quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Enzo

Vinte e cinco anos após sua morte, Enzo Ferrari ainda mantém as suas características na sua equipe. A mesma paixão e a mesma luta em se manter no topo do automobilismo, desde os tempos em que o jovem Enzo liderava a equipe oficial da Alfa Romeo na década de 30. Assim como naqueles tempos, Ferrari tinha certas premissas que levariam para seus carros por muito tempo, como a preferência na potência dos motores em detrimento ao bom acerto do chassi, além da teimosia em manter os motores dianteiros, quando a lógica mostrava a chegada forte dos motores traseiros. Com sua figura enigmática atrás de grandes óculos escuros fez de Enzo uma figura importante na indústria automobilística mundial e por isso vamos conhecer um pouco de sua bela história.

Enzo Anselmo Ferrari nasceu no dia 18 de fevereiro de 1898 em Modena, vindo de uma família humilde e logo aos dez anos o pequeno Enzo se apaixonou pelas corridas e pelos carros quando viu pela primeira vez, em Bolonha, uma corrida de carros. Porém, a Primeira Guerra Mundial chegou e com isso veio a ruína de sua família, com a morte do seu pai e seu irmão. Sem emprego, mas querendo se envolver com carros, Enzo aceitou um emprego na CMN (Costruzioni Meccaniche Nazionali).Em 1920 ele vai para a já grande Alfa Romeo e utilizando os carros da marca, dá suas primeiras voltas num carro de corrida. Em 1922 ele recebe da mãe de Francesco Baracca , um ás da aeronáutica italiana, morto em combate, sua marca registrada: um cavalo negro rampante. Enzo Ferrari passa a usar o adorno como marca registrada, enquanto conseguia seus primeiros sucessos no automobilismo, como ter vencido uma Targa Florio e ter se tornado o primeiro vencedor da Coppa Accerbo. 

 Ferrari correu até 1932, mas percebe que seu verdadeiro talento era na gestão de uma equipe e em 1929 funda a Scuderia Ferrari, que seria a equipe oficial da Alfa Romeo e tinha como pilotos Giuseppe Campari e um dos pilotos mais respeitados por Ferrari: Tazio Nuvolari. Dono de um estilo amalucado, Nuvolari era um ídolo na Itália e por ter uma paixão tão forte quanto a sua, Ferrari passou a ver no pequeno mantuanu uma espécie de piloto que ele queria ter sido. Com a chegada do dinheiro nazista, Auto Union e Mercedes dominam o cenário automobilístico europeu e as equipes italianas ficam em segundo plano, fazendo a Alfa Romeo chegar a abandonar o automobilismo por um tempo. Em 1939 Enzo Ferrari constrói uma fábrica de autopeças, além de chefiar a equipe que tinha Alberto Ascari, filho do seu amigo Antonio, como principal piloto. Já nessa época Enzo passou a fazer algo que marcaria para sempre seu nome: para financiar as corridas, construir carros exclusivos. Porém, a pequena fábrica em Modena seria destruída em um bombardeio e quando a Segunda Guerra cessa, Enzo constrói outra fábrica, agora em Maranello, mas desta vez para construir carros, tanto de corrida como de produção. Era o início da Ferrari SpA.

A primeira corrida da nova construtora se deu em 1948 e a primeira vitória não tardou a acontecer. Nessa época quem dominava o automobilismo mundial era justamente a Alfa Romeo e com o primeiro campeonato de F1 em 1950, a dominação dos italianos continuou, mas em 1951 a Ferrari construiu um carro diferente, aspirado, ao contrário dos sobrealimentados da Alfa Romeo e com isso passou a enfrentar os velhos carros projetados antes da guerra. Em Silverstone, com José Froilan González, a Ferrari venceu seu primeiro Grande Prêmio, com a Alfa sofrendo sua primeira derrota na história. Enzo diria que foi o mesmo de ter matado a mãe, mas Ferrari não hesitou em fazer em colocar seus carros de F2 quando a Alfa e a Talbot abandonaram a F1. Com o melhor F2 da época, a Ferrari nadou de braçada em 1952-53, com Ascari conquistando o bicampeonato com facilidade. Porém, a Ferrari e os demais italianos teriam a presença incômoda da Mercedes a partir de 1954 e se não fosse a tragédia em Le Mans em 1955, provavelmente a história teria sido contada de forma prateada naqueles anos 50. Com a saída dos alemães, mais a compra de todo o promissor equipamento da Lancia no final de 1955, que abandonou a F1 pela morte de Ascari, a Ferrari tratou de contratar Juan Manuel Fangio para 1956. O argentino era o melhor pilotos disponível, mas nem por isso teve uma temporada tranquila, principalmente por não concordar com tudo o que Enzo Ferrari fazia. Fangio conquistou o título em 56 e rapidamente mudou de equipe, enquanto Ferrari começava a ter seus primeiros dramas como dono da equipe.

No ano de seu terceiro título da F1, Enzo viu a sofrida morte do seu amado filho Alfredino 'Dino' Ferrari. Todos os dias Enzo visitaria seu filho no hospital e debitou várias homenagens a ele. Enzo ainda teria outro filho, fruto de um romance com uma secretaria  chamado Piero Lardi Ferrari, cujo cargo hoje ocupado é de vice-presidente. Durante a Mille Miglia de 1957, o espanhol Alfonso de Portago morreu a bordo de uma Ferrari e matou nove pessoas quando saiu da pista, incluindo várias crianças. Descobriu-se uma faceta de Enzo: sua pressão psicológica em seus pilotos. Sempre prestando a seus carros, Enzo foi acusado de pouco ligar para seus pilotos, inclusive quando Eugenio Castelloti morreu em Monza ainda em 1957, conta a lenda que a primeira pergunta de Enzo quando soube da morte de Castelloti era saber como tinha ficado o seu novo carro em teste. A temporada 1958 seria extremamente cruel para a Ferrari, com a morte de todos os seus pilotos de F1 ao final daquela temporada, Peter Collins, Luigi Musso e Mike Hawthorn, mesmo o último tendo ficado com o título de pilotos. Nessa época os motores traseiros vieram com tudo para a F1, enquanto Ferrari permanecia fiel aos motores dianteiros. 'Os cavalos ficam à frente da carroça', dizia Enzo Ferrari, mas vendo suas vitórias rarearem, Enzo passou a utilizar a política para se beneficiar e a sua equipe. Política, por sinal seria uma característica que sempre marcou a Ferrari durante sua existência na F1.

Em 1961 os motores mudam drasticamente e a Ferrari é a principal beneficiada, com Phil Hill e Wolfgang von Trips dominando inteiramente a temporada, mas a morte do alemão na penúltima corrida enlutece a F1, mas para Enzo, o que importava era que seus carros estavam vencendo. As pequenas equipes inglesas começam a compensar a pouca potência que tinham com a finesse do chassi. Enzo Ferrari ainda investia nos motores e passou a chamar equipes como Lotus e BRM de Garagistas. Nessa época, Enzo Ferrari recebeu na Itália Henry Ford III para uma proposta de compra dos americanos. Essa reunião entrou para a história e mudou as corridas na década de 60. Conta-se que Enzo menosprezou os americanos e Ford jurou que derrotaria Ferrari no seu próprio quintal: Le Mans. Os anos 60 veriam uma briga épica entre Ferrari e Ford, com os últimos dominando as corridas do Mundial de Marcas até o final da década, com a Ferrari sempre correndo atrás e com isso, dispondo cada vez mais força e energia, atrapalhando até mesmo o programa de F1, onde só venceu em 1964 com John Surtees e perdendo o título de 1966, cujas regras foram feitas sob medida para que a Ferrari vencesse. Em 1968 a Fiat comprou a Ferrari quando a conta de financiar as corridas vendendo carros esporte de luxo não fechou, mas a lenda dos carros da marca do Cavalino Rampante só fazia crescer. 

Perdendo em ambas os frontes, a Ferrari necessitava de uma decisão para se manter com uma marca lendária. Por isso, a chegada de Luca di Montezemolo em 1973 para auxiliar o sempre ocupado Mauro Forghieri seria um divisor de águas. A primeira atitude de Montezemolo foi acabar com a equipe no Mundial de Marcas, se concentrando unicamente na F1. A pista particular de Maranello já estava pronta e em 1974 foi contratado de volta Clay Regazzoni para a equipe e por indicação do suíço, foi trazido um austríaco até então conhecido por ser um pay-driver, mas com resultados promissores naquela temporada: Niki Lauda. O estilo metódico de Lauda consertou vários problemas de gestão do time, enquanto Enzo Ferrari, segundo se conta, se divertia em seu escritório adivinhando quem estava na pista, se era o estilo bruto de Rega, ou o estilo suave de Lauda. A Ferrari viveu entre 1975 e 1977 um período tão dominante com Lauda como em 1952-53 com Ascari, mas o já conhecido Comendador Enzo Ferrari não ficou nada satisfeito quando Lauda saiu da equipe no final de 1977 por causa de dinheiro. Muito se falava que para Enzo, correr na Ferrari era uma honra e que por isso, não era necessário pagar grandes salários para eles. Apesar de ser um sonho para muitos, a pressão dos tifosi e os vencimentos baixos fizeram que muitos grandes pilotos, como Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, nunca tenham corrida pela scuderia mesmo tendo oportunidades.

Em 1978 chegou aos ouvidos de Enzo Ferrari a chegada de um talentoso canadense chamado Gilles Villeneuve, que havia feito uma corrida pela McLaren na F1 e impressionava a todos que o acompanhavam. Gilles fez um teste e imediatamente foi contratado pela Ferrari, onde Enzo identificou no baixinho canadense a bravura e a paixão de outro baixinho que ele admirava, Nuvolari. Em 1979 a Ferrari produz um carro de design duvidoso, mas competitivo o suficiente para ver Gilles e Jody Scheckter brigando pelo título. Em Monza, Enzo em pessoa falou a Gilles de forma paternal que aquela corrida e o título era de Scheckter. Villeneuve esperaria pela próxima oportunidade, prometeu Enzo. E Gilles obedeceu as ordens de Enzo, que mesmo apaixonado por carros e corridas, pouca aparecia em Grandes Prêmios. Porém, a promessa de Enzo Ferrari nunca seria cumprida quando Villeneuve morreu em 1982 ainda envolto pela polêmica protagonizada por Didier Pironi, que por sua vez acabaria se acidentando e perderia o título daquele ano. Na verdade, o título de Scheckter seria o último visto por Enzo, que ainda veria a Ferrari ganhar o Mundial de Construtores de 1983. A saúde do Comendador estava frágil, com problemas nos rins e mesmo sendo decisivo na difícil guerra Guerra FISA-FOCA, Enzo participava cada vez menos do dia-a-dia da fábrica e da equipe.

No dia 14 de agosto de 1988, Enzo Ferrari morreu aos 90 anos e semanas mais tarde, o autódromo de Monza veria uma improvável dobradinha da Ferrari numa temporada dominada pela McLaren. A decisão equivocada de Senna naquele final de corrida teria sido, na verdade, uma ajuda dos céus para que os italianos pudessem homenagear uma das figuras mais lendárias do automobilismo mundial.

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