A Guerra FISA-FOCA atingiu seu ápice há exatos trinta anos
atrás e ainda contou outra história com desdobramentos históricos. A
beligerância não havia começado em 1982, mas dois anos antes, numa luta pelo
poder da F1 entre Jean-Marie Balestre (FISA) e Bernie Ecclestone (FOCA). Como
ocorriam na Guerra Fria entre comunistas e capitalistas, que ocorria nessa
mesmíssima época, os dois dirigentes farejavam fatos para conseguir vantagem
estratégica e fazer política com qualquer tipo de assunto, banais ou não, mas
cada um puxando a sardinha para o seu lado. No Grande Prêmio da Espanha de
1980, sem a participação das equipes da FISA (Ferrari, Renault e Alfa Romeo), a
FOCA realizou a prova assim mesmo e passou a ameaçar uma cisão com a entidade
diretora, inclusive realizando uma corrida em Kyalami no início de 1981. Ambas
as corridas não valeram pontos, mas aumentava a discórdia.
Na época, as equipes apoiadas por Balestre investiam
fortemente nos motores turbo, que ficava cada vez mais claro serem bem melhores
do que os aspirados, no qual os times de Ecclestone tinham acesso. Os chamados
garagistas passaram a inventar sistemas ‘inteligentes’, que burlavam um
regulamento cheio de brechas e falhas, levando as equipes da FISA à loucura. Em
1981 foi a suspensão hidropneumática. Em 1982, foram as chamadas caixas-pretas,
com a qual Nelson Piquet venceu o Grande Prêmio do Brasil, com Keke Rosberg
completando a dobradinha da FOCA. Essa caixa era uma hipocrisia sem tamanho,
mas como nada dizia no regulamento, os times ingleses que não tinham motor
turbo a utilizavam a seu bel-prazer e derrotavam Ferrari e Renault.
Os chamados ‘legalistas’ protestaram ao seu dirigente-mor
Balestre, mas como esse estava em ‘paz’ com Ecclestone, nada fez. No Grande
Prêmio seguinte, a Ferrari apareceu com um aerofólio traseiro completamente
irregular, mas como o regulamento era falho também nesse sentido, a equipe
italiana correu assim mesmo em Long Beach e Gilles Villeneuve conseguiu o
terceiro lugar. Enzo Ferrari em pessoa ameaçou de retirar sua famosa equipe da
F1 se fossem desclassificados do Grande Prêmio dos Estados Unidos-Oeste. Logo
após Long Beach, também seriam julgados os recursos impetrados por Renault e
Ferrari sobre o resultado do Grande Prêmio do Brasil. A FISA temeu perder sua
equipe mais popular, assim como sua principal aliada na guerra contra
Ecclestone. Deste modo, a entidade desclassificou Villeneuve nos Estados
Unidos, mas também desclassificou Piquet e Rosberg no Brasil, dando a vitória
em Jacarepaguá a Alain Prost, da Renault. Vale aqui um pequeno detalhe. O novo
segundo colocado, John Watson, da McLaren, assim como o terceiro colocado Nigel
Mansell, da Lotus, também se utilizavam da mesma caixa preta da Brabham e da
Lotus, não sendo também desclassificados. Por que não o foram? Infelizmente,
Balestre já morreu e nunca poderá responder essa questão.
O fato foi que Ecclestone e suas filiais tomaram a radical
decisão de boicotar o Grande Prêmio de San Marino, próxima etapa do campeonato.
Na sexta-feira, apenas Ferrari, Renault, Alfa Romeo, Osella, ATS e Toleman
estavam treinando. A Osella era aliada da também italiana Ferrari, enquanto a
Toleman e ATS se mantinham neutras com relação ao problema, mesmo a Toleman sendo
inglesa, como a maioria dos times da FOCA. O problema era que um Grande Prêmio
só seria válido se houvessem quatorze carros e a conta não fechava. Então a
Tyrrell, que já estava na pista, resolveu correr após horas de negociação entre
Ken Tyrrell e Bernie Ecclestone por telefone. “Boicotar um Grande Prêmio não é
resposta justa a uma sentença que acho absurda”, falou Ken Tyrrell sobre a
participação de sua equipe em Ímola. Por trás do belo discurso, havia o forte
patrocínio da italiana Candy para fazer o time participar da corrida, além de
Ken Tyrrell estar negociando com a Ferrari para usar seus motores turbo a
partir de 1983, além do passe de Michele Alboreto.
Com a corrida finalmente a ponto de acontecer, os tifosi não
se importaram com os poucos carros e foram torcer pela Ferrari. Só no sábado,
30000 pessoas passaram pela roleta em Ímola e o grid teve, sem nenhuma
surpresa, Ferrari e Renault dominando as duas primeiras filas. No domingo, com
sol brilhando e o Autodromo Enzo i Dino Ferrari lotado, René Arnoux, Alain
Prost, Gilles Villeneuve e Didier Pironi, que largariam nesta ordem, se
reuniram e decidiram que em homenagem ao grande público, dariam um belo
espetáculo. E assim o fizeram. Prost não pode participar muito daquele
espetáculo, pois seu Renault quebrou com apenas sete voltas, restando Arnoux,
Villeneuve e Pironi. Realmente os três deram um belíssimo espetáculo, com
Arnoux segurando as duas Ferraris com muita garra, até quebrar na saída da
Tosa, deixando Villeneuve e Pironi correndo sozinhos. Com os dois carros
vermelhos na ponta, mesmo com a torcida feliz, a tendência era de uma corrida
chata a partir de então. Contudo, havia um pacto pelo espetáculo e Villeneuve
lembrava disso, assim como lembrou de um antigo pacto quando passou pelos boxes
e viu a Ferrari sinalizar para seus dois pilotos: SLOW (LENTO).
Aquele sinal significava que os pilotos teriam que diminuir
a velocidade e, utilizando o linguajar atual, levar as crianças para casa.
Voltando para 1979, Gilles Villeneuve se lembrará do Grande Prêmio da Itália. O
canadense ainda tinha chances de brigar pelo título com o companheiro de equipe
Jody Scheckter, quando Enzo Ferrari foi junto ao canadense e lhe disse com ar
paternal: Gilles, esse título é do Jody. Você é muito jovem, o próximo será
seu. E Gilles obedeceu a ordem, ficando atrás do companheiro de equipe e
vendo-o vencer o título daquele ano em Monza. Villeneuve esperou dois anos
ruins da Ferrari para finalmente ter sua chance e aquela placa dizia claramente
quem seria o vencedor em Ímola: Gilles Villeneuve. Contudo, Didier Pironi não era
um sujeito dos mais tranqüilos de se conviver e sua ambição iniciaria uma
inimizade curta e verdadeira. Na época havia uma grande disputa entre todos os
pilotos franceses para saber quem seria o primeiro campeão mundial francês e
correndo pela Ferrari, Pironi lutava por essa primazia. O fato foi que Pironi não
diminuiu a velocidade de sua Ferrari e partiu para cima de Villeneuve,
efetuando a ultrapassagem já nas voltas finais. Na sua inocência, talvez o
colocando no mesmo patamar de um Mané Garrincha, Villeneuve pensou que Pironi
queria apenas dar um show para os tifosi e entrou nesse, talvez até se
divertindo, passando a trocar de posições com companheiro de equipe naqueles
momentos finais.
Porém, quando Gilles efetuou a ultrapassagem na penúltima
volta, ele pensou que a brincadeira havia acabado. Na última volta, Pironi saiu
da Tamburello colado na traseira de Villeneuve, ziguezagueou na reta oposta e
na freada da Tosa, colocou por dentro, freou no limite e efetuou a
ultrapassagem definitiva. Villeneuve ainda tentou o troco, mas Didier Pironi
conseguia sua primeira vitória pela Ferrari. A cara de Gilles Villeneuve no
pódio faria medo a qualquer lutador de MMA na pesagem. O canadense poderia ser
louco dentro das pistas, mas também era conhecido pela amabilidade fora delas.
Gilles ficou irritadíssimo com Pironi e prometeu nunca mais falar com ele. “Para
mim, Didier Pironi passou a ser um alvo para mim,” prometeu o canadense.
Enquanto vibrava loucamente pela vitória, Pironi negava ordens de equipe e
ainda dizia que Villeneuve era um mau perdedor. Gilles foi direto para
Maranello cobrar seus chefes sobre a promessa feito pelo Comendador em 1979 e
para sua imensa decepção, ele encontrou uma equipe dividida, inclusive o chefe
de equipe, Claudio Piccinini ficando à favor de Pironi. Gilles Villeneuve viu
aquilo como uma traição à italiana, mas a continuação daquilo seria outra
história, assim como o futuro imediato da F1.
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