quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O sueco voador


Poucos pilotos tiveram a capacidade de atrair público unicamente com sua presença. Não importando se irá vencer ou não. Bastava Ronnie Peterson estar na pista para que o show estivesse garantido. Dono de um estilo único de guiar, Peterson cativou fãs em todo mundo andando de lado em curvas de raio longo e pela sua agressividade. Ronnie se juntou a Stirling Moss e Gilles Villeneuve como os "Campeões do Povo", pois se não foram Campeões Mundiais, conquistou inúmeros fãs em todo o mundo. Em Interlagos, havia disputa entre os fiscais para ficar na curva Laranjinha e ver suas atravessadas controladas. Na Argentina, sempre havia faixas saudando o piloto na curva mais perigosa do circuito, a Viborita. Completando 30 anos da sua morte essa semana, iremos conhecer um pouco da rica biografia do "Super Sueco".

Bengt Ronald Peterson nasceu na cidade de Örebro no dia 14 de fevereiro de 1944 e desde cedo teve as corridas e os carros como rotina. Seu pai, Bengt Peterson, foi um reconhecido piloto de speedway e no final de sua carreira participou também de corridas de automóveis. Bengt era apaixonado por motos e carros e ele próprio acertava suas máquinas para correr, mas ele teve que abandonar a faculdade de engenharia para cuidar dos negócios da família: uma padaria. Quando tinha oito anos de idade, Peterson ganhou seu primeiro carro de corrida construído pelo pai e logo isso se tornou seu brinquedo favorito. Tanto que acabou esquecendo da escola e dos outros esportes. Aos 16 anos Ronnie abandonou a escola para ser mecânico da concessionária local da Renault. Peterson corria sempre que podia, seja no seu improvisado carro de corrida, seja de motos. Como na Suécia a superfície sempre era escorregadia, Ronnie praticava seus dotes de piloto em qualquer tipo de terreno e com isso foi ganhando uma confiança em andar de lado que marcaria toda a sua carreira.

Quando a primeira pista de kart permanente foi construída na Suécia na cidade de Laxa em 1961, Peterson pediu ao pai para que construísse um kart para ele e isso foi o início da lenda! Curiosamente Peterson perde o campeonato em sua estréia para uma moça chamada Inge Nilsson. Porém, Peterson vence quatro campeonatos suecos seguidos e se torna campeão europeu de kart em 1965 e fica em terceiro lugar no Mundial da categoria em 1966, na edição realizada em Copenhage. Para financiar sua carreira, Ronnie decide abandonar seu cargo de mecânico na Renault e se torna técnico em elevadores. Contudo, Peterson já tinha em mente o que queria ser. Já pensando em seu futuro no automobilismo, ainda em 1966 Ronnie participa do seu primeiro teste em um monoposto, um F3 construído pelo pai, que na verdade era um Brabham F3 disfarçado. Seu orientador é o compatriota e amigo Reine Wisell e sua primeira corrida é em Dalsland, onde consegue um impressionante terceiro lugar.

No ano seguinte Ronnie compra um Brabham F3 de Kurt Ahrens, mas na sua primeira corrida com o carro sofre um sério acidente e destrói o carro. O carro é reconstruído, mas Peterson sofreria outros acidentes durante a temporada e termina o campeonato sueco em quinto, com Wisell como campeão. Em 1968, Peterson passa a correr com o Tecno e participa de suas primeiras corridas internacionais, inclusive em Monza, pista que lhe marcaria bastante. Ronnie vence as três primeiras corridas do campeonato sueco de F3 e termina o ano como campeão com doze vitórias. Em 1969 Peterson participa do Campeonato Europeu de F2 e F3, onde consegue 16 vitórias em 31 largadas, mas o seu triunfo mais marcante foi em Mônaco, quando protagonizou juntamente com o seu antigo professor Reine Wisell um disputa inesquecível roda a roda nas apertadas ruas do principado. Isso chama a atenção das equipes de F1, que começam a olhar com mais carinho para esse sueco de estilo extremamente arrojado. Ainda em 1969, Ronnie conhece uma modelo, filha de um comerciante de tintas, numa discoteca de Örebro e logo estariam namorando. A bela Barbro Edwardsson ganharia o sobrenome Peterson mais tarde e os dois ficariam juntos até o fim.
Peterson é contratado pela equipe March de F2 e consegue resultados medianos, com apenas dois terceiros lugares em Tulln e Hocknheim. Porém, o talento do sueco era indiscutível e a March coloca Peterson para correr também na F1. Ronnie faz sua estréia na categoria principal no Grande Prêmio de Mônaco, exatamente um ano após sua grande apresentação num F3. Sua performance impressiona e por pouco não consegue pontuar logo na estréia, ficando em sétimo. O chefe de equipe da March, Max Mosley, declarou na época. "Escreve que Ronnie é fantástico - mas não nos disse isso a ele". O ano de 1970 pode ter sido trágico para a F1 com as mortes de Bruce McLaren, Piers Courage e do campeão Jochen Rindt, mas também foi marcante pelo aparecimentos de grandes pilotos que marcariam toda a década, como o próprio Peterson, além de Emerson Fittipaldi e Clay Regazzoni. Peterson permanece mais um ano na March e consegue um mais do que surpreendente vice-campeonato com cinco segundos lugares e nenhuma vitória. Mas a diferença de 39 pontos para o campeão Jackie Stewart foi uma das maiores da história...

Se não venceu na F1, Peterson guardou as vitórias para as outras categorias. Na F2 Européia, Peterson domina a temporada 1971 da mesma maneira que Stewart e vence o campeonato com boa vantagem em cima do argentino Carlos Reutemann após conseguir cinco vitórias (Truxton, Rouen, Mantorp Park, Tulln e Vallelunga). Porém, Peterson permanece mais uma temporada na March e em 1972 a equipe inglesa erra a mão e Peterson faz do seu talento o único aliado, conquistando apenas um pódio em Nürburgring e poucos pontos em outras corridas. No Mundial de Esporte-Protótipos, Ronnie vence em Buenos Aires e Nürburgring pela Ferrari. O sueco nunca guiaria pela equipe italiana na F1. A essa altura todos já sabiam que o talento de Peterson era pequeno demais para a March e que o sueco merecia a oportunidade de estar numa equipe grande. A Lotus acabara de se tornar campeã mundial com Emerson Fittipaldi, mas não tinha um bom segundo piloto e Colin Chapman contrata Peterson para 1973.

Indubitavelmente essa seria a grande chance de Peterson, mesmo tendo o atual campeão mundial ao seu lado. A tocada forte de Peterson chama a atenção de todos e nos treinos superava Fittipaldi com certa freqüência. A diferença entre Ronnie e Emerson era abissal, pois enquanto Peterson corria com o pé, Fittipaldi corria com a cabeça e o resultado era que nas primeiras cinco corridas Peterson tinha três poles e quatro abandonos e Emerson tinha três vitórias. Porém, Emerson estava em processo de renovação de contrato e Chapman, querendo pagar menos ao brasileiro, tentava colocar Peterson contra o brasileiro. A tática não funcionou simplesmente porque os dois eram grandes amigos fora da pista, mas Peterson começava a ocupar o espaço de Fittipaldi dentro da equipe. Em Mônaco, Ronnie conquistava seu primeiro grande resultado no ano com um terceiro lugar e no primeiro Grande Prêmio da Suécia de F1, Peterson perde a corrida por pouco para a McLaren de Denny Hulme. Nessa progressão, Peterson tinha tudo para conseguir sua primeira vitória brevemente e não deu outra! Em Paul Ricard, o sueco fez uma ótima prova e venceu pela primeira na F1. Enquanto o final do ano se aproximava, a disputa entre Fittipaldi e Stewart pelo título pendia a favor do escocês, principalmente por que a Lotus não definia o primeiro piloto. Vindo de uma vitória na Áustria, Peterson era favorito para vencer em Monza.

Fittipaldi dependia de uma vitória para permanecer na briga pelo título e a Lotus vinha numa ótima fase. No rápido circuito de Monza, a Lotus dominou amplamente com Peterson, o pole, sempre à frente de Emerson. Antes da prova ficou decidido que Chapman faria um sinal para Peterson para que deixasse Fittipaldi passar e por isso o brasileiro não forçava o ritmo. E nem Peterson. As voltas foram passando e o tal sinal não aparecia e para frustração do brasileiro, Peterson recebeu a bandeirada em primeiro e Emerson decidiu sair da Lotus. Ronnie ainda venceria o triste Grande Prêmio dos Estados Unidos, que viu na véspera a morte de François Cevert, e o sueco terminou o campeonato num ótimo terceiro lugar e quatro vitórias. Com a saída de Fittipaldi, Peterson teria outro grande piloto como companheiro de equipe em 1974: Jacky Ickx. Porém, o tempo do belga na F1 já tinha passado e Ronnie domina o companheiro de equipe com certa facilidade. O problema era a Lotus. Colin Chapman tinha construído um novo carro, o revolucionário Lotus 76, mas infelizmente o carro não é tão bom quanto Colin tinham esperado. Logo a Lotus volta a utilizar o velho modelo 72, que datava de 1970, e com ele Peterson ainda consegue três vitórias (Mônaco, França e Itália) e termina o campeonato na quinta posição.

Para frustração de Peterson, a Lotus não tinha um carro novo pronto e iria para a sexta (!) temporada seguida com o modelo 72. Apesar do carro ter entrado para a história, o projeto já estava defasado e 1975 seria um ano nulo para a Lotus e Peterson. O resultado é um decepcionante décimo segundo lugar no campeonato e as primeiras brigas com Colin Chapman. . Porém, nem tudo são espinhos para Peterson e ele se casa com Barbro no dia 20 de abril de 1975 e no dia 4 de novembro nasce a única filha do casal, Nina. A família Peterson se muda para Mônaco e teriam como vizinho outro sueco famoso: Björn Borg. No início de 1976, Peterson fica furioso com o novo carro da Lotus, o modelo 77, e abandona a equipe logo depois da primeira etapa, quando Ronnie teve que largar em décimo oitavo e abandonou após um acidente. Muitos já pensavam que o tempo de Peterson já tinha passado e que ele estava acabado. Com todas as vagas em equipes boas já preenchidas, só resta a Peterson voltar às origens e pilotar pela March para o resto do ano. Além do carro ser ruim, a equipe era meio mambembe, mudando de patrocínio em toda corrida e Peterson pouco pôde fazer com tamanha cadeira elétrica. Porém, Peterson mostra um pouco da sua magia ao conseguir uma improvável vitória em Monza, sua terceira na carreira na pista italiana. No final do ano Ronnie é contratado pela Tyrrell no famoso P34 de seis rodas.
O carro era chamado de "anti-Peterson", por ser pesado e não combinava com o estilo de Peterson fazendo curvas de lado nas quatro rodas. Antes da temporada começar, Peterson parecia concordar ao dizer que não venceria com aquele carro e a projeção realmente aconteceu. A Tyrrell já começava a mostrar o seu longo declínio e o P34 tinha problemas com os pneus, pois a Goodyear simplesmente não desenvolvia os pequenos pneus de 10 polegadas. Tudo o que Peterson conseguiu foi um terceiro lugar no Grande Prêmio da Bélgica e um ruim quase que anunciado de carreira. No final do ano, Peterson sofreria um acidente que acabaria na morte de dois espectadores durante o Grande Prêmio do Japão. O outro piloto envolvido seria uma espécia de sucessor de Peterson: Gilles Villeneuve. Porém, Colin Chapman veio com uma proposta quase que indecente. A Lotus voltava aos momentos de glória com o carro-asa e por muito pouco Mario Andretti não venceu o campeonato de 1977. Com o carro novo, a equipe era a favorito para aquele ano, mas Chapman precisava de um bom segundo piloto. Com Peterson nas ruas da amargura, Chapman contrata Peterson, mas o sueco não poderia atacar Andretti durante as provas e apenas seria seu escudeiro.

Surpreendentemente Peterson aceita o convite e cumpre seu pápel de forma fiel. Em algumas provas, Ronnie parecia mais veloz do que o americano, mas simplesmente não o atacava. Em certas ocasiões, Peterson tinha um equipamente defasado ao do companheiro de equipe, mas nunca reclamava. Quando Andretti abandonou, Peterson conseguiu suas duas últimas vitórias na carreira na África do Sul e na Áustria, inclusive com uma sensacional disputa na última volta em Kyalami com Patrick Depailler. Quando a F1 chegou a Monza, todos sabiam que Andretti era o campeão, mesmo com Peterson ainda com chances matemáticas. Na época, todos faziam as contas com a diferença entre Andretti e o terceiro colocado no campeonato. Peterson negociava abertamente com a McLaren para substituir o seu amigo James Hunt. Na semana da corrida, Peterson foi questionado sobre os motivos porque não deixava sua posição de segundo piloto da Lotus e disputava abertamente o título com Andretti: “Eu vou para a McLaren no ano que vem. Não foi anunciado ainda, mas Mario sabe. Essas pessoas que dizem que eu deveria esquecer nosso compromisso agora… eu não as entendo. Eu tinha meus olhos bem abertos quando assinei o contrato, e dei minha palavra. Se eu a quebrar agora, quem vai confiar em mim?”

Durante o final de semana do Grande Prêmio da Itália, Peterson já havia enfrentado problemas nos treinos, ao danificar o carro e machucar as pernas – não havia carro reserva para ele, apenas para o companheiro Mario Andretti, que muito mais baixo. O sueco não conseguia sequer entrar no carro direito do americano. A outra opção disponível era um modelo do ano anterior. Isso ajudaria nos acontecimentos a seguir. Nessa corrida em Monza, a F1 estrearia o seu mais novo aspecto tecnológico: o semáforo. Ao invés de ser dada a bandeirada com a bandeira do país anfitrião, a largada seria dada com o velho sinal verde, igual ao que vemos nas ruas. Mario Andretti largaria na pole ao lado da Ferrari de Gilles Villeneuve, enquanto Peterson largaria em quinto, com Hunt em décimo e Patrese em décimo segundo. Antes da largada, Ronnie estava preocupado pois largaria logo atrás do terceiro colocado Jean-Pierre Jabouille da Renault, que tinha um motor turbo extremamente potente, mas muito lento na saída. Sua preocupação ficaria claro mais tarde. O diretor da prova, Gianni Restelli, atrapalhou-se com a novidade: antes que os carros das últimas filas do grid houvessem parado, foi acionada a luz verde. Os pilotos que vinham de trás, portanto, arrancaram em maior velocidade, o que fez com que todos os carros chegassem juntos ao ponto em que a reta se estreitava antes da Chicane Goodyear.

Patrese, a revelação daquele ano, toca na McLaren de Hunt, que toca na Lotus de Peterson, que tinha largado lentamente. Mais tarde, Hunt diria que ouviu o carro de Peterson ratear antes da largada, provavelmente pela pouco preparação do carro reserva de Peterson O Lotus de Peterson foi jogado para fora da pista, de encontro ao guard-rail do lado direito. A batida tinha sido extremamente forte. Imediatamente o tanque completamente cheio da Lotus quebra e o carro se torna uma pira de fogo. A frente da Lotus fica totalmente destruída e dez carros estavam envolvidos. Ronnie ficou preso às ferragens, mas Hunt, Depailler e Regazzoni conseguiram resgatá-lo antes que ele sofresse queimaduras graves. Apesar de consciente, Peterson tinha lesões graves nas pernas, mas a preocupação geral era com o italiano Brambilla, atingido na cabeça por uma roda, inconsciente e provavelmente em coma. Inicialmente, todos pensavam que o caso mais grave era o de Brambilla, com Peterson "apenas" com as duas pernas quebradas. E seu livro, Syd Watkins relembra a dificuldade que teve para chegar ao local onde estava Peterson e de que tinha contado 27 fraturas nas duas pernas do sueco. Enquanto era levado de helicóptero para o Hospital Niguardia em Milão, Peterson se virou para o médico e disse: Me ajude, Doutor.

Peterson foi levado a Milão e imediatamente operado. Depois de uma cirurgia para reparar as fraturas nas pernas, a medula óssea do piloto vazou para a corrente sanguínea, provocando glóbulos de gordura em órgãos vitais. A esperança dos médicos italianos era amputar as pernas do piloto, mas Peterson estava morrendo aos poucos e na manhã do dia 11 de setembro de 1978, Ronnie Peterson, de 34 anos, foi declarado morto. A F1 ficou chocada com a morte de um dos seus maiores ídolos e todos apontaram o dedo para Patrese, que já tinha provocado alguns acidentes durante o ano por causa de sua impetuosidade. O italiano chegaria a ficar suspenso por uma corrida, mas acabaria absolvido pelo acidente, porém, sua carreira ficaria marcada por esse acidente por um bom tempo. No seu enterro em Örebro, nunca houve um funeral com mais flores do que o de Ronnie Peterson e uma estátua do piloto foi erguida por Richard Brixel. O Grande Prêmio da Suécia dependia tanto de Peterson que a partir de 1979 nunca mais foi realizado. Barbro se casaria mais tarde com John Watson, que seria o companheiro de equipe de Peterson em 1979 na McLaren, mas ela nunca esqueceria Ronnie. Em 1987, Barbro cometeria suícidio.

Ronnie Peterson foi e sempre será aclamado com um dos grandes pilotos de F1 de todos os tempos, mesmo não tendo conquistado nenhum título. Seus números podem parecer minúsculos a primeira vista (123 Grandes Prêmios, 10 vitórias, 14 poles, 9 melhores voltas, 26 pódios, 206 pontos e dois vice-campeonatos), mas quem o viu correr sabe que ele foi um dos maiores velocistas que a F1 já viu. Emerson Fittipaldi disse que começou a pensar na sua aposentadoria após a morte de Peterson e que nunca tinha esquecido o amigo até hoje. Um dos pilotos do fim da era romântica do automobilismo, Peterson era considerado pouco atento aos valores comerciais que o esporte começava a gerar, e em certa ocasião apareceu no autódromo portando no macacão um enorme bordado de uma empresa que lhe havia dado um cortador de grama. Extremamente alto e tímido, Peterson foi considerado mascarado por um tempo, mas quem o conhecia sabia que ele não era nenhum um pouco mascarado. Uma das frases mais conhecidas de Peterson destacam a forma de viver de Ronnie Peterson. “Quando o fim chegar, espero que seja espetacular. Eu prefiro deixar esta vida em alta velocidade do que dormindo. Se não há coragem, não há glória; é isto que o automobilismo significa”

Um comentário:

Speeder76 disse...

Foi alguém que marcou a Formula 1 no seu tempo. O carisma dele mostrava-se na maneira como guiava, que era mais institivo do que cerebral. É um dos "campeões sem coroa" do automobilismo...