A velocidade pura muitas vezes não significa a garantia de um título mundial. Vários fatores têm que ser colocados. René Arnoux foi um dos pilotos mais rápidos da F1 na primeira metade dos anos 80 e o pequeno francês parecia ter nascido para correr com carros turbinados. Uma das crias do projeto da Elf em encher a F1 de pilotos franceses, Arnoux era sensacional em uma volta rápida e se tornou conhecido pela sua briga épica com Gilles Villeneuve em 1979. Contudo, Arnoux carecia em outros fatores, principalmente na política de equipe, e por isso, nunca se tornou campeão mundial de F1. Completando 60 anos na última sexta-feira, vamos dar uma olhada na carreira desse baixinho francês que marcou época na F1.
René Alexandre Arnoux nasceu no dia 4 de Julho de 1948 na cidade de Grenoble, na França. O pequeno (literalmente!) René começou a correr de kart na Itália aos 12 anos de idade e o fez por seis anos, preparando seu kart em uma garagem que preparava carros de rally. Quando completou 18 anos, Arnoux teve que servir ao exército e isso atrasou um pouco o andamento de sua carreira. Em 1972, Arnoux venceu o tradicional Volante Shell, mas infelizmente a petrolífera deixou de apoiar o concurso e René quase que ficou na mão. Porém, a Elf, que já investia bastante em jovens pilotos gauleses, resolve apostar em Arnoux e René passou a ser patrocinado pela petrolífera francesa. Seria o início de uma parceria duradoura. Ainda no primeiro ano de contrato com a Elf, Arnoux se tornou campeão francês de F-Renault e no ano seguinte ele passou para o Campeonato Europeu de F-Super Renault, conseguindo o troféu dois anos depois. Ainda em 1974 Arnoux participou de algumas etapas do conceituado Campeonato Europeu de F2, mas sua chance viria em 1976.
Com o apoio da Elf e da Renault, Arnoux estrearia para valer no Europeu de F2 em 1976 pela equipe Martini-Renault. Mostrando sua velocidade e arrojo, René venceu três provas (Pau, Enna-Pergusa e Estoril) e terminou o campeonato em segundo lugar, atrás de um piloto que lhe seria marcante, tanto pela amizade como pelo aprendizado: Jean-Pierre Jabouille. Mesmo com um baita desempenho na estréia, Arnoux resolve ficar mais um ano na F2 pela mesma equipe e o resultado esperado não era menos do que o título e ele veio após três vitórias (Silverstone, Pau e Nogaro) e três segundos lugares, ficando à frente de Eddie Cheever e Didier Pironi no campeonato.
Mesmo já contando com 29 anos de idade, Arnoux finalmente teve sua primeira oportunidade na F1. A Renault estava participando da F1 desde 1977 e mais uma vez os franceses estavam abrindo caminho. Desta vez seria a introdução dos motores turbo na F1. A Renault já tinha uma boa base para trabalhar com seus motores de 2l de F2, fora os motores turbo que a Renault usava em seus Alpines no Mundial de Esporte-Protótipos. Quem desenvolveria a novidade era o velho piloto de testes da Renault, Jean-Pierre Jabouille de 34 anos, que mesmo não tendo uma grande velocidade, era bastante experiente e isso ajudaria nos passos iniciais da nova equipe. Mesmo sendo mais rápido que Jabouille, Arnoux ainda tinha que ganhar experiência. O primeiro carro da Renault, o RS01, era mais um carro de testes, pois era muito ruim aerodinamicamente, difícil de guiar, sofria com o atraso de potência, sua faixa de potência era extremamente estreita, era um comilão de combustível e ainda era bastante inconfiável.
Arnoux teria que procurar outro cockpit para 1978 e ele nem precisou sair de sua equipe de F2 para encontrá-lo. Tico Martini resolveu fazer uma equipe de F1 baseado na velha fórmula das demais equipes pequenas da época: Um kit-car baseado no motor Ford-Cosworth DFV. Contudo, o MK23 foi uma grande decepção, pois não tinha a tecnologia do efeito-solo e era pouco financiado. Arnoux seria o único piloto da equipe e após não ter se classificado para os Grandes Prêmios da África do Sul e de Mônaco, René faria sua estréia na F1 no Grande Prêmio da Bélgica, onde conseguiria um decente nono lugar. Ele ainda correria na França, Áustria e Holanda, mas a equipe Martini de F1 acabaria se desfazendo após a etapa holandesa por falta de dinheiro, mas Arnoux não ficaria muito tempo desempregado. Após o Grande Prêmio da Itália de 1978, a equipe Surtees ficou sem pilotos, após a saída de Rupert Keegan e de Vittorio Brambilla estar no hospital, após o italiano ter se envolvido no acidente fatal de Ronnie Peterson. Arnoux foi convidado pela Surtees a participar das duas últimas etapas do ano, mas a equipe do Campeão Mundial John Surtees estava moribunda naquele momento e o francês não conseguiria tempo para largar nessas duas etapas. Diga-se de passagem, essas duas corridas seriam as últimas da Surtees.
Sentindo-se cada vez mais preparada, após ter conquistado seus primeiros pontos quinze meses após sua estréia na F1, a Renault resolve colocar um segundo carro na pista e Arnoux finalmente poderia estrear na fabricante que tanto tinha lhe ajudado. O novo carro, RS10, foi um grande salto para a equipe e Arnoux começou a mostrar sua grande velocidade, principalmente na segunda metade do ano. No Grande Prêmio da França, correndo em casa, a Renault dominou a primeira fila e Jabouille deu a primeira vitória para a marca francesa na frente dos seus torcedores. Contudo, a primeira vitória de Jabouille na F1 ficou totalmente obscurecida pela batalha pela segunda posição. Enquanto Gilles Villeneuve fez mais uma largada-foguete, Arnoux ainda sofria com o atraso do turbo e perdeu várias posições na partida. O canadense da Ferrari permaneceu várias voltas na liderança até ser ultrapassado por Jabouille, enquanto Arnoux fazia uma bela corrida de recuperação e se aproximava de Gilles nas últimas voltas. Então, os deuses do automobilismo contribuíram para uma batalha épica que entrou para a história do automobilismo em todos os tempos. Os pneus Michelin de Villeneuve estavam no bagaço no final da prova francesa, mas quando Arnoux se aproximou da Ferrari, o motor turbo de Arnoux começou a cortar no final da longa reta dos boxes de Dijon-Prenois. Os dois ficaram em condições de igualdade de formas diferentes. O que se viu naquelas duas últimas voltas não podem ser descritas com palavras...
Arnoux perdeu a batalha para Villeneuve, mas entrou definitivamente no panteão dos grandes pilotos da época. Seu primeiro pódio na F1 foi sucedido por uma segunda posição na etapa seguinte em Silverstone e a repetição do resultado no Grande Prêmio dos Estados-Unidos Oeste. Na Áustria, René consegue sua primeira pole, no que tornaria sua grande marca. No final do ano, Arnoux terminaria com 17 pontos no campeonato, quase o dobro de Jabouille, já que o francês só marcara pontos com sua vitória em Dijon. A Renault subia de produção e, aos poucos, entrava no rol das favoritas, na mesma medida em que as demais equipes copiavam a tecnologia do turbo. Arnoux já sobrepujava Jabouille dentro da equipe e a primeira vitória não demoraria a acontecer. O novo RE20/25 já levava seus pilotos ao pelotão da frente e após uma corrida apagada na Argentina, a Renault estava bem em Interlagos, segunda etapa do Mundial de 1980, e logo Jabouille e Arnoux faziam dobradinha no circuito paulista. Contudo, o turbo de Jabouille quebrou e Arnoux pôde comemorar sua primeira vitória em terras brasilis. Esta seria a última corrida de F1 no antigo traçado de Interlagos, que era considerado o melhor do mundo e Arnoux teve a honra de ser o último vencedor. Em Kyalami, no ar rarefeito da África do Sul, a Renault voltava a dominar por causa dos turbos e Jabouille e Arnoux formaram a primeira fila da corrida, com René comboiando seu companheiro de equipe até a volta 61m quando Jabouille abandona, desta vez com o pneu furado, e Arnoux não apenas vence sua segunda corrida consecutiva, como liderava o Campeonato Mundial! Infelizmente, a Renault caí de rendimento assustadoramente e o máximo que Arnoux consegue são três poles consecutivas no final do ano e a sexta posição no Campeonato, que foi vencido por Alan Jones.
Na penúltima etapa de 1980, Jean-Pierre Jabouille sofre um sério acidente no Grande Prêmio do Canadá e tem as duas pernas quebradas. Como o veterano piloto não ficaria mais na equipe em 1981, a Renault foi atrás de um piloto para substituí-lo. Era preciso um piloto talentoso, de preferência jovem e francês. Alain Prost tinha vencido o Europeu de F3 em 1979 e estreado muito bem na F1 em 1980, conseguindo levar a então sofrível McLaren e bons resultados. Isso chamou a atenção da Renault que o contratou para ser companheiro de equipe de Arnoux. Seria o começo de uma grande inimizade! René podia ter uma grande velocidade natural, mas foi pego de surpresa em ver o jovem Alain Prost se tornar rapidamente um piloto maduro e calculista. Quando a Renault estreou o RE30 no Grande Prêmio da Espanha, Prost tomou as rédeas da equipe e venceu sua primeira corrida em casa, em Dijon-Prenois. Na segunda corrida do carro! Enquanto Prost conseguia três vitórias e liderou o maior número de voltas durante o ano, com 1.073,4 km, Arnoux só conseguiu 11 pontos, liderou apenas 278,9 km e ainda foi superado nas Classificações (10-5), o que era o grande forte de Arnoux. Porém, René conseguiu quatro poles, contra duas de Prost.
Inevitavelmente a rivalidade entre Arnoux e Prost refletiu fora das pistas e as relações entre eles pioravam na medida em que a Renault ficava dividida. Prost jogava nos bastidores, enquanto Arnoux era degradado ao segundo plano dentro da equipe. A Renault apostava em Prost, enquanto achava Arnoux muito irregular. Para piorar as coisas para René, Prost venceu as duas primeiras etapas de 1982, mas um meio de temporada ruim da equipe fez com que Prost não marcasse pontos pelas sete corridas posteriores, enquanto Arnoux, que foi terceiro na primeira etapa, na África do Sul, não marcou pontos nas nove próximas corridas. Entre os vários abandonos, houve o forte acidente no Grande Prêmio da Holanda, onde Arnoux perdeu uma roda no final da reta dos boxes e bateu na proteção de pneus a alta velocidade, escapando ileso milagrosamente. Após tantos infortúnios, o Grande Prêmio da França seria crucial para a Renault e seus pilotos. Na Classificação, Arnoux conseguia mais uma pole e teria Prost ao seu lado na primeira fila. Com 18 pontos no campeonato, Prost ainda brigava pelo título mundial e por isso, a Renault decidiu que daria ordens de equipe se fosse necessário. Para desespero da Renault e de Prost, Arnoux desconsiderou totalmente essas ordens e venceu a corrida em Paul Ricard. Prost ficou furioso, dizendo que Arnoux descumpriu o que tinha sido acordado antes da corrida, enquanto René respondeu que nenhuma ordem tinha sido dada e que ele estava livre para correr e ganhar. A partir desse momento ficou claro que Arnoux deixaria a Renault.
Arnoux estava negociando com a Ferrari e um dia antes de ser anunciado pela equipe, venceu o Grande Prêmio da Itália, na frente dos dois carros de Maranello, para êxtase dos tifosi. Arnoux foi para a Ferrari em 1983 e seu estilo forte de guiar agradava bastante Enzo Ferrari e os fanáticos torcedores italianos. René teria como companheiro de equipe Patrick Tambay, fazendo da Ferrari uma equipe toda francesa. Após um início cambaleante de campeonato, com apenas oito pontos nas sete primeiras corridas, Arnoux conseguiu uma vitória acachapante em Montreal, vencendo de ponta a ponta e com mais duas vitórias (Alemanha e Holanda) e dois segundos lugares, Arnoux brigava seriamente pelo Campeonato com Nelson Piquet e seu desafeto Alain Prost. Quando foi anunciado o interesse da Ferrari por Prost durante o Grande Prêmio da Itália, Arnoux desfilou com uma camisa dizendo "Not for sale" (Não estou à venda). Na penúltima etapa do ano em Brands Hatch, Arnoux rodou sozinho e praticamente deu adeus aos sonhos de título com a vitória de Piquet, com Prost logo atrás. Para piorar, durante os treinos para o Grande Prêmio da África do Sul, Arnoux sofreu um acidente para lá de esquisito. Sua Ferrari teve uma pane e René estacionou o seu carro no acostamento. Com pressa de retirar o seu carro da pista, Arnoux não percebeu que sua Ferrari era empurrada pelos comissários e ele acabou atropelado pelo próprio carro!
Se perdeu o título de 1983, Arnoux ao menos viu Prost perder um campeonato que estava praticamente ganho. Patrick Tambay foi um ótimo companheiro de equipe de Arnoux, mas o francês se mudou para a Renault em 1984, enquanto a Ferrari trouxe o promissor italiano Michele Alboreto. Primeiro italiano em muitos anos a atuar na Ferrari, Alboreto era um antigo sonho ferrarista e isso não fez nada bem a Arnoux. A Ferarri não foi páreo ao poderio da McLaren e Arnoux também não páreo para Alboreto. Enquanto o italiano conseguia uma vitória e uma pole, Arnoux só conseguiu dois segundos lugares e foi superado nas Classificações por 12-4. Ainda havia espaço para grandes exibições, como o Grande Prêmio dos Estados Unidos, em Dallas, quando Arnoux teve que largar nas últimas posições por problemas na volta de apresentação e no final da corrida conseguiu beliscar uma belíssima segunda posição. Mal sabia Arnoux que este seria seu último pódio...
Já contando com 37 anos de idade, Arnoux via a decadência se aproximar aos poucos. Porém, o francês não contava com uma jogada nada ética da Ferrari. Após conseguir um bom quarto lugar no Grande Prêmio do Brasil de 1985, primeira etapa do ano, misteriosamente Arnoux foi demitido da Ferrari. A equipe alegou problemas físicos de René, mas a verdade é que Stefan Bellof estava na mira dos italianos e se quisesse ter o alemão em 1986, eles teriam que se livrar de Arnoux, que ainda tinha contrato até o ano seguinte. Com os carros decentes todos ocupados, Arnoux passou 1985 parado, voltando a F1 em 1986 pela Ligier. Com a Renault fechando as portas no final de 1985, muitos técnicos da equipe migraram para a Ligier, garantindo alguns resultados decentes para o Arnoux, que corria com o também veterano Jacques Laffite, formando uma das duplas de piloto mais velhas dos últimos tempos. Quando a Renault também deixou de fornecer motores a Ligier no final de 1986, a equipe procurou a Alfa Romeo e após os primeiros testes, Arnoux detonou os motores italianos e isso foi o início do fim da carreira de Arnoux na F1.
Entre 1987 e 1989, Arnoux só marcaria três pontos e ficaria com a fama de chicane ambulante. Arnoux mal conseguia classificar seu carro para as provas e quando conseguia, provava ser um retardatário bastante difícil de ser deixado para trás. Quando encontrava Prost então... No Grande Prêmio de Mônaco de 1989, Porst estava apenas 7s atrás do líder Senna, quando encontrou Arnoux pela frente. Na volta seguinte, a diferença subiu para absurdos 39s! No Grande Prêmio da Austrália de 1988, Arnoux simplesmente jogou o líder da prova, Gerhard Berger, para fora da pista. Já contando com 40 anos de idade, Arnoux foi superado pelo seu inexpressivo companheiro de equipe Olivier Grouillard por 11-4 nas Classificações em 1989 e isso era a prova de que a velocidade estonteante de René era coisa do passado e o francês deixou a F1 no final do ano com o cartel de 149 Grandes Prêmios, sete vitórias, 18 poles, 12 melhores voltas, 22 pódios e 181 pontos conquistados.
Após abandonar a carreira, Arnoux fez algumas aparições esporádicas em Le Mans e nas corridas de gelo na França. Aproveitando sua fluência no italiano, Arnoux se tornou comentarista da RAI, mas ele seria substituído por Ivan Capelli logo depois. Junto com Jean-Paul Driot, René criou a DAMS (Driot Arnoux Motor Esporte) e na metade da década de 90 se tornou uma das melhores equipes da F3000, revelando para o mundo Olivier Panis, Eric Bernard e Jean-Christophe Bouillon. Por sinal, a equipe ainda participa ativamente nas categorias de base, atuando na GP2 com relativo sucesso. Depois de ajudar Pedro Diniz na Forti Corse em 1995, Arnoux se desligou totalmente da F1 até ser convidado a correr na GP Masters em 2006. Recentemente, Arnoux começou um negócio de kart indoor chamado Kart'in, com quatro pistas pela França e produziu um video-game chamado René Arnoux Karting. Hoje, René Arnoux mora em Paris, mas deve se lembrar com saudade da épica batalha com Gilles Villeneuve no Grande Prêmio da França de 1979.
Parabéns!
René Arnoux
2 comentários:
Òtimo texto JC!!
Esse fim de carreira do Coulthard me fez lembrar o do Arnoux.Piloto velho,batido pelo companheiro e uma chincane ambulante...
JC,a DAMS não tentou entrar na F1??
Abraço!
Olá Arthur
Que eu saiba, a DAMS não projetou sua entrada na F1...
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