segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O gorila de Monza

Alguns pilotos são tão ruins e desastrados, que só sua chegada à F1 já chama atenção de todo o público que acompanha a categoria. O italiano Vittorio Brambilla era um piloto com trajetória bastante incomum e sua chegada trouxe muita dor de cabeça para os outros pilotos e aos seus próprios mecânicos. Dono de um estilo rústico, que lembrava até mesmo seu físico avantajado, Brambilla era um piloto rápido, mas invariavelmente se envolvia em acidentes e não era raro ele ter que se explicar com um piloto furioso após um acidente provocado pelo próprio Brambilla. Mesmo com todas essas "credenciais", Brambilla conseguiu a proeza de deixar a F1 com vários amigos pelo seu jeito gentil e brincalhão de ser e, mais impressionante ainda, por ter conquistado uma das vitórias mais improváveis da história da F1. Se fosse vivo, Vittorio Brambilla estaria completando 70 anos no dia de hoje e aproveitando o embalo, vamos ver um pouco da carreira do Gorila de Monza.

Vittorio Brambilla nasceu no dia 11 de Novembro de 1937 na cidade de Monza, palco dos GPs da Itália e não foi surpresa ver o pequeno Vittorio e seu irmão Ernesto se interessarem pelas corridas. Três anos mais velho, Ernesto começou sua carreira primeiro em corridas de moto e Vittorio passou a ser seu mecânico, já que o orçamento da família Brambilla era apertado. Com 20 anos de idade, Vittorio fez sua primeira corrida com uma moto e no ano seguinte se tornou campeão italiano de motovelocidade na extinta categoria 175cc. Contudo, Ernesto estava tendo um enorme sucesso no Mundial de Motovelocidade e mesmo com o título, Vittorio abandona sua carreira provisoriamente para acessorar seu irmão mais velho e ganhar ainda mais conhecimento em mecânica.

Como era comum nos anos 60, Ernesto "Tino" Brambilla trocou as duas pelas quatro rodas e fez uma tentativa de participar do Grande Prêmio da Itália de 1963 com um Cooper-Maserati, mas o italiano acabou falhando na tentativa. Tino se torna um especialista na categoria F3 e passa todo os anos 60 correndo de F3 pela equipe Tecno. Mesmo feliz pelo irmão, Vittorio se cansou de ser apenas a sombra de Tino e fez sua estréia no automobilismo em 1968 pela mesmo equipe do irmão na F3 Italiana. Vittorio já tinha 31 anos de idade e quatro anos após sua estréia em corridas de automóvel, Brambilla conquista seu primeiro título em quatro rodas, na F3 italiana ao volante de um Tecno.

Mesmo antes do título italiano, Vittorio Brambilla já corria na prestigiada F2 Européia com uma equipe própria com o patrocínio que lhe ajudaria bastante: a fabricante de ferramentas italiana Beta. Em 1973 Vittorio e Tino Brambilla formam a equipe Beta Racing Team com chassis March e motor BMW e Vittorio Brambilla termina o campeonato num bom quarto lugar, atrás do campeão Jean Pierre Jarier, Jochen Mass e Patrick Depailler. Mesmo com 35 anos de idade, Brambilla se sente preparado para estrear na F1 e graças aos seus laços com a March e, principalmente, ao bom patrocínio da Beta, Brambilla pôde estrear na equipe oficial da March em 1974. Em sua primeira corrida na F1, em Kyalami, Brambilla consegue completar a prova em décimo, mas na sua terceira apresentação, em Mônaco, sua característica marcante nos próximos anos se faz presente: os acidentes.

Mesmo com sua simpatia (tinha a mania de dar um cascudo numa pessoa com quem ia falar e quando este se virava após o sopapo, Brambilla estendia a mão educadamente, lhe valendo o apelido de "Punch and Crunch"), Brambilla vivia se metendo em encrencas com todos os pilotos e por causa dessa truculência e do tamanho avantajado do italiano, os pilotos apelidaram Vittorio de "O Golira de Monza". Ainda em 1974, Brambilla conquistou seu primeiro ponto com um sexto lugar num circuito que lhe seria muito especial em breve: Zeltweg.

Em 1975 o carro da March melhorar consideravelmente e Brambilla começa a andar no pelotão dianteiro, mas o carro quebrava bastante (ou Brambilla o quebrava...). No Grande Prêmio da Espanha, Brambilla vinha em quinto lugar quando a corrida foi interrompida pelo gravíssimo acidente de Rolf Stommelen e com isso marcou seu primeiro ponto do ano, já que a corrida terminou antes da metade do programado. Na Bélgica, Brambilla larga em terceiro e lidera pela primeira vez uma corrida de F1, mas problemas nos freios puseram tudo a perder. Comprovando a boa fase, Brambilla consegue a sua primeira pole position na corrida seguinte na Suécia com bastante folga, gerando muitas reclamações das outras equipes, que acusaram o então chefe da equipe March, o atual presidente da FIA Max Mosley, de ter aduterado os cronômetros. Numa visão mais inocente, dizem que um mecânico da March simplesmente colocou uma placa na frente do sensor do cronômetro, "fechando" a volta de Brambilla mais cedo do que deveria. Na corrida, Brambilla lidera as primeiras 16 voltas até um problema na transmissão se manifestar e sua corrida acabar posteriormente.

Após corridas sem a mesma exposição e mais um ponto com um sexto lugar no Grande Prêmio da Inglaterra, Brambilla se preparou para o Grande Prêmio da Áustria em Zeltweg, local aonde tinha conquistado seu primeiro ponto na F1 um ano antes. Lauda liderava o campeonato e queria vencer em casa a todo custo, conquistando mais uma pole. Parecia que ninguém seguraria o austríaco e por isso, parecia que toda a Áustria tinha se deslocado para Zeltweg, mesmo com o tempo bastante nublado em todo fim de semana. Brambilla conseguiu um bom oitavo lugar no grid, o que vinha sendo sua média durante o ano. No domingo pela manhã, o March particular da equipe Penske do americano Mark Donohue sai da pista e bate violentamente contra um guard-rail. O piloto saiu com muitas dificuldades dos destroços do March e chegou a conversar com os comissários de pista, mas ao chegar aos boxes, o americano começou a ter convulsões e foi levado ao hospital com um forte traumatismo craniano. Donohue morreria no dia seguinte.

Mesmo sem a confirmação da morte de Donohue, o clima ficou pesado entre os pilotos e para piorar, o guard-rail atingido por Donohue teria que ser consertado e por isso a largada seria atrasada. Se a largada fosse dada no horário programado, a corrida seria normal, mas quando os carros se preparavam para a volta de apresentação, a chuva finalmente caiu com força. Lauda larga com muita cautela seguido por James Hunt, enquanto lá atrás, Brambilla consegue uma largada selvagem e pula para sexto. Na segunda volta ultrapassa a McLaren de Emerson Fittipaldi e três voltas depois deixa para trás seu companheiro de equipe Hans Joachim Stuck. A agressividade de Brambilla era tamanha, que Patrick Depailler não se preocupou muito em se defender do italiano. Em seis voltas Vittorio era terceiro!

Seguindo a lógica e pela chuva que caía, um acidente envolvendo Brambilla era questão de tempo. A chuva apertava cada vez mais e Lauda via sua liderança para Hunt se esvaindo, enquanto Brambilla se aproximava dos dois! Na volta 14 Hunt deixou a Ferrari para trás e Brambilla ultrapassou Lauda três voltas depois. Hunt e Brambilla vinham num ritmo alucinante e brigavam pela liderança como dois cães brigando pelo último osso da rua. Os austríacos torciam desesperadamente para que Brambilla tentasse mais uma ultrapassagem impossível e os dois abandonassem, dando uma chance para Lauda, que vinha em compasso de espera em terceiro.

Com o passar do tempo, a pista foi ficando cada vez mais impraticável e a F1 não tinha se esquecido do acidente de Donohue pela manhã. As equipes já começavam a se movimentar para pedir a paralisação da corrida, enquanto Hunt e Brambilla brigavam pela primeira posição. Quando Hunt ia colocar uma volta em seu companheiro de equipe Brett Lunger, o americano da Hesketh se atrapalhou e Brambilla aproveitou a brecha para ultrapassar o inglês. A direção da prova percebeu que as condições da pista estavam perigosas demais. Os donos de equipe sugeriram que a prova fosse interrompida, reiniciando-se após a chuva dar uma trégua. No entanto, a corrida foi terminada imediatamente, na volta 27, ou seja, antes de serem completados 60% do previsto. Dessa forma, os pontos valeram pela metade.

Vittorio Brambilla vinha para completar a vigésima sétima volta quando percebeu que o diretor de prova estava com a quadriculada nas mãos. O italiano ficou emocionado com a cena e simplesmente soltou o voltante para comemorar sua primeira vitória na F1! Porém, se esqueceu da pista encharcada e logo após receber a bandeirada, o March pegou uma poça d'água e bateu com força no muro dos boxes. Mesmo com o carro todo arrebentado, Brambilla terminou a volta de desaceleração com o bico do seu March de empendurado e vibrando muito. Pela primeira vez, seus mecânicos teriam prazer em consertar um carro seu...

Por coinscidência, a única vitória de Brambilla foi o início do fim de sua passagem na F1. Em 1976, a March estava mais interessada nos seus carros de F2, colocando a F1 um pouco de lado, deixando seus pilotos de lado. O máximo que Brambilla consegue é um ponto em Zandvoort, com um sexto lugar. Ao final do ano, já com 39 anos de idade, Brambilla deixa a March e parte para a Surtees. A equipe do ex-campeão Mundial já estava com dificuldades financeiras, mas Brambilla faz algumas corridas muito boas, andando claramente além do que seu carro permitia. Isso invariavelmente provocava quebras mecânicas e acidentes, mas Brambilla conseguiu um quarto lugar na Bélgica, um quinto na Alemanha e um sexto lugar no Canadá, sendo que na corrida canadense, ele não viu a bandeirada por ter se acidentado na última volta.

Contudo, nem tudo foi perdido para Brambilla em 1977. Contratado pela Alfa Romeo para o Mundial de Esporte-Protótipos, Brambilla ajuda a marca italiana a conquistar o Mundial de Construtores da categoria com um modelo T33SC/12, iniciando uma forte ligação entre Brambilla e a Alfa. Em 1978, a Surtees se afunda nos seus problemas financeiros e nem mesmo a agressividade de Brambilla é capaz de conseguir melhores resultados. No Grande Prêmio da Itália daquele ano, Vittorio largou em vigésimo terceiro. Lá na frente, Patrese tocou a McLaren de Hunt, que tocou a Lotus de Peterson e o sueco atingiu o guard-rail em cheio, pegando fogo instantaneamente. Na confusão, vários carros bateram no meio do pelotão e vindo mais de trás, Brambilla tentou escapar pela direita, mas uma roda de algum carro acidentado atingiu em cheio a cabeça de Brambilla.

Brambilla encostou seu carro à direita e mesmo com Peterson gravemente machucado nas duas pernas, inicialmente o caso do italiano parecia mais sério. Brambilla foi levado para o hospital com traumatismo craniano e sem sentir o lado esquerdo do corpo. A ambulância de Brambilla saiu primeiro do local do acidente do que Peterson. Brambilla ficou na UTI, mas aos poucos se recuperou. Sorte essa não teve Peterson, que morreu no dia seguinte com embulia causadas pelas fraturas expostas em sua perna e o salvamento corajoso feito por Hunt, Depailler e Regazzoni.

Recuperado de suas lesões, Brambilla passou a ajudar a Alfa Romeo no seu programa de F1 e em 1979 fez as últimas três corridas dessa temporada sem muito sucesso. Parecia o fim da carreira do italiano, mas no ano seguinte a Alfa tinha perdido tragicamente Depailler durante um treino em Hockenheim e Brambilla, mesmo com 43 anos, foi chamado pela equipe para participar das corridas finais de 1980. No Grande Prêmio da Itália, desta vez realizado em Ímola, Brambilla sofreu um forte acidente na curva anterior a Tosa e que depois se chamaria Villeneuve. Este foi o último acidente de Brambilla, que após o susto abandonou de vez o automobilismo. No cômputo final da carreira na F1, Vittorio Brambilla largou em 74 corridas, conseguiu uma vitória, uma pole e uma melhor volta, justamente na sua única vitória, que também lhe rendeu o seu único pódio. Após a aposentadoria, Brambilla voltou para sua amada Itália e morou em Monza até chocar a F1 no dia 26 de Maio de 2001. Após sofrer tantos acidentes, ninguém esperava ver Vittorio Brambilla morrer aos 63 anos de idade após um infarto fulminante quando... cortava a grama do seu jardim! Mesmo com todos as dificuldades, Brambilla entrou pela história da F1 com sua inesperada vitória em Zeltweg e sua comemoração com o carro todo arrebentado é lembrado até hoje para quem viu a cena. Até hoje, o bico quebrado do March de Brambilla naquela corrida em 1975 está exposto na sua velha oficina em Monza.

Um comentário:

Speeder76 disse...

Boa! Já escrevi uma biografia sobre o "gorila de monza" mas esta, tenho que admitir, é mais completa!