promessa de que a discussão seria suspensa e o show continuaria. Não sem punições. Irritado por Nelson Piquet ter sido um dos líderes da greve, Ecclestone disse que o brasileiro não participaria dos treinos por estar com problemas físicos. Pironi e Villeneuve levaram o então campeão mundial e provaram que Piquet estava 100% em forma. Morris Nunn, chefe da Ensign, proibiu Guerrero de treinar alegando problemas de patrocínio, mas a dupla da Ferrari, juntamente de Piquet e Lauda, prometeram que correriam com os patrocinadores do colombiano e lá foi Guerrero treinar.

No final, a bela vitória de Prost, após ter um pneu furado, ficou em segundo plano. Assim como também a errata de Galvão Bueno, que em sua primeira corrida de F1 pela TV Globo simplesmente narrou o vencedor errado, confundindo Prost com René Arnoux. A noite em que 30 pilotos de F1 se isolaram do mundo para reivindicar seus direitos entrou para a história.

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