domingo, 18 de maio de 2008

Jo


Nos anos 60 a França vivia um jejum de pilotos na F1 semelhante ao momento atual. Afora Maurice Trintignant, pouquíssimos pilotos gauleses tinham se destacado na F1, mas como naquela época o automobilismo mundial não vivia unicamente de F1, os pilotos franceses eram destaques em categorias como no Mundial de Esporte-Protótipo e na F2. Jo Schlesser foi um dos heróis franceses nas corridas da década de 60 graças a sua agressividade e por isso ele se envolveu em alguns acidentes sérios em sua curta carreira. A paixão pela velocidade continuou na família Schlesser e até hoje esse nome é familiar no automobilismo mundial. Se estivesse vivo, Jo Schlesser estaria completando 80 anos e iremos aproveitar para conhecer mais esse piloto.

Joseph Schlesser nasceu no dia 18 de maio de 1928 em Liouville, na França, mas ainda jovem se mudou para a então colônia francesa de Madagascar. Após passar a infância na ilha africana, ele se mudou para Nancy após a Segunda Guerra Mundial e começou a estudar motores, onde pouco depois conseguiu um emprego em uma fábrica de motores na cidade francesa. Mesmo gostando de carros e mexer em motores, somente aos 24 anos Schlesser participou de sua primeira corrida em um Rally em Lorraine, à bordo de um Dyna-Panhard. Tendo que voltar à Madagascar, sua carreira sofreu um pequeno baque, mas não a ponto de pará-la. Ele comprou um Triumph TR2 e sempre que podia viajava a França para correr. Dono de uma tocada extremamente agressiva, Schlesser sofreu vários acidentes, destruindo seu Triumph e sofrendo uma queda em um desfiladeiro com uma Ferrari.

Mesmo com várias marcas pelo corpo graças aos acidentes, Schlesser resolve se tornar um piloto profissional e compra um Cooper de F3 de Harry Schell. Nos anos 60 a França ainda procurava uma estrela na F1, já que Trintignant estava se aposentando e Jean Behra havia morrido. Jean-Pierre Beltoise e Henri Pescarolo eram jovens talentosos que começavam a despontar na época, mas juntamente com seu amigo e contemporâneo Guy Ligier, Jo Schlesser tentava mostrar que para as corridas a idade não era um empecilho e mesmo considerados velhos para correrem em monopostos, ambos resolveram começar juntos numa equipe de F2 e F3. Graças aos contatos que tinham com a Ford, Schlesser e Ligier formaram a equipe Ford France em 1963, porém a carreira de Schlesser dá uma guinada incomum.

Se hoje um piloto sair de uma GP2, por exemplo, e ir para a Nascar já é esquisito, imagine a 45 anos atrás. Pois Schlesser foi tentar a sorte na Stock-Cars americana em 1964, enquanto participava em corridas de F2. Apesar da fama que já tinha em corridas de turismo, Schlesser não tinha o mesmo brilhantismo nas categorias de monopostos e ainda sofria bastante acidentes. Em 1965 Schlesser resolve participar do Grande Prêmio da França de F1 em um Cooper privado da equipe Centro-Sud, mas não larga. Na verdade, sua primeira aparição em um Grande Prêmio de F1 seria em 1966, quando os organizadores do Grande Prêmio da Alemanha de F1 convocavam equipes de F2 para disputar a provacom o intuito de preencher o grid, pois como Nürburgring tinha mais de 22 km eram necessários vários carros na pista para que o público presente continuasse vendo carros na pista. Com um Matra-Cosworth de sua equipe, Schlesser termina a corrida em décimo no geral e em terceiro entre os carros de F2. No ano seguinte Schlesser participa novamente do GP alemão, mas abandona ainda na segunda volta, mas ainda em 1967 Schlesser consegue o seu melhor resultado nos monopostos ao vencer uma corrida do Europeu de F2 em Brands Hatch. Porém, ele terminou, na soma das duas baterias, na terceira posição, mas como Jochen Rindt e Jackie Stewart não marcavam pontos, a vitória ficou para o francês.

Mesmo beirando os quarenta anos, Jo Schlesser se aproximava do auge da carreira, mas um convite que parecia tentador acabaria abreviando não apenas sua carreira, como também sua vida. A equipe Honda ainda não tinha conseguido o sucesso almejado quando entrou na F1 em 1964 e nem mesmo a presença na equipe do Campeão Mundial de 1964, John Surtees, era o suficiente. Na época o inglês era o único piloto da equipe nipônica e fazia todos os testes. Que, por sinal, eram muitos, pois a Honda não media esforços para chegar logo ao estrelato na F1. Com o intuito de ganhar competitividade e perder peso, a Honda constrói o modelo RA302. Além de ser refrigerado a ar, o novo carro da Honda era todo construído em magnésio justamente na tentativa de "emagrecer" o carro. John Surtees testou o carro por vários meses e achava que o carro ainda não estava pronto para estrear, mas a Honda tinha marcado o Grande Prêmio da França de 1968 para estrear o novo modelo. Surtees ainda pensava em conseguir algo no campeonato e resolve fazer a prova com o modelo RA301. Num golpe puramente publicitário, a Honda resolve chamar Schlesser, na época muito popular na França, para estrear o novo modelo e chamar a atenção do público francês. A marca cria uma equipe só para ele: Honda France.

Como era esperado, Schlesser sofre com sua inexperiência em um carro de F1 e com próprio modelo, que ainda era muito novo. Mesmo conhecendo muito bem o circuito de Rouen, o francês largou em décimo sexto, mais de 7s atrás do pole Jacky Ickx. Surtees era o sétimo. O carro mostrou pouca confiabilidade em todo o final de semana, mas Schlesser estava contente em largar para sua real estréia em um Grande Prêmio na frente do seu público. Schlesser larga bem e ganha uma posição, mas a tragédia não demoraria a acontecer. A pista de Rouen-Les-Essarts era extremamente rápida e perigosa e a curva 6, conhecida Frères, era feita de pé embaixo e um barranco ficava extremamente próximo da extremidade da pista.

No decorrer da terceira volta, Schlesser perdeu o controle do seu Honda na Frères e bateu de lado no barranco. Testemunhas afirmaram que o motor Honda tinha cortado na entrada da curva e Schlesser era apenas um passageiro quando o seu carro atingiu o barranco. Ainda com tanques cheios e com o carro feito de um material altamente inflamável, o Honda de Schlesser foi tomado pelas chamas rapidamente. Alguns expectadores sofreram queimaduras pelo calor emitido pelo carro, enquanto Schlesser permanecia preso dentro do carro. Apesar de todos os esforços, a combinação do incrível calor do magnésio queimando com a falta de extintores de incêndio adequados fizeram com que o piloto francês morresse sem que nada pudesse ser feito. Somente vinte minutos após o acidente o corpo carbonizado de Jo Schlesser pôde ser tirado dos restos do seu carro.

A morte de Schlesser trouxe conseqüências para o autódromo de Rouen e para a Honda. Já considerado anacrônico para a F1, Rouen nunca mais receberia uma corrida da categoria e anos depois seria desativado. Traumatizada com a morte de Schlesser, a Honda abandonaria a F1 no final de 1968, para volta quinze anos depois como fornecedora de motores e com uma equipe própria em 2005. Guy Ligier ficou transtornado com a morte do amigo e abandona sua carreira logo depois do ocorrido, mas continua no automobilismo com sua equipe, que nos anos seguintes seriam uma das principais da F1. Os modelos da equipe Ligier sempre eram chamados de JS, em homenagem a Jo Schlesser. Mesmo com essa tragédia na família, o sobrinho de Jo, Jean-Louis começa sua carreira no automobilismo e assim como o tio, não consegue grande destaque nos monopostos, ficando mais conhecido por ter tirado Ayrton Senna da pista faltando duas voltas para o fim do Grande Prêmio da Itália de 1988, quando o brasileiro liderava. Porém, Jean-Louis Schlesser vira uma lenda do Rally Cross-Country e vence duas edições do Paris-Dakar, à bordo de um carro que ele próprio construía e até hoje participa regularmente do tradicional Rally. O legado da família de Schlesser tinha permanecido em boas mãos.

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