A F1 foi tomada de assalto pelos italianos no final da década de 80 e um dos vários pilotos promissores que surgiram na época foi Ivan Capelli. Piloto muito simpático e popular no paddock, o italiano foi leal aos seus chefes de equipe, mesmo quando o bom senso indicava que existia algo melhor para Ivan. Infelizmente, quando esteve numa equipe grande, Ivan sucumbiu e a decepção foi tamanha, que o italiano abandonou as corridas, vivendo hoje como comentarista de F1. Completando 45 anos nessa semana, iremos conhecer um pouco mais a carreira deste italiano que chegou a ser considerado o "melhor italiano desde Ascari".
Ivan Franco Capelli nasceu no dia 24 de maio de 1963 na cidade de Milão, na Itália. Como sempre acontece no automobilismo, Capelli fez sua estréia nas corridas no kart em 1978 e logo de cara mostrou talento. Sendo vice-campeão europeu um ano após estrear nos karts, Ivan teria como principal adversário outro bambino promissor, que também chegaria à F1 com muitas expectativas, para não realizá-las: Stefano Modena. Após quatro temporadas vitoriosas no kart, Capelli subiu direto para a F3 Italiana com a ajuda providencial de Cesare Gariboldi, de quem teria uma relação de pai para filho. Depois de um ano de aprendizado com um March, Capelli se mudou para a equipe Coloni, que na época era o melhor time da categoria italiana e com nove vitórias, se sagrou campeão italiano de F3 em 1983.
Ao contrário do que ocorre normalmente, Capelli preferiu ficar mais um ano na F3 pela mesma equipe Coloni e não se arrepende. Entrosado com a equipe, Ivan vence o Campeonato Europeu de 1984, derrotando na ocasião Gerhard Berger e Johnny Dumfries, porém houve controvérsias por uma ilegalidade no seu carro, encontrado durante o ano. Com seu nome crescendo no mercado, Capelli finalmente sobe um degrau e debuta na F3000 Internacional, que em 1985 fazia sua primeira temporada. Em sua grande maioria, os pilotos da F3000 simplesmente migraram do Europeu de F2, que tinha sido extinto no final de 1984, e por isso tinham muita experiência nos circuitos europeus com carros potentes. Além disso, Capelli estaria na pequena e estreante equipe Genoa Racing do seu amigo Gariboldi. De forma surpreendente, Ivan consegue ótimos resultados com seu March-Cosworth e termina conseguindo uma bela vitória em Zeltweg, fechando o campeonato em sétimo.
Esses bons resultados chamam a atenção de dirigentes da F1 e Ken Tyrrell, velho garimpador de jovens talentos, percebe em Capelli um potencial substituto de Stefan Bellof, morto em agosto de 1985 e chama o italiano para sua equipe para as etapas finais do campeonato. Com apenas 22 anos, Capelli estreou na F1 no Grande Prêmio da Europa em Brands Hatch, mas não demorou para o italiano mostrar seu talento. No primeiro Grande Prêmio da Austrália da F1, Capelli fez uma prova de paciência, onde vários pilotos abandonaram à sua frente e o resultado foi um impressionante quarto lugar no final da corrida e seus três primeiros pontos na F1.
Apesar desse ótimo resultado, Capelli resolve ficar um segundo ano na F3000 pela mesma equipe Genoa. Tudo isso em consideração a Gariboldi. Ivan corria praticamente de graça e para aumentar o seu orçamento, aceitou participar do Campeonato Italiano de Turismo como piloto oficial da BMW. Porém, o interesse maior de Ivan estava nos monopostos e mesmo numa equipe pequena, começou a mostrar bons resultados, vencendo a segunda etapa do campeonato realizada em Vallelunga. Na época, os maiores rivais de Capelli eram o dinamarquês John Nielsen, da equipe Ralt, o seu compatriota e contemporâneo Emanuelle Pirro, da forte equipe Onyx e a dupla da equipe italiana Pavesi, Pierluigi Martini e Luiz-Perez Sala. Sem condições de enfrentar as equipes mais fortes de seus adversários, Capelli resolve trocar a agressividade pela regularidade e conquista inúmeros pódios, vencendo apenas mais uma vez, em Zeltweg. Com esses resultados, Ivan Capelli se torna o segundo campeão do Europeu de F3000 e se sente preparado para entrar de vez na F1.
Ainda em 1986 Capelli participa de duas corridas na F1 como piloto único da equipe AGS, que nada mais era que um Renault de 1984 adaptado e com motores da preparadora italiana Motori Moderni. Foram duas quebras, mas o italiano de Milão tinha planos mais ambiciosos. Cesare Garibaldi estava planejando entrar na F1 em parceria com o projetista da March de F3000 Robin Herd e ressuscitar a marca March na F1. Com poucos recursos e um projeto feito às pressas, o começo da nova trajetória da March na F1 foi mambembe. Como o novo carro não estava pronto, a March resolveu levar o chassi da F3000, mas o motor Ford V8 de F1 simplesmente não cabia no carro... Duas corridas depois, a March teve que adaptar um motor de 3.3l de um carro esportivo, pois não havia mais motores da Ford de F1 disponíveis. Porém, Capelli fazia milagres e conseguia classificar o carro para os grid, numa época em que havia um enorme número de equipes procurando vagas para largar.
Em Monte Carlo, pista travada e onde o braço do piloto faz diferença, Ivan consegue um excepcional sexto lugar e marca o primeiro ponto da "nova" equipe. Após vários abandonos em 1987, o futuro da March parecia promissor com o maior investimento da Leyton House a partir de 1988, da contratação do projetista Adryan Newey e de Maurício Gugelmin, outra promessa no final dos anos 80. Newey projeta um carro bem convencional, com o motor Judd aspirado, mas o destaque era o bico curvo na parte de baixo que simulava o efeito de asa invertida e aumentava muito a estabilidade do carro em altas velocidades, um percursor do que seria a F1 na década seguinte. E o campeonato de 1988 seria simplesmente sensacional para Capelli. Apenas quatro vezes Capelli não largaria entre os dez primeiros e várias vezes freqüenta a zona de pontuação. Apesar dos vários problemas mecânicos que o faz abandonar algumas vezes, Capelli consegue marcar pontos quando termina as provas e isso resulta no seu primeiro pódio no Grande Prêmio da Bélgica (beneficiando pela desclassificação dos dois carros da Benetton) e repetiria a dose no Grande Prêmio de Portugal, com direito a ultrapassagem em cima da McLaren de Senna. Porém, o ponto alto de 1988 seria exatamente um mês depois. De forma surpreendente, Capelli persegue a McLaren de Alain Prost de perto durante todo o Grande Prêmio do Japão e na volta 16, ultrapassa a poderosa McLaren de Prost na reta, mas infelizmente o motor Judd falha e o francês recupera a liderança ainda antes da primeira curva. Era a primeira vez que Capelli liderava uma corrida na F1. Mesmo que por 200 metros...
Com tamanho desempenho, as equipes crescem os olhos em cima de Capelli, mas este permanece fiel a March e a Garibaldi e permanece outros três anos na equipe. Foi uma péssima escolha. A March só faria cair a partir de então, a ponto de não conseguir classificar nenhum carro para o Grande Prêmio do México de 1990. O piso do circuito mexicano era extremamente ondulado e a próxima corrida seria em Paul Ricard, num asfalto que mais parecia uma mesa de bilhar. O March de Newey funcionava maravilhosamente bem nesse tipo de piso e Capelli consegue um excelente sétimo lugar no grid. Durante a prova, a March resolve não seguir as demais equipes e permanece na pista sem trocar pneus. O resultado disso? Capelli liderava a prova, seguido por Gugelmin. A Ferrari de Prost era o carro mais rápido da pista e partiu para cima de Gugelmin, mas só efetuou a ultrapassagem quando o brasileiro abandonou com o motor quebrado. Poucas voltas depois Prost partiu para cima de Capelli, mas o italiano lutou bravamente contra a potente Ferrari de um Prost louco para vencer na frente dos seus fãs. Foi o velho "Davi contra Golias", mas Prost achou uma ultrapassagem na penúltima volta, vencendo a prova, com Capelli logo atrás. Com o motor quase quebrando...
Mesmo com tantos problemas, Capelli fica mais um ano na March, que passaria a se chamar Leyton House, do investidor japonês Akira Akagi. As coisas só piorariam! A March resolve arcar com o desenvolvimento do novo motor Ilmor V10 e o resultado são várias quebras e apenas um ponto no campeonato. A essa altura, Adryan Newey já tinha sido contratado pela Williams, Garibaldi já tinha falecido após sofrer um acidente de carro e Akagi fora preso por uma fraude contra o Banco Fuji. Capelli não encontra mais laços para ficar na March e saí da equipe de forma amistosa ainda antes do final de 1991, assessorando de graça a equipe nas últimas provas do ano e ajudando o novato Karl Wendlinger em sua adaptação a F1.
Porém, Capelli já sabia do seu futuro. Ele realizaria o sonho de todo menino italiano e iria para a Ferrari em 1992. "A Ferrari é uma grande oportunidade para mim", falou Capelli antes de começar a temporada. E era mesmo. Apesar do péssimo ano da equipe vermelha em 1991, Luca Montezemolo voltava a equipe como presidente, Harvey Postlethwaite e Steve Nichols desenhariam o F92A, Sante Ghedini era novamente o chefe de equipe e Niki Lauda foi empregado como um conselheiro. A grande equipe dos anos 70 estava de volta!
O F92A era um carro totalmente novo, com várias tecnologias novas que tinham chegado à F1 naqueles tempos de suspensão ativa e câmbio automático. Porém, algumas das novidades não deram muito certo e como resultado, faltando quinze dias para a primeira corrida do ano na África do Sul, nem Capelli e nem seu companheiro de equipe Jean Alesi tinham testado o novo carro. Em Kyalami, Ivan consegue um bom nono lugar, mas o problema era que ele estava longínquos 1.119s de Alesi e quase 3 segundos mais lento que Nigel Mansell, o pole. Durante a corrida, outro fato lamentável marcou a Ferrari, com os dois carros abandonando depois que o sistema de óleo não funcionasse em uma curva por causa da força G da mesma. Duas semanas depois no México, as coisas se tornariam pior quando Alesi era o carro mais lento na reta dos boxes, 14 km/h mais lento que o mais rápido, e ambas as Ferraris ficaram atrás da Dallara, que usavam motores... Ferrari!
Para Capelli a passagem no México foi terrível. Ele foi apenas 20º e 23º nos treinos livres, 12º e 24º nas duas sessões qualificativas, e terminando em 20º no grid, a pior posição da Ferrari desde 1981! Para piorar, Capelli foi tocado por Wendlinger na largada e se estatelou no muro dos boxes depois de poucos metros de corrida. Em Interlagos, Capelli se recupera do fiasco mexicano e marca seus primeiros pontos com um quinto lugar, mas terminando 30s atrás de Alesi. Em Barcelona, Capelli parecia que reagiria e pela primeira vez largaria na frente de Alesi, conseguindo a 5º posição atrás de Mansell, Michael Schumacher, Ayrton Senna e Riccardo Patrese, só 2.223s mais lento que a Williams de Mansell e 0.333s mais rápido que o companheiro de equipe dele. Se nos treinos as coisas pareciam promissoras para Capelli, a corrida foi um desastre. Enquanto Alesi conseguia um pódio debaixo de muita chuva, Ivan rodava quando estava três voltas atrás do vencedor Mansell.
O carro da Ferrari era um desastre completo, mas ainda assim Alesi conseguia boas exibições. Muito ao contrário de Capelli. Em Ímola, quintal de casa da Ferrari, enquanto Alesi dava show lá na frente segurando McLarens e Benettons, Capelli abandonava discretamente após rodar na Acque Minerale. Em Monte Carlo, Ivan Capelli fica numa posição totalmente desagradável após deixar sua Ferrari sobre o guard rail, num ângulo de 45 graus. Após sofrer um forte acidente no Canadá, Capelli é designado como piloto número 2 e sua situação na Ferrari vai ficando cada vez mais insustentável. O piloto alegre do paddock se tornava um piloto cada dia mais distante. A imprensa italiana, que chegou a dizer que tinha surgido um "novo Ascari na Ferrari", se desiludia com a sua promessa e mesmo com a garantia de Montezemolo de que Capelli estava com sua vaga garantida, poucos acreditavam na presença do italiano na Ferrari no final do ano.
Para piorar, o carro não evoluía e Lauda começou a contestar Capelli dentro da equipe. Daquele ponto em diante, era apenas uma questão de suportar o resto da temporada, enquanto esperava-se que alguma melhoria pudesse ser feita, e que Capelli pudesse marcar alguns mais pontos. Após abandonar novamente na França, Capelli fica 5.5s atrás do pole Nigel Mansell na Inglaterra e acaba a corrida quietamente em nono. Após sofrer com a falta de potência do motor Ferrari nas longas retas de Hockenheim, Ivan consegue um resultado decente na Hungria, quando marca a terceira volta mais rápida da corrida e termina em sexto. Mas foi apenas um suspiro. Na Bélgica, Capelli largou em 12º, 5.530s mais lento que o pole, 1.637s atrás de Alesi, e 0.110s mais lento que Gabriele Tarquini... da Fondmetal!
Em Monza, Capelli anda próximo de Alesi durante a corrida com o novo Ferrari F92T, mas para desilusão dos tifosi, ambas as Ferrari abandonam na mesma volta, mas por razões diferentes, enquanto Capelli rodava mais uma vez. Em Portugal, lugar onde tinha conquistado seu primeiro pódio, Ivan chega a ficar em décimo nono durante a corrida antes de abandonar. A essa altura, Gerhard Berger já tinha sido confirmado como piloto Ferrari para 1993 para o lugar de Capelli. Esse tinha sido o golpe de misericórdia na motivação de Ivan. Estoril seria a última corrida de Capelli na Ferrari e de um piloto italiano na casa de Maranello.
Mesmo ainda jovem (29 anos), Capelli fica arrasado para permanecer na F1, mas Ian Phillips, com quem tinha trabalhado na March, o leva para a Jordan em 1993. Ao lado do novato Rubens Barrichello, Capelli não se destaca na primeira corrida na África do Sul e não consegue Classificação para o Grande Prêmio do Brasil. O detalhe foi que Capelli foi o único a não se classificar... Algumas pessoas diziam que a má performance de Capelli tinha a ver com uma briga com sua namorada na época do Grande Prêmio do Brasil, mas a verdade era que o grande Ivan Capelli, que tinha conseguido verdadeiros milagres em equipe minúsculas, tinha ficado no passado. Após aquele fim de semana, Capelli procurou Eddie Jordan, agradeceu pela oportunidade, e, com acordo de ambas as partes, pediu demissão e saiu da F1. Foram 93 Grandes Prêmios, 31 pontos e três pódios.
Após tentar correr de turismo por um tempo, Capelli abandonou o automobilismo de forma definitiva alguns anos depois. A decepção fora enorme e Ivan se manteve afastado das corridas até ser chamado pela RAI para comentar as corridas de F1, fato que faz até hoje. O homônimo brasileiro tem um dos melhores blogs de F1. Com o novo emprego, Ivan Capelli voltou a ser a pessoa alegre que todos conheciam em seus tempos de March e disputava freada com as poderosas McLaren e Ferrari.
Parabéns!
Ivan Capelli
4 comentários:
Afinal JC quem foi o melhor italiano desde Ascari???
Abraço JC!!
Difícil dizer...
Eu votaria em Alboreto, mas sem muita convicção!
Ah... il vero Capelli! Bela lembrança.
Pessoas, eu até gostava muito do Alboreto, mas depois que eu descobri que ele tentou rachar a Ferrari em duas em 88, eu desencanei.
Uma pena.
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