domingo, 11 de maio de 2008

Um talento jogado fora


Os italianos são conhecidos pela sua alegria e pela forma calorosa como tratam as pessoas. Porém, Stefano Modena é completamente diferente dos seus compatriotas. Frio, introspectivo e focado apenas em seu trabalho, esse italiano se juntos aos vários pilotos da bota que se aventuraram na F1 no final dos anos 80 e era considerado um dos mais talentosos da sua geração, mas assim como seus compatriotas, Modena sucumbiu em meio ao mundo cruel da F1. Completando 45 anos no dia de hoje, vamos conhecer um pouco da carreira desse italiano, cuja personalidade ajudou a acabar com sua carreira.

Stefano Modena nasceu no dia 12 de maio de 1963 em Modena, por coincidência, xará do seu sobrenome. Desde sempre o pequeno Stefano foi apaixonado por automobilismo, pois morava próximo de Maranello, casa da Ferrari. Modena começou sua carreira em competições de kart nos anos 70 na região de Emilia-Romagna e logo começou a obter muito sucesso nos micro-carros. Em 1980 o italiano foi Campeão Mundial de Kart na categoria Júnior e bicampeão europeu de kart, desta vez na categoria principal, em 1983 e 1984. Ainda em 1983 Modena começa sua carreira em monopostos num F-Ford, onde permanece por dois anos até estrear na F3 Italiana. Em 1986 a categoria de base italiana estava cheia de pilotos jovens, talentoso e com vontade de aparecer e Modena teve que enfrentar pilotos que se destacariam mais tarde, como Nicola Larini, Rinaldo Capello, Alex Caffi e Marco Apicella. Mesmo terminando o certame nacional em quarto, Modena consegue destaque ao vencer a corrida de F3 em Mônaco.

Graças ao seu patrocínio com a Marlboro e, lógico, pelo seu talento, Stefano Modena só passa um ano na F3 e em 1987 pula para o Campeonato Europeu de F3000 pela forte equipe Onyx. Já naquela época a categoria era bastante difícil para novatos, mas Stefano não se intimida e após vencer três provas (Vallelunga, Birmigham e Ímola), se torna Campeão logo em sua estréia, depois de derrotar o espanhol Luiz Perez-Sala e os brasileiros Maurício Gugelmin e Roberto Moreno. Isso chama a atenção da F1 e de forma repentina Modena debuta na categoria máxima do automobilismo mundial. Após o acidente durante os treinos para o Grande Prêmio do Japão, Nigel Mansell decidiu não participar das demais corridas do campeonato e a Williams resolve chamar seu piloto contratado para 1988 para a última etapa de 1987, Riccardo Patrese. O italiano estava na Brabham e como o carro era muito ruim, Patrese não pensa duas vezes em ir para o melhor carro do momento, mesmo que fosse em apenas uma corrida, fora que já se acostumaria com a nova equipe. Sem piloto naquele momento, Bernie Ecclestone em pessoa chama Modena para pilotar para ele no Grande Prêmio da Austrália. Stefano aceita no ato, mas num circuito desconhecido e num carro difícil, o italiano roda várias vezes durante os treinos e leva 1.5s do seu companheiro de equipe, Andrea de Cesaris, na Classificação. Na corrida, Modena fazia uma prova sem brilho até abandonar na volta 31 por problemas físicos.

Contudo, com 23 anos e com o título da F3000 nas mãos, Modena era o piloto da vez para 1988. Após fazer testes com a Benetton durante a pré-temporada, Stefano acerta com a Brabham para a 1988, mas Bernie surpreende ao anunciar que estava saindo da Brabham para assumir de vez o comando da FOCA. Após 25 anos a Brabham estaria fora da F1 e Modena com um mico na mão. Com todas as equipes boas com seus lugares ocupados, Modena teve que assinar com a novata Eurobrun, uma associação entre Gianpaolo Pavanello, antigo chefe de equipe da Alfa Romeo de F1, e Walter Brun, tradicional chefe de equipe no Mundial de Esporte-Protótipos. Numa equipe pequena e sem muito investimento, Modena começa a se acostumar com as equipes pequenas, mas ainda assim mostra o seu talento. Durante o Grande Prêmio do Canadá, Stefano andou muito tempo em sexto, na zona de pontuação, mas quebrou o câmbio no final da prova. Numa época em que vários carros tentavam se classificar, Modena conseguiu o feito de ter ficado de fora de apenas quatro provas durante o ano, mas como raramente via a bandeirada, tudo o que o italiano conseguiu foi um décimo primeiro lugar no Grande Prêmio da Hungria.

Após um ano sabático, a Brabham voltava, mas sem Ecclestone. A única coisa que lembrava a velha equipe forte dos anos 70 e 80 era Herbie Blash. A Brabham contratara Martin Brundle, que acabara de se tornar Campeão Mundial de Esporte-Protótipo pela Jaguar, e Stefano Modena, que foi lembrado pelos antigos componentes da equipe. A equipe teria um chassi bem convencional e o raquítico motor Judd, mas o grande trunfo da equipe eram os pneus da Pirelli, que se comportavam muito bem nas Classificações. Sempre largando bem devido aos pneus, não demorou para Modena mostrar serviço e durante o Grande Prêmio de Mônaco, o italiano se aproveitou de algumas quebras na sua frente para levar a Brabham para o pódio pela última vez, com um terceiro lugar. Sem dúvidas, isso animou a todos na equipe, mas a "nova" Brabham não tinha programação de testes, não havia desenvolvimentos e isso resultou em várias quebras durante o ano, mesmo com boas posições no grid. O terceiro lugar no Grande Prêmio de Mônaco acabou sendo a única pontuação de Modena em 1989.

Martin Brundle, mais experiente e macaco velho, percebe que a Brabham era um barco a ponto de naufragar e procura outra equipe no final de 1989. Modena permanece na equipe em 1990 e isso acabaria sendo um erro. Mesmo tendo ainda os pneus Pirelli como trunfo, a Brabham projeta um carro praticamente igual ao de 1989 e não repetiria sequer os bons resultados nas Classificações e durante o ano ficaria cada vez mais para trás. Modena só marca pontos com um quinto lugar na primeira etapa do ano, em Phoenix, numa etapa marcada pelas surpresas causadas pela Pirelli, que colocou a Minardi de Pierluigi Martini na primeira fila e carros da Dallara e da Osella entre os dez primeiros. Mesmo sem mostrar grandes resultados, os chefes da F1 ainda se lembravam do jovem Stefano Modena que ganhava tudo nas categorias menores. No final de 1990 o mercado da F1 estava agitado e Modena era um dos nomes envolvidos. A Ferrari estaria interessada em Alessandro Nannini e para o seu lugar, a Benetton entrou em contato com Modena. Aquela seria a melhor chance para Stefano, mas tudo começou a dar errado quando Nannini sofreu o seu acidente de helicóptero e Roberto Moreno o substituiu com um segundo lugar no Grande Prêmio do Japão. Nelson Piquet, grande amigo de Moreno, fez pressão em Flavio Briatore para que Moreno ficasse na equipe em 1991 e foi isso que aconteceu.

Porém, a Tyrrell tinha em mãos a sensação Jean Alesi e a Ferrari também ficou interessada no francês. Com lobby de Alain Prost, a Ferrari contratou Alesi para 1991 e a Tyrrell ficou com uma vaga em aberto. Com um bom carro projetado por Harvey Postlewaith, a Tyrrell tinha andado maravilhosamente bem em 1990 e teria para 1991 o lendário motor Honda V10, cedido a equipe graças a Satoru Nakajima, que estava na equipe de Ken Tyrrell no momento. Procurando um piloto tão talentoso quanto o seu garoto de ouro, Ken Tyrrell contratou Modena em apenas uma semana e o italiano teria um bom carro em mãos finalmente. No final de 1990 Stefano chegou a declarar que esperava vencer corridas e era essa a expectativa após as primeiras etapas de 1991.

Logo na estréia, Modena consegue um excelente quarto lugar em Phoenix, bastante próximo de Alain Prost e Nelson Piquet. O modelo 020 era tão bom, que Nakajima também pontuara naquela prova e ainda trazia a inovação que havia estreado em 1990: o bico levantado. Logo, todas as equipes copiariam o modelo e até hoje é padrão na F1. Depois de não se destacar em Interlagos, Modena consegue uma excepcional sexta posição no grid para o Grande Prêmio de San Marino e numa prova com condições variáveis, Modena estava confortavelmente na terceira posição quando a sua transmissão quebrou no terço final da prova. Stefano ficou vários minutos sentado dentro do carro, tentando entender o que tinha acontecido. Para piorar, Nakajima, que vinha em quarto, quebrou logo depois...

No Grande Prêmio de Mônaco, Modena surpreendia mais uma vez e largaria na segunda posição, ao lado de Senna. Stefano larga muito bem e por algumas voltas persegue Senna de perto, mas o brasileiro logo despacharia o italiano. A partir da metade da prova monegasca, Modena passa a ser perseguido de perto pela poderosa Williams de Patrese, mas seu segundo lugar parecia assegurado quando o motor Honda estourou dentro do túnel, na volta 42. Patrese escorregou no óleo e acabou batendo. Modena chegou aos boxes tão transtornado que nem quis dar entrevistas. Foram dois golpes de azar em apenas duas provas e ambas, alheio a Modena. Seu talento merecia sorte melhor e ela veio na prova seguinte. O Grande Prêmio do Canadá vinha sendo dominado pelas Williams de Nigel Mansell e Riccardo Patrese, enquanto Nelson Piquet vinha num distante terceiro lugar, seguido por Modena. O conto de fadas da Williams começou a se desintegrar quando Patrese começou a ter problemas de câmbio e foi ultrapassado por Piquet e Modena. Quando tudo se encaminhava para que as posições permenecessem as mesmas, Mansell apronta uma das suas. Na última volta, o Williams começa a diminuir até parar. O inglês fica transtornado e Piquet riu por último, conseguindo sua última vitória na F1, com Modena logo atrás. Conta a lenda que o real motivo para o abandono de Mansell foi que o inglês foi dar um tchauzinho para torcida e acabou desligando o carro sem querer...

Paradoxalmente a carreira de Modena na F1 começou a desmoronar após seu último pódio. A saída de Postlewaithe da Tyrrel logo após a prova do Canadá, para ir para a Sauber no Mundial de Esporte-Protótipo, seria decisiva. O carro da Tyrrel cai de desempenho assustadoramente a ponto de Nakajima anunciar sua saída da F1 após não conseguir bons resultados. Modena só vai marcar pontos novamente na penúltima corrida do ano, no Japão. A essa altura, Modena já tinha decidido sair da Tyrrell e negociava com a Jordan, equipe sensação de 1991. Inexperiente, Eddie Jordan resolve dar um passo maior do que a perna e acaba fazendo besteira em seu segundo ano de F1. O Jordan 192 era uma evolução do bom modelo 191, mas Jordan resolve investir no novo câmbio seqüencial, a grande novidade da F1 no momento. Para piorar, Jordan é convencido a se aliar a Yamaha, que até aquele momento não tinha feito nada na F1. Modena, trazido juntamente com Maurício Gugelmin, seria a esperança de melhoras na equipe irlandesa. Foi um verdadeiro pesadelo!

Logo de cara Modena não consegue se Classificar para a primeira etapa na África do Sul. Mesmo conseguindo largar para as corridas seguintes, Modena começa a se desanimar com as constantes quebras. De repente, Stefano passava de um piloto extremamente promissor e um retardatário costumaz. Normalmente fechado e na dele, Modena se contrai cada vez mais e mergulha num mundo só dele dentro da Jordan. Os conflitos começam a surgir e a relação entre o italiano e o resto da equipe se deteriora a ponto do único ponto marcado pela equipe, com um sexto lugar conquistado por Modena no Grande Prêmio da Austrália, não ser comemorado nem pelo piloto, muito menos pela equipe. Claramente fora da Jordan, Modena se vê num mar de equipes medíocres para 1993. Com um espírito competitivo e sem chances numa equipe decente, Modena decide abandonar a F1 no final de 1992. Foram 70 Grandes Prêmios, dois pódios e 17 pontos.

Após deixar a F1, Modena se bandeou para a o turismo. Mais precisamente para o DTM. O Campeonato de Turismo Alemão era (e ainda é) o melhor campeonato de turismo do mundo e Stefano é contratado pela Alfa Romeo em 1994, aonde teria seus compatriotas e contemporâneos Nicola Larini e Alessandro Nannini como companheiros de equipe. Com a pausa da categoria no final de 1996, Modena participou dos Campeonatos Alemão e Italiano de Superturismo, sempre conseguindo vitórias, mas não títulos. Quando seu amigo Michele Alboreto morreu em 2001, Modena decidiu abandonar sua carreira e hoje é piloto de testes da Bridgestone para carros de passeio. Não restam dúvidas que Modena poderia ter sido o grande piloto italiano durante o auge da invasão italiana sobre a F1 no final da década de 80, mas sua maneira de ser fechada e resoluta afastava todos de si e isso acabou atrapalhando sua carreira, nunca tendo oportunidade de ter um bom carro em mãos, mas Stefano ainda deve ter boas lembranças da sua carreira, como perseguiu de perto Ayrton Senna em Mônaco.

Parabéns!
Stefano Modena

2 comentários:

Arthur Simões disse...

Òtimo texto JC!!!

Na vida e na F1, sorte e azar são determinantes para o sucesso mesmo com talento de sobra.Infelizmente com Modena foi assim.
É exagero falar que esse modelo 020foi o último carro de verdade da Tyrrel ou depois dele teve algum outro carro decente?

Valeu JC!!!

João Carlos Viana disse...

O 020 foi o último bom carro da Tyrrell. A equipe foi acabando até o velho Ken vender a equipe para a BAR. E depois para a Honda...