quinta-feira, 22 de maio de 2008

O primeiro Finlandês Voador


Gilles Villeneuve teve uma passagem curta e marcante pela F1 pela sua agressividade e carisma. Nas motos, esse estigma cairia muito bem para Jarno Saarinen, um piloto com grande conhecimento técnico e um estilo de pilotagem que marcou toda uma geração, sendo usada até hoje. Além de extremamente arrojado, Saarinen era querido por todos e sua morte há 35 anos atrás causou uma grande comoção no meio do motociclismo e aproveitando o ensejo, vamos dar uma olhada na carreira do piloto que recebeu pela primeira vez o apelido que marcou todos os seus compatriotas no esporte a motor nos anos seguintes: Fly Finn.

Jarno Karl Keimo Saarinen nasceu no dia 11 de dezembro de 1945 na pequena cidade de Turku, no sul da Finlândia. Desde cedo Jarno e seus três irmãos se interessaram por motos e corridas, mas quando o patriarca da família morreu, Jarno tomou as rédeas da família Saarinen, porém o jovem finlandês não perdeu o foco em seu sonho de se tornar piloto. Em 1962 Jarno participou de sua primeira corrida de moto como piloto júnior da Tunturi, uma pequena fábrica sediada em Turku, que preparava motos da Punch. Saarinen estreou com um segundo lugar numa corrida debaixo de gelo e como na Finlândia se corria em todos os terrenos possíveis, Jarno se tornou um piloto completo, pois andava (e bem!) no gelo, na areia, no asfalto e até na grama!

Tentando ganhar conhecimento técnico, Saarinen entra no Instituto Técnico de Turku como engenheiro mecânico e usando o que aprendia na sala de aula, Jarno preparava suas motos com as próprias mãos, chegando a ficar até às 4 da manhã em cima de sua máquina. Não demorou e Saarinen começou a mostrar o seu talento combinado com seu esforço e em 1965 venceu o seu primeiro título, conquistando o Campeonato Finlandês de Ice-Speedway na categoria 250cc. Ainda jovem e estudando, Saarinen percebe que as pistas de gelo finlandesas ficaram pequenas demais para e a partir de 1969 se dedica unicamente nas corridas no asfalto. Foi o começo da lenda!

Em seu primeiro Campeonato Finlandês no asfalto, Saarinen vence nas 125cc com uma Punch, pela equipe Tunturi, e nas 250cc com uma Yamaha preparada por ele mesmo. Sentindo que tinha muito talento, Saarinen decide participar do Mundial de Motovelocidade ainda em 1970 e escolhe o Grande Prêmio da Alemanha Ocidental, no seletivo circuito de Nürburgring, para estrear. Como era comum na época, Jarno não tinha dinheiro e para conseguir levantar fundos suficientes para correr na Alemanha, simplesmente pede um empréstimo estudantil em três bancos diferentes para poder comprar uma Puch 125 usada e uma Yamaha 250 TD2 standard. Mesmo podendo correr nas 125c, Jarno escolhe as 250cc para fazer sua primeira prova no Mundial e logo de cara, Saarinen consegue um excepcional sexto lugar na Alemanha e um quarto lugar na Iugoslávia. Em Assen, Jarno consegue seu primeiro pódio e após dois quartos lugares (Bélgica e Alemanha Oriental), consegue outro pódio em Brno. Na etapa finlandesa, em Imatra, Saarinen se tornava um dos favoritos, mas um motor quebrado acabou com os sonhos da torcida local, que já tinha Saarinen como ídolo. E não era somente eles.

Graças a sua experiência nas corridas no gelo, Saarinen começou a utilizar um estilo de pilotagem nunca visto antes. Ele foi o primeiro a usar o joelho raspando no asfalto, como aviso de limite para deitar a moto, enquanto o usual era a bota do piloto. A posição que regulava os semi-guidões da moto, proporcionavam uma posição extremamente deitada sobre a moto. Muitos consideraram Saarinen louco e sua forma como andava na moto de selvagem, mas Jarno dificilmente se envolvia em acidentes e seu jeito afável de como tratar as pessoas, junto com sua linda namorada Soili, lhe garantia várias amizades dentro e fora das pistas, enquanto a imprensa já o chamava de "Finlandês Voador", apelido esse que seria dado a vários pilotos nórdicos que surgiriam nos anos seguintes. Os torcedores também tinham outro apelido para Saarinen: O Barão.

Após sua primeira etapa em casa, Saarinen decide interromper sua estada no Mundial para completar seus estudos e pegar o diploma de engenheiro mecânico. Mesmo ficando de fora das três últimas etapas do Mundial, Saarinen assegura um ótimo quarto lugar no Campeonato das 250cc, empatado com Kel Carruthers, enquanto o título ficava para Rodney Gould. Com certeza era um ótimo resultado para um novato, mas Saarinen não fica sem o gosto da vitória e vence o Campeonato Finlandês de 1970 na categoria 250cc.

Já como engenheiro formado, Jarno Saarinen passa a se dedicar unicamente a sua carreira e para 1971 participa dos Campeonatos das 250cc e 350cc pela equipe da Importadora finlandesa Arwidson, com motos da Yamaha. As motos podiam ser de segunda mão, mas Saarinen passa a utilizar seu conhecimento técnico para tirar todo o possível de suas Yamahas. O início do campeonato não foi o ideal, com Saarinen ainda ajustando suas motos em ambas as categorias, mas os resultados não tardariam a aparecer. Na oitava etapa do Mundial, em Brno, na então Tchecoslováquia, Saarinen consegue sua primeira vitória no Mundial na categoria 350cc, se aproveitando do abandono da lenda viva Giacomo Agostini, que quebrara o motor, enquanto conquistava um bom terceiro lugar nas 250cc. Na Suécia consegue dois terceiros lugares nas duas provas que disputou e termina em segundo lugar em sua casa nas 350cc. Apesar do talento de Saarinen ser inerente, muitos ainda diziam que o finlandês só havia vencido porque Agostini não estava na pista. Ainda faltava uma vitória consagradora. E ela viria na casa de Agostini, no Grande Prêmio das Nações em Monza. E com Agostini e Phil Read, outra estrela da época, na pista!

Mesmo estando numa moto privada, Saarinen consegue uma incrível terceira posição nas 250cc (com uma vitória na Espanha na última etapa) e um excepcional vice campeonato nas 350cc. Jarno ainda teve tempo para participar de algumas etapas da categoria 50cc com uma Kreidler e vencer os Campeonatos Finlandeses das 250cc e 350cc!

Saarinen passa a ser uma estrela do Mundial de Motovelocidade e mesmo se mantendo na mesma equipe, se torna um dos favoritos para vencer tanto o campeonato das 250cc, como nas 350cc. Mais experiente e tendo melhores motos da Yamaha à disposição, Saarinen começa o ano vencendo o Grande Prêmio da Alemanha Ocidental nas 350cc, batendo a MV Augusta de Agostini. Saarinen repete a dose em Paul Ricard e no Grande Prêmio da Tchecoslováquia, Jarno vence nas duas categorias, 250 e 350 cc! Sua excelente performance levam a Yamaha a lhe fornecer uma nova moto, refrigerada a água e bicilindrica de 350 cc. Com ela, Jarno vence novamente o GP da Inglaterra, em Silverstone, enquanto conseguia uma seqüência de três vitórias nas 250cc. A MV Augusta vê seu domínio de anos, junto com Agostini, se despedaçar e meio que no desespero lança sua moto de quatro cilindros nas 350cc. Só assim Saarinen foi parado. Por um gênio como Giacomo Agostini e por um tradicional fábrica por trás. Sendo que Jarno ainda corria por uma equipe privada.

Se não foi possível vencer nas 350cc, onde foi vice novamente, Saarinen mandou nas 250cc e se tornou o primeiro piloto finlandês a se tornar Campeão Mundial de Motovelocidade, derrotando o favorito Renzo Pasolini, que era piloto oficial da Harley Davidson. Correndo em outras provas, Saarinen dá mostras de sua grande capacidade e vence a "Race of the year" em Mallory Park, com uma moto de 750cc, batendo o recorde da pista que já durava dez anos. Saarinen participa de outras oito provas na Inglaterra e vence todas. Numa prova internacional no circuito de estrada de Pesaro, na Itália, Jarno consegue um feito inédito. Vence as 250 cc de Yamaha, as 350 cc de Benelli e as 500 cc, também de Benelli, deixando em segundo lugar o favorito e piloto da casa, Giacomo Agostini e sua MV Agusta. Isso sem contar mais dois títulos finlandeses nas 250cc e 350cc.

Com uma carreira tão avassaladora, Saarinen é assediado por duas fábricas para 1973. Uma era a Benelli, que desenvolvia suas motos 350 e 500cc de quatro cilindros. Porém, Saarinen sempre havia corrido pela Yamaha no Mundial e a marca japonesa foi a escolhida pelo finlandês. A Yamaha tinha planos ambiciosos para derrotar a MV Ausgusta e Giacomo Agostini nas 500cc e planejava colocar na pista uma Yamaha de quatro cilindros, de dois tempos e refrigerado a água. Saarinen era o piloto número 1 da Yamaha e mostra seu talento ao vencer as 200 Milhas de Daytona com uma Yamaha TZ350, enquanto seus adversários usavam motos de 750cc! Jarno vence também a tradicional 200 Milhas de Ímola e começava a temporada do Mundial das 250 e 500cc como favorito.

Sem nenhuma dúvida seu maior adversário no campeonato das 500cc seria Giacomo Agostini e sua MV Augusta e o primeiro duelo seria em Paul Ricard, na França. Os dois duelaram pela ponta no início da prova, mas Agostini caí e Saarinen vence à frente de Phil Read. O detalhe foi que Jarno venceu também nas 250cc! Ele repetiu a façanha na Áustria, em Salzburgring. Ele ganhou os novamente em Hockenheim nas 250cc, mas teve que abandonar na corrida das 500cc depois de uma grande batalha pela ponta com Phil Read. A correia de Jarno quebrou a 220 km/h!

Com cinco vitórias em seis provas, Jarno Saarinen já era considerado o maior favorito ao título de 1973, quando o circo do Mundial de Motovelocidade chegou a Monza para a quinta etapa do ano. A primeira corrida de Saarinen naquele dia 20 de maio de 1973 seria nas 250cc, que seria realizada logo após a corrida das 350cc. No Curvão, a Benelli do italiano Walter Villa teve o motor quebrado e deixado muito óleo no local. Como o incidente tinha acontecido na última volta, os organizadores não deram a importância devida ao fato e simplesmente não limpou a pista ou sinalizou o local. Ainda na primeira curva da corrida das 250cc aconteceria a tragédia.

Renzo Pasolini tinha pulado na ponta na largada, seguido muito de perto por Saarinen. Quando o pelotão de motos se aproximou do Curvão pela primeira vez, Pasolini derrapa no óleo de Villa e derrapa. Sem ter o que fazer, Saarinen atinge Pasolini em cheio e mata o italiano na hora. Jarno também cai e atinge com força os fardos de feno que margeavam a curva. Como as motos estavam com tanque cheio, uma grande explosão fez com que quatorze pilotos caíssem e doze saíssem seriamente machucados. Infelizmente, Saarinen também morreu na hora. Ele tinha apenas 28 anos. Foram apenas 46 corridas no Mundial, mas Jarno tinha incríveis quinze vitórias no currículo, 32 pódios, 459 pontos marcados e o título Mundial das 250cc de 1972.

Após a tragédia em Monza, as equipes de fábrica da Yamaha, Suzuki, MV Augusta e Harley Davidson se uniram pedindo mais segurança para os seus pilotos. A Yamaha foi ainda mais longe e abandonou a disputa em memória de Saarinen, que foi o primeiro piloto a morrer atrás do guidão de uma Yamaha. Provando que Monza não servia para abrigar corridas de moto na época, apenas quarenta dias depois do ocorrido três jovens pilotos italianos morreram numa etapa do Campeonato Italiano de Motovelocidade. E no mesmo local que tinha matado Saarinen e Pasolini! Foi decidido que Monza não receberia mais provas de moto e essa decisão durou até 1981.

O legado de Jarno Saarinen permaneceu por vários anos, com vários pilotos copiando seu estilo de guiar e até hoje se vê um pouco de Saarinen nas corridas atuais, com os pilotos raspando os joelhos no asfalto. Mesmo sendo muito agressivo, Saarinen só sofreu uma queda antes do seu acidente fatal e além de tudo era um jovem alegre e carismático, querido por todos no meio motociclístico e fora dele. Um fenômeno que o esporte a motor perdeu e sua carreira meteórica o fez conseguir resultados em que a maioria dos pilotos demorariam vários anos para conquistar. Trinta e cinco anos após a sua morte, há vários fã-clubes na Itália e na Finlândia. Em 1973 o nome Jarno se tornou extremamente popular na Itália, com muitos recém-nascidos recebendo esse nome, inclusive Jarno Trulli. O mundo da motovelocidade perdeu um grande acertador de motos, um inovador, mas, principalmente, um Campeão, na forma de Jarno Saarinen.

4 comentários:

Speeder76 disse...

Excelente, lembrares do Saarinen. Apesar de não ser um ultra-fã de motos, sei a importância que este piloto teve na história do motociclismo. É irónico que a primeira vez que se ouve falar de finlandeses na pista, tenha sido nas motos!

Speeder76 disse...

Só para complementar, eis o post que escrevi sobre ele, no aniversário do seu nascimento.


http://continental-circus.blogspot.com/2007/12/lenda-de-jarno-saarinen.html

Arthur Simões disse...

Mesmo não sendo fã de motos o seu texto mostra como Saarinen foi gênio e inovador!!!
Excelente texto!!!
O que mais me surpreendeu foi que ele ganhou tudo com uma moto privada e sem apoio de uma fábrica!!!

Parabéns pelo texto JC!!!

Anônimo disse...

Jarno Saarinen seria com certeza campeão por várias temporadas independente das categorias porque tinha técnica inovadora de pilotagem, conhecimento técnico de preparação de motos e principalmente paixão pelo que fazia.
Para a época foi uma aparição assombrosa que pegou a todos como uma grata surpresa no mundo motociclístico desbancando os até então favoritos.
Carreira curta pelo que ele ainda podia ser mas intensa enquanto vivo nas pistas.
Técnico, combativo, inigualável, meu ídolo nos tempos em que fui mecânico e corria de motos também.
Infelizmente para se ter mais segurança nos esportes muitas vezes precisam ocorrer tragédias como a de sua morte em Monza.
Seu legado existe até hoje quando vemos os pilotos "sairem literalmente da moto" baixando o centro de gravidade o que lhes permitindo serem extremamente rápidos.
Quem gosta de motovelocidade não pode deixar de saber quem foi Jarno Saarinen pois a história eterniza os verdadeiros campeões.
Dadário (jldadario@hotmail.com)