domingo, 30 de novembro de 2008

Para entrar na história


Muita gente tem receio em dizer que determinado fator foi o "melhor" ou o "maior". Não tenho isso. Por exemplo, não tenho medo de dizer que a disputa entre Valentino Rossi e Casey Stoner em Laguna Seca esse ano foi tão emocionante e histórico quando a famosa disputa entre Gilles Villeneuve e René Arnoux na última volta do Grande Prêmio da França de 1979. Assim como a última volta de Felipe Massa e Robert Kubica no Grande Prêmio do Japão do ano passado também vale paralelo, sem contar o fator da forte chuva que caía em Fuji. Muitos consideram uma heresia, mas acho que é a pura realidade. Por causa disso, não tenho medo de dizer que a temporada 2008 de F1 foi a melhor dos últimos vinte anos. Se em 2007 houve um campeonato tão emocionante quanto, mas sem grande corridas para se lembrar, esse ano teve, no mínimo, meia dúzia de excelentes corridas e uma decisão de campeonato que definitivamente entrou para a história dos 58 anos de F1.

O ano se iniciou, novamente, com uma F1 com novos regulamentos. O principal destaque era o fim do controle de tração, que seria gerido por uma centralina cedido pela F1. Grande vilão apontado pelos puristas, o final do controle de tração significou uma dor de cabeça para os pilotos, principalmente na chuva. Coulthard e Button chiaram, mas quem reclamou mais foi Felipe Massa. Talvez temendo pelo seu pé pesado demais...

A Ferrari era a grande favorita após vencer um campeonato praticamente perdido em 2007 com Kimi Raikkonen. O finlandês entrava, queiram ou não, como piloto número 1 da Ferrari, enquanto muitos diziam que Felipe Massa tinha perdido sua grande oportunidade na temporada seguinte, pois já estava acostumado com o clima ferrarista, enquanto Kimi ainda estava se entrosando com o seu pessoal. Mas se na Ferrari havia uma certa estabilidade, a McLaren fez uma mudança drástica após tamanhas presepadas no final de 2007. Foram enormes brigas internas e externas. Um campeonato que já começava no prejuízo. Dois pilotos que, juntos, tinham duas temporadas de experiência na F1. E a saída de um bicampeão mundial. A equipe de Ron Dennis tinha mais perguntas do que respostas antes da F1 chegar a Melbourne. Como se sairia sem Alonso, que tinha trazido tanta competitividade a equipe? Como Hamilton se comportaria após tamanho sucesso logo em sua primeira temporada?

Todas essas perguntas foram respondidas com uma vitória explêndida do inglês na primeira etapa do ano na Austrália. Hamilton mostrou que podia brilhar sem o seu desafeto Alonso ao seu lado e deu um show de competência numa corrida caótica, cheia de acidentes e surpresas. Enquanto isso, o espanhol, que tinha voltado a Renault, fez uma boa prova num carro nitidamente limitado, mas Alonso sabia que aquela corrida tinha sido uma excessão. A ponto de Nico Rosberg ter levado a Williams de volta ao pódio, algo que se repetiria novamente no final da temporada, mas a equipe de Frank Williams não teria uma temporada feliz pela frente. A prova australiana tinha sido ótima e, para deleite dos mais antigos, com os carros escapando no asfalto liso do circuito improvisado de Albert Park. Isso aconteceria em toda a temporada? Sepang mostrou que não. Debaixo do abafado calor malaio, a corrida foi chata e sem grandes lances de emoção, porém serviu para a Ferrari voltar a vencer com Raikkonen. Após um início de campeonato pífio, a escuderia italiana precisava voltar a vencer e o fez com a eficiência de sempre de Kimi, mas o que poderia ser uma dobradinha se transformou no pior momento de Felipe Massa na temporada.

Vindo num tranqüilo segundo lugar, Massa errou sozinho e jogou fora oito pontos do campeonato. Ao sair da sua Ferrari atolada na areia, Felipe saiu com as mãos na cabeça e muita gente sentiu que o campeonato tinha acabado ali. Pior. Felipe estaria com o cargo ameaçado e o fato de não ter admitido a culpa piorou sua situação. Assistindo ao "Bem, Amigos" um dia após a decisão do campeonato, Galvão Bueno preferiu mostrar os erros da Ferrari que acabaram prejudicando Massa na luta pelo título. Mas por que ele não passou os dois erros de Felipe nas duas primeiras etapas do ano? Massa precisava de uma volta por cima e ela veio no deserto do Bahrein, com uma vitória consagradora e uma dobradinha ferrarista, levando Kimi ao topo do campeonato. Porém, uma terceira força começava a aparecer em 2008. Robert Kubica conseguiu sua primeira pole na F1 e a BMW demonstrava que tinha condições de, em determinados momentos, andar próximo de Ferrari e McLaren. Na Espanha, Kimi assumia de vez a pecha de favorito destacado do campeonato com uma vitória acachapante em mais uma procissão em Barcelona. Como Massa tinha completado a segunda dobradinha ferrarista seguida, muitos pensavam que o campeonato seria domínio da Ferrari. Hamilton, após não marcar pontos no Bahrein, chegou em terceiro e a McLaren ainda viu que dificilmente teria sucesso no Mundial de Construtores. Heikki Kovalainen, que tinha andando razoavelmente bem na Renault em 2007, sofreu o acidente mais assustador da temporada em Barcelona e provou que não faria sombra frente ao talento de Hamilton.

O que poucos sabiam naquele momento era que Raikkonen não venceria mais uma corrida até o final do ano e a Super Aguri estava se despedindo da F1. A simpática equipe apoiada pela Honda estava com sérios problemas financeiros e só participou das cinco primeiras etapas graças aos esforços de Aguri Suzuki. A Honda, desiludida com mais um carro ruim, mesmo tendo Ross Brawn, pouco fez para contornar a situação de sua prima pobre e a F1 voltava a ter vinte carros no grid. Após três corridas sem graça, a F1 voltava a ter uma corrida boa em Istambul. Felipe Massa venceu pela terceira vez seguida na Turquia e ainda largou na pole, mas teve que lidar com uma ultrapassagem do atrevido Lewis Hamilton, mais leve no início da corrida. Quando a disputa pelo título parecia uma afazeres interno na Ferrari, veio a chuvosa corrida em Mônaco e a segunda vitória de Lews Hamilton. Numa das melhores corridas monegascas nos últimos tempos, a chuva foi protagonista de uma prova cheia de alternativas e surpresas. Que começaram no sábado, quando Felipe Massa conquistou mais uma pole num circuito que admite não gostar. Continuou com Massa andando bem na chuva (algo ainda mais anormal!) e tendo um Robert Kubica fazendo uma apresentação de luxo, sem cometer erros. Hamilton sofreu um acidente que acabou lhe furando um pneu, mas ele mudou sua estratégia rumo a outra vitória numa corrida caótica. Quando a pista secou, a Ferrari errou mais uma vez ao trocar a estratégia de Felipe. Seria a primeira de muitas. Quem errou bastante foi Raikkonen, que no final da prova colocou para fora Adrian Sutil, que levava sua humilde Force India a um incrível quarto lugar. Ao chegar aos boxes, o alemão chorou, pois sabia que não teria outra chance como aquela. E não teve mesmo e a Force India foi a única equipe que não marcou pontos em 2008.

A F1 cruzava o Atlântico para o Grande Prêmio do Canadá com Hamilton em ótima fase. Comprovando isso, o piloto da McLaren consegue a pole e liderava com folga até o safety-car aparecer e todos irem aos boxes de uma vez. Como aconteceu ano passado, os boxes ficam fechados e Raikkonen e Kubica ficaram esperando o sinal verde aparecer. Algo que Hamilton se esqueceu bizonhamente e encheu a traseira de Raikkonen. Os dois estavam fora. Como Massa, em mais um erro ferrarista, se perdeu em seu pit-stop, o caminho ficou aberto para a primeira vitória de Robert Kubica e da BMW. Com direito a dobradinha! Exatamente um ano depois de quase perder a vida em forte acidente em Montreal, Kubica saía da bela cidade canadense como líder do campeonato e, definitivamente, como piloto de ponta. Pena é que a F1 não voltará, pelo menos por enquanto, a Montreal após desacordos entre Bernie Ecclestone e as autoridades canadenses. Mesmo destino teve o Grande Prêmio da França, que realizou sua última corrida no insosso circuito de Magny-Cours e viu o Brasil assumir pela primeira em quinze anos a liderança isolada do Mundial de Pilotos com Felipe Massa, que conseguiu uma vitória de muita sorte após se aproveitar de um problema de Kimi Raikkonen, que liderava com muita facilidade.

Hamilton, que tinha sido punido na França, começava a ser questionado em seu próprio país. Ele era isso tudo mesmo? Perguntavam os súditos da rainha. O piloto da McLaren respondeu com outra vitória debaixo de muita água! Se para os ingleses tudo era festa, para o Brasil o sentimento era ambíguo. Felipe Massa fez uma pilotagem medíocre em Silverstone e rodava a cada cinco voltas, mostrando que realmente não anda bem debaixo d'água. Disso, ninguém também lembrou no final do ano... Por outro lado, Rubens Barrichello voltava ao pódio após longo e tenebroso inverno e mostrava a Honda que ainda tinha talento. Pena que a equipe não se sensibilizou com o desempenho de Rubinho e dificilmente ficará com o veterano brasileiro, que bateu o recorde de 256 corridas que era de Patrese na Turquia, e preferiu ficar com Jenson Button, que fez uma temporada abaixo da crítica. Quando seu carro pegou fogo no Brasil, muitos diziam para que deixassem queimar um carro tão ruim!

Para mostrar que Hamilton era o melhor piloto do momento, Hockenheim viu outra grande corrida marcada pela polêmica regra de fechar os boxes quando o safety-car estava na pista. Lewis liderava com folga até Timo Glock bater muito forte no meio da reta dos boxes. A McLaren se atrapalhou completamente e preferiu deixar Hamilton na pista, enquanto todo o resto do pelotão foi ao box. Além de Nelsinho Piquet. O brasileiro da renault vinha fazendo uma temporada medonha, mas o fato de correr em casa (ele nasceu em Heidelberg, próximo ao circuito de Hockenheim) lhe deu uma força extra e pela primeira vez na carreira liderou uma corrida na F1 quando Hamilton foi aos boxes pela segunda vez. Praticamente o emprego de Nelsinho, muito ameaçado naquele momento, ficou seguro até o final de 2009. Então, o inglês fez uma prova espatecular, ultrapassando todo mundo até chegar a liderança da corrida e do campeonato. Mais uma vez, a F1 dizia que o campeonato parecia decidido em favor de Hamilton, mas tudo mudou novamente. Na Hungria, num circuito que teoricamente favorecia a McLaren, Felipe Massa fez uma das melhores apresentações de sua carreira. Após uma largada impressionante, o ferrarista abriu vantagem sobre Hamilton e venceria com tranqüilidade até ter o motor estourado faltando apenas três voltas, no momento de maior pena no ano da F1. Com esse resultado, Kovalainen vencia pela primeira vez na carreira e Glock chegava ao pódio com méritos. O alemão da Toyota fazia uma temporada ruim até então, mas o acidente em Hockenheim pareceu ter acordado o atual campeão da GP2 a ponto dele superar seu veterano companheiro de equipe Trulli até o final da temporada.

Como tinha acontecido após a Malásia, Massa precisava de muita força para superar outra decepção e o ferrarista teve isso de sobra para vencer o tedioso Grande Prêmio da Europa, que foi realizado ao redor do porto de Valência. Raikkonen quebrava mais uma vez o motor e a confiabilidade da Ferrari era posta em xeque. E até mesmo Kimi. Se ele quizesse garantir o bi, ele teria que reagir logo. Na pista que ele mais gostava, Spa, Raikkonen deu um show de pilotagem na melhor corrida do ano na minha opinião. Com piso seco, a corrida já tinha sido muito boa e com várias ultrapassagens, mas uma chuva no final da prova proporcionou a melhor briga pela liderança nas voltas finais nos últimos tempos. O que Raikkonen e Hamilton fizeram naquela pista molhada de Spa entrou na história, mas a FIA tratou de estragar tudo horas depois. Durante a batalha, Hamilton cortou a chicane e ultrapassou Kimi, mas o inglês devolveu a posição logo depois. Raikkonen pareceu ter freado mais cedo que o normal na curva seguinte e Hamilton ultrapassou novamente. Em tempos em que a Ferrari luta por mais ultrapassagens, a FIA resolveu punir Hamilton com 25s e deu a vitória para Felipe Massa, que fez uma corrida, segundo ele mesmo, de bundão.

Como Raikkonen tinha abandonado em Spa, a F1 sabia que o título seria decidido entre Massa e Hamilton. Correndo na casa da Ferrari, Massa tinha tudo para ultrapassar o inglês, mas um fator anormal entrou em cena naquele final de semana. Nunca o Grande Prêmio da Itália tinha sido disputado debaixo de chuva, mas um temporal proporcionou várias surpresas e a chegada de outro piloto de ponta. Sebastian Vettel tinha despontado no ano anterior como uma enorme promessa, mas pouco podia fazer com uma Toro Rosso. Pois o alemão não apenas marcou a pole, como conseguiu uma vitória categórica, entrando para a história como o piloto mais jovem a ganhar uma corrida de F1. A alegria de sua equipe, que a três anos atrás era a humilde Minardi, foi tocante. Se um daqueles caras sonhou que isso pudesse acontecer três anos antes, ele seria tachado de louco. Com esse resultado, Vettel "subiu" para a Red Bull, a equipe matriz, no lugar de David Coulthard, que se aposentou no final de 2008. O escocês fez inúmeras besteiras ao longo do ano, mas seu charme e simpatia fizeram com que todos perdoassem David, que deixou a F1 sem conquistar um título, mas como um bastião de sua era. A Toro Rosso podia ficar com Sebastien Bourdais, após o francês fazer uma ótima segunda parte de temporada, mas hoje a equipe necessita de dinheiro. É a crise!

Como Hamilton tinha largado mal em Monza, Massa tinha perdido uma ótima chance de ultrapassar o inglês no campeonato (isso ninguém também lembra...), mas nada comparado com o que a Ferrari faria na maior novidade do ano: a corrida noturna em Cingapura. O belo circuito de rua tinha todo seu charme, com suas curvas apertadas e uma prova longa, ao contrário de Valencia. E como tinha acontecido na Espanha, Massa liderava com tranqüilidade quando Piquetzinho bateu no muro e o safety-car entrou na pista. Todos foram aos boxes e Massa recebeu luz verde no pirolito eletrônico da Ferrari. Logo, Felipe sentiu que havia algo errado. Junto com sua Ferrari, vinha a mangueira de combustível, após o mecânico-chefe ter sinalizado para Felipe sair do box na hora errada. A cena dos mecânicos da Ferrari trazendo a mangueira de volta aos box entrou para a história. Quem se aproveitou disso foi o grande azarado de sábado. Fernando Alonso estava andando surpreendentemente bem no circuito de rua, mas um problema mecânico no sábado o fez largar mais atrás. Com a batida provocada pelo seu companheiro de equipe e uma estratégia diferente, Alonso venceu de forma inesperada. Surpresa? Nem tanto, pois na corrida seguinte em Fuji, o espanhol venceu pela segunda vez consecutiva!

Contudo, a corrida tinha sido decidida ainda na primeira volta. Com o péssimo resultado de Felipe em Cingapura, Hamilton se tornava favorito ao título e sua pole em Fuji era o principal sinal disso. Porém, Hamilton errou na largada, quase bateu em Raikkonen e se estabanou todinho na saída da primeira curva. Como resultado, estava logo atrás de Felipe Massa. Muito mais rápido do que o brasileiro, Hamilton tentou ultrapassar Felipe e conseguiu de forma limpa, mas algo aconteceu no cérebro do ferrarista e ele pôs Hamilton para fora da pista de forma escandalosa. Punição certa para ele! Isso acabou acontecendo, mas o que ninguém contava era que a FIA punisse Hamilton também por... por... ter largado mal? Se até aquela corrida estávamos livres das ações fora das pistas da FIA, ela tinha voltado com força total! Com mais uma presepada de Hamilton no Japão, todos se perguntavam se ele colocaria o campeonato a perder novamente. A resposta veio com uma vitória dominante na China, com Felipe em segundo. Com sete pontos de vantagem sobre Massa na última etapa do ano, Hamilton precisava fazer pouco para ser campeão. Mas o que se viu na corrida brasileiro foi algo que entrou para a história!
Hamilton tinha muitos fantasmas para abater em Interlagos. Primeiro era o incrível retrospecto de Felipe Massa no circuito paulistano. Outro era a torcida brasileira, que lotaria (e realmente lotou!) as arquibancadas para apoiar e vaiar Hamilton. No entanto, o maior obstáculo seria a forma como tinha perdido o campeonato de 2007 em ano antes no mesmo circuito. Tudo o que Felipe tinha que fazer era jogar toda a responsabilidade em cima de Hamilton, enquanto o inglês teria que ter nervos de aço. Não será preciso escrever o que aconteceu no dia 2 de novembro de 2008. Daqui a dez anos, quando mostrarmos como foi o final da temporada 2008 para os nossos filhos, eles entenderão. Não como quando hoje assistimos a disputa entre Gilles e Arnoux em 1979, mas como sentimos a emoção daqueles lances que nunca esqueceremos. Interlagos viveu um momento mágico na história da F1 com uma corrida épica, que colocou Felipe Massa em um novo patamar dentro da F1 e premiou o talento de Lewis Hamilton como o piloto mais jovem a vencer um Campeonato Mundial de F1.

Foi um ano cheio de emoção, com muitas corridas boas e novas caras aparecendo. Mas e 2009? Com (mais uma) mudança no regulamento, a F1 entrará no próximo ano com uma cara diferente e provavelmente com novas caras. Bruno Senna? Lucas di Grassi? Sebastien Buemi? Vimos também a saída da Super Aguri e de dois pilotos que marcaram uma época na F1, mesmo que a saída de Rubens ainda seja incerta nessa momento. Há idéias idiotas, como uma pontuação baseada nas olímpiadas e a saída de duas corridas tradicionais (Canadá e França) para a entrada de outra corrida de um país sem tradição (Emirados Arábes Unidos). O que não muda é a nossa paixão pela F1 que se renova a cada ano e esperamos ansiosos por março de 2009, quando se inicia mais uma temporada!

Até lá!

2 comentários:

Ron Groo disse...

Um belissimo resumo do ano.
Parabéns.

Arthur Simões disse...

Ótimo resumo JC.
Muito bom!!

Abraço.