domingo, 4 de maio de 2008

Taffy


A Alemanha pré-Schumacher foi marcada por muito sucesso no Mundial de Esporte-Protótipo e fracassos na F1. Apesar de ter uma indústria automobilística forte e tradicional, os tedescos tiveram que esperar até os anos 90 para ter um Campeão Mundial, mas antes de Michael Schumacher destruir todos os recordes da F1, houve um alemão de sangue-azul que poderia ter se tornado um primeiro germânico Campeão Mundial. Wolfgang von Trips foi um aristocrata que desde cedo aprendeu a gostar de automobilismo e teve que correr escondido de sua família. Por causa de sua forma de conduzir a carreira e também pela ajuda que dava ao esporte motor alemão, se tornou um ídolo da Alemanha pós-guerra, mas nem assim ele pôde escapar do destino. Diga-se de passagem, Von Trips acabou ajudando indiretamente a carreira da família Schumacher. Se estivesse vivo, Von Trips estaria completando 80 anos no dia de hoje e aproveitando o embalo, iremos conhecer esse alemão que se destacou pela Ferrari.

Wolfgang Alexander Albert Eduard Maximilian Reichsgraf Berghe von Trips nasceu no dia 4 de maio de 1928 em Kerpen, na Alemanha. Filho da tradicional família Rhineland, que mora naquela região a mais de 700 anos no castelo Hemmersbach, o pequeno Wolfgang teve o seu primeiro contato com o automobilismo quando foi a Nürburgring ver o Grande Prêmio da Alemanha e viu a grande vitória de Bernd Rosemeyer. Piloto extremamente agressivo e carismático, Rosemeyer ganhou mais um fã naquele dia e Von Trips passou a se espelhar no seu compatriota quando começou a correr alguns anos mais tarde. Graças a problemas de saúde, Von Trips não participou da Segunda Guerra Mundial e por causa de problemas de diminuição súbita do nível de açúcar no sangue, Wolfgang passou a levar comida enquanto corria.

Assim como seu ídolo Rosemeyer, Von Trips começou sua carreira em duas rodas em 1953, mas como sua família era contra sua entrada no esporte a motor, o alemão corria com o pseudônimo de Alex Linter. O chefe da Mercedes-Benz, Alfred Neubauer, sempre ficava de olho nos novos talentos alemães e não demorou para reparar em "Alex Linter" e o chamou para fazer parte da equipe Mercedes em 1955, porém a parceria só durou um ano, pois no final do mesmo ano a Mercedes abandonou o automobilismo por causa da tragédia durante as 24 Horas de Le Mans. Enquanto isso, fora das pistas, Von Trips se formava em engenheiro agrônomo e ensinava ao jovem príncipe Juan Carlos da Espanha a dirigir. O detalhe era que Von Trips nunca tirou a carteira de motorista!

Até então Von Trips só tinha participado de corridas em Sports-Cars e em 1956 ele chama a atenção de Enzo Ferrari, iniciando um relacionamento de amor e ódio com o grande chefe de equipe. No Grande Prêmio da Itália de 1956, Von Trips faz sua estréia na F1 e logo de cara mostra uma característica que tinha em seu início de carreira: sua velocidade inerente e sua "chama" por acidentes. Andando de forma agressiva e corajosa, Von Trips conseguia bons resultados na mesma medida em que se metia em fortes acidentes. Por causa dessa coragem sem limites, Mike Hawthorn o apelidou de "Taffy". Com sua personalidade forte, Von Trips batia de frente constantemente com Enzo Ferrari e várias vezes ameaçou sair da equipe e foi suspenso por Enzo Ferrari em 1959 por causa da profusão de acidentes. Enzo podia não ter sido um grande piloto, mas os conhecia como ninguém e sabia que isso poderia fazer de Von Trips um piloto ainda melhor do que já era.

Em 1957, Von Trips consegue o seu primeiro pódio exatamente um ano após estrear na F1, em Monza, mas numa prova de Esporte-Protótipos, sofre o seu pior acidente até então em Nürburgring. Após participar de toda a temporada 1958 pela Ferrari como piloto de apoio, na tentativa de ajudar o seu amigo Hawthorn a conquistar o campeonato, Von Trips se dedica unicamente ao Mundial de Esporte-Protótipo em 1959 pela Porsche, após a suspensão dada por Enzo. Nessa época, a F1 era invadida pelos pequenos carros de motor traseiro e com o título conquistado por Jack Brabham em 1959 pela equipe Cooper, as equipes passaram a modificar seus carros, tornando os carros com motor dianteiro uma peça de museu ambulante. Enzo Ferrari foi um dos últimos chefes de equipe a enxergar isso, chegando a dizer que “nunca tinha visto uma carroça a puxar um burro”, mas o sucesso dos novos carros era inerente e em 1960 a Ferrari projetou o seu primeiro carro com motor traseiro.

Von Trips tinha mostrado que além de rápido, era extremamente sensível para acertar carros e por isso foi o escolhido pela Ferrari para testar o novo carro. Em julho de 1960, ele conquistou a primeira vitória do carro numa corrida de F2 em Solitude e no final do ano conquista um bom quarto lugar no Grande Prêmio de Portugal. Após passar um ano sem conseguir grandes resultados em 1960, a Ferrari contra-ataca as equipes inglesas com pressão política sobre a então reguladora CSI. Os motores seriam agora de 1.5l, cujo motor a Ferrari vinha testando a mais de um ano na F2, enquanto Cooper, Lotus e BRM praticamente ficaram sem motor para a temporada 1961. Para completar, a Ferrari constrói um dos carros mais dominantes e belos da história da F1: o modelo 156, "Nariz de tubarão".

Von Trips teria como companheiros de equipe os americanos Phil Hill e Richie Ginther e com o domínio ferrarista, o campeonato seria decidido entre os três pilotos da marca. Após quebrar o motor na primeira corrida em Monte Carlo, Von Trips consegue sua primeira vitória na F1 no Grande Prêmio da Holanda em Zandvoort, tornando-se o primeiro alemão a conquistar uma vitória na F1 e também o primeiro tedesco a vencer um Grande Prêmio desde Hans Hermann em 1939. A corrida seguinte seria um Spa-Francorchamps e numa briga fratricida com seu companheiro de equipe Phil Hill, acaba em segundo atrás do americano. Correndo na tradicional Targa Florio, Von Trips vence a longa corrida italiana ao lado de Olivier Gendebien. Após uma vitória em Silverstone e um segundo lugar em Nürburgring, Von Trips chegou a Monza com 33 pontos, quatro à frente de Phil Hill.

No auge da sua carreira e com o melhor carro do pelotão, Von Trips era o grande favorito para vencer na frente da torcida italiana, que encheu o autódromo de Monza. O alemão só precisava de um terceiro lugar para conquistar o campeonato, por causa dos descartes, e para melhorar sua situação, ele consegue a pole para domingo. Tudo estava armado para uma grande festa ferrarista, mas tudo saiu errado para Von Trips ainda na largada, quando o alemão patina e fica para trás. Com uma relação de marchas diferentes, a Ferrari de Von Trips era extremamente rápida nas retas, mas nem tanto nas curvas. Usando o seu talento, Jim Clark levara seu Lotus a brigar com os potentes Ferraris na primeira volta e estava brigando com Richie Ginther pela liderança quando chegou na reta oposta. Claramente menos potente, Clark teve seu Lotus engolido não apenas pela Ferrari de Ginther, como também por Ricardo Rodríguez. Von Trips vinha em seguida, ultrapassando a Lotus na Segunda de Lesmo na segunda volta, mas Clark pegou o vácuo da Ferrari e na freada para a Parabolica (na época, não existia a Variante Ascari) o escocês tentou a ultrapassagem em cima de Von Trips.

Mais preocupado em ultrapassar as outras Ferrris e se aproximar de Phil Hill, que liderava a prova, Von Trips simplesmente ignora a Lotus e o toque é inevitável. "Tenho certeza que Von Trips presumiu que a Lotus não estava ali, pois o carro era bem mais lento. Ele simplesmente estava concentrado em nos ultrapassar", falaria mais tarde Phil Hill. A Ferrari de Von Trips é jogada para fora da pista e em seguida é jogado contra um barranco, onde havia vários torcedores. Wolfgang Von Trips morreu na hora, juntamente com 14 espectadores no que se tornou na maior tragédia da história da F1. Ele tinha 33 anos de idade. "Durante a corrida, eu sabia que havia um acidente, mas não sabia a gravidade. O acidente foi na segunda volta, mas só percebi na terceira. Houve muita confusão e então percebi que era o carro de Wolfgang na quarta volta quando não vi o seu nome na placa. Enquanto corri, só pensei no que estava fazendo, em mais nada. Venci a prova, mas ao invés de ir em direção ao pódio, fui aos boxes e perguntei o que tinha acontecido. Ninguém respondeu, mas do jeito que todos estavam, não havia dúvidas. Não acreditei", essa foi a declaração do vencedor da corrida e recém-coroado Campeão Mundial de 1961, Phil Hill. Conta a lenda que o avião que Von Trips pegaria para viajar aos Estados Unidos no final daquele dia caiu e não houve sobreviventes.

Foram apenas 27 Grandes Prêmios, duas vitórias, a única pole conquistada em Monza, seis pódios e 56 pontos. Porém, o legado de Von Trips foi bem maior e por muitos anos ele foi considerado o maior piloto alemão de todos os tempos. Seu enterro na Alemanha foi grandioso e uma estátua foi erguida em sua homenagem em Kerpen, aonde nasceu. Nesta mesma cidade, um pequeno kartódromo fora construído por Von Trips quando ainda estava vivo. Nos anos 60, a família resolveu vencer a propriedade e quem tomou de conta foi um senhor chamado Rolf Schumacher, que adorava corridas e colocou seu filho mais velho, de apenas quatro anos, brincar de kart na propriedade. O seu nome era Michael e o resto é história.

Um comentário:

Arthur Simões disse...

Belo texto JC!
Devia ser muito estranho um pais ter as maiores fábricas e ter apenas um piloto de ponta.
Sem querer voltar para um assunto passado mas a alemanha poderia ter um campeão antes de Schumacher, Bellof.
Ou não dá para ter um idéia como essa de um piloto que correu tão pouco?

Valeu JC!!