sexta-feira, 27 de abril de 2012

Todo segundo conta


Ele foi um dos homens mais espetaculares e agressivos da história do rally e dono de uma história de vida que virou livro, cujo título está aí em cima. Ari Vatanen foi uma das primeiras estrelas do Campeonato Mundial de Rally da FIA e sua tocada agressiva, normalmente ao lado do navegador David Richards, entrou para a história e suas câmeras on-board demonstravam um homem corajoso atrás de vários volantes ao longo dos anos 70 e 80, lhe garantindo um título mundial e várias conquistas do Paris-Dakar, mas seu talento era muito maior do que os seus números e sua vontade de viver após um sério acidente não esmoreceu seu amor pelo esporte, fazendo Vatanen tentar ser até presidente da FIA. Completando 60 anos hoje, vamos conhecer um pouco mais de sua carreira.

Ari Vatanen Pieti Uolevi nasceu no dia 27 de abril de 1952 na pequena cidade de Tuupovaara, na região rural da Finlândia. Segundo o próprio Vatanen, a cidade parecia ser a vila do Papai Noel durante 365 dias do ano, o que significava muita neve e gelo, além de que desde cedo, Vatanen esteve em contato com superfícies escorregadias, ajudando-o a ter controle sobre derrapagens com seus carros. Aos 18 anos Ari Vatanen começou a se interessar nos rallys, esporte bastante popular no seu país e no ano seguinte comprou um Opel Kadett e fez seus primeiros rallys no campeonato nacional, ao lado do navegador Martti Simonen, conquistando logo em seu terceiro rally um segundo lugar, conquistando sua primeira vitória ainda em seu ano de estréia, no Tott-Porrassalmi Rali. Em 1973 Vatanen passa a usar um Opel Ascona e no ano seguinte participa pela primeira vez de uma etapa do Campeonato Mundial de Rally, o Rally dos Mil Lagos, na sua Finlândia. Em 1975 Vatanen inicia sua participação do Campeonato Inglês de Rally com um Ford Escort RS1800 e se torna campeão em 1976 e 1980. Naquela época, o certame britânico era tão popular como o Europeu e isso garantiria um bom carro para Vatanen quando ele fez sua estréia como piloto regular do Mundial a partir de 1977. Em 1979 Vatanen é contratado pela Rothmans Rally Team, que nada mais era que o time oficial da Ford, onde correria ao lado do compatriota Hannu Mikkola e o sueco Björn Waldegard. Enquanto seus companheiros de equipe brigaram ponto a ponto pelo título, com vitória de Waldegard por um único ponto, Vatanen ficou em quarto lugar no campeonato, empatado com o compatriota Markku Allén, tendo um segundo lugar na Finlândia como melhor resultado.

Nessa sua primeira temporada, após utilizar vários navegadores diferentes em quase dez anos de carreira, Vatanen tem o inglês David Richards como seu navegador oficial e seria com ele que obteria seus melhores resultados. Em 1980 Vatanen consegue sua primeira vitória no Mundial no Rally Acrópole (etapa grega), mas sua conhecida pilotagem espetacular lhe trazia muitos fãs, mas também inconsistência, fazendo-o repetir o quarto lugar do ano anterior, bem distante de brigar pelo título. Porém, Vatanen faz um campeonato irretocável em 1981 e teria que superar a decadência do seu Ford Escort para derrotar Guy Fequelin da Talbot e Hannu Mikkola da Audi para se tornar campeão mundial, com vitórias na Grécia, Finlândia e... Brasil! Para quem não sabe, o Brasil sediou duas etapas do WRC em 1981 e 1982, mas foram tão desorganizadas, particularmente o segundo, que o Mundial nunca mais voltou para essas bandas. Por incrível que pareça, Vatanen não defende seu título em 1982 e participa de poucos rallys nesse ano e no próximo. Ainda contratado pela Ford, Ari sabia que não tinha chances contra os Audi Quattro, além de que David Richards havia deixado seu cargo como navegador e iniciaria sua longa carreira como dirigente. Vatanen chegou a utilizar sua esposa Rita (e vencendo!) como navegadora, mas em 1984 teria como companheiro de jornadas o inglês Terry Harryman quando ele recebeu uma boa proposta para voltar ao WRC.

O Audi Quattro foi apenas o primeiro de uma série de carros que entrariam para a história do Mundial de Rally. Os carros conhecidos como Grupo B entrariam com força a partir de 1982 com carros leves, com tração nas quatro rodas e uma potência descomunal. Os rallys se tornavam cada vez mais velozes e populares. Assim como também perigosos. Capitaneado pelo antigo navegador Jean Todt, a Peugeot construiu seu carro ‘Grupo B’ a partir de 1984 e contrata Vatanen para desenvolver o novo carro. A Audi continuava o carro dominante, mas tinha como rivais a Lancia e a Nissan. A Peugeot sofreu durante o ano, mas quando Vatanen vence três das quatro últimas provas do campeonato, isso provava que a montadora francesa viria forte em 1985. Agora tendo companheiro de equipe Timo Salonen, Vatanen era o favorito ao título de 1985. O finlandês vence as duas primeiras etapas em Monte Carlo e na Suécia, mas uma série de erros faz com que ele só conseguisse outro resultado de relevo com um segundo lugar na Austrália, completando a dobradinha com Salonen. Já nessa época as velocidades que os carros vinham atingindo chamavam a atenção de todos e durante o Tour de Corse, o italiano Attilio Bettega morreu instantaneamente quando sofreu um acidente com seu Lancia. Durante a etapa argentina, Vatanen vinha numa sessão rápida quando perdeu o controle do seu Peugeot e saiu capotando. O carro ficou destroçado e o finlandês teve fraturas na coluna, costelas, joelho e tornozelo, sendo que o joelho teve que ser reconstruído as pressas e ele mancaria para sempre. Porém, a grande convalescência do maior acidente de Ari Vatanen foi que o marcou. Era a primeira vez que o finlandês passaria tanto tempo sem correr e isso afetou seu emocional. Com uma estranha rouquidão no hospital, Vatanen pensou estar com câncer na faringe, logo descartado pelos médicos. Durante sua recuperação, Ari se sentia sempre fraco e ele lembrou que fez três transfusões de sangue no hospital de Córdoba, convencendo-o que ele havia contraído o vírus da AIDS, o que na época era praticamente uma sentença de morte. Mesmo tudo negado, Vatanen ficou em depressão, aumentando seu tempo de recuperação. Porém, durante o tempo em que convalescia, o mundo do WRC sofria mudanças graves. Quando Henri Toivonen morreu em 1986, seguiu a conclusão que os carros do Grupo B eram tão velozes, que os pilotos, os melhores do mundo, não eram rápidos o suficientes para guiá-los e os mesmos foram proibidos a partir de 1987. A Peugeot não aceita a decisão e abandona a categoria, se mudando para o rally cross-country.

Jean Todt se lembra novamente de Vatanen e com o finlandês já recuperado, é chamado para participar do Rally Paris-Dakar em 1987 e logo de cara, Ari Vatanen vence em sua estréia do famoso Rally da Morte. Vatanen venceria outras duas vezes, mas foi sua última vitória, em 1989, a mais marcante. No meio do Rally, com todos os rivais da Peugeot já tendo abandonado, Todt chamou Vatanen e o outro piloto do time, Jacky Ickx, de lado e disse que o vencedor do rally seria o ganhador de um cara-e-coroa. Vatanen foi o vencedor da ‘contenda’, mas Ickx ficou furioso e toda vida era o mais rápido das especiais, mas parava seu carro no final, esperando Vatanen completar a especial na frente. O finlandês passou para a Citröen a partir de 1991, onde ficou vários anos, mas não voltaria a vencer o Rally na África, tendo disputado seu último rally em 2007, pela VW. Após seu acidente na Argentina, Vatanen nunca mais participou de um campeonato inteiro do WRC, mas em 1993 ele foi chamado por seu antigo navegador David Richards, agora chefe da Prodrive, para desenvolver o novo carro da Subaru, que anos mais tarde entraria para a história como um dos mais vencedores do WRC. Ari Vatanen participou de etapas espaças do WRC até 1998, quando completou seu centésimo rally na Grã-Bretanha e mesmo tendo apenas dez vitórias, é até hoje considerado uma lenda do WRC.

Desde 1993 morando na França, Ari Vatanen entrou para a política e em 1999 ele foi eleito para o Parlamento Europeu. Em julho de 2009, Vatanen tentou a presidência da FIA, mas por ironia das ironias, seu concorrente seria Jean Todt, a quem foi tão ajudado no passado. Durante a campanha, Vatanen preferiu atacar muito mais Max Mosley do que seu amigo Todt, mas o francês acabou vencedor, mesmo Vatanen tendo recebido muito apoio das pessoas cansadas da política de Mosley. Dono de uma tocada super agressiva, Ari Vatanen ganhou muitos fãs por causa disso e seus vídeos no youtube mostram muitas cenas de rally onde o navegador, uma pessoa acostumada com aquilo, soltam vários ‘oh, my god!’ enquanto Vatanen desbrava estradas estreitas e cheias de abismos. Porém, a filmagem mais conhecida de Ari Vatanen aconteceu em 1988. Utilizando o mesmo Peugeot 205 Turbo, mas com algumas modificações, Ari Vatanen foi a famosa corrida de subida de montanha em Pikes Peak, onde o finlandês venceu com direito a recorde, mas o mais importante, lhe rendeu um documentário emocionante, assim como seu livro lançado no mesmo ano, contando sua história até ali: Todo Segundo Conta. Seja como político, mas principalmente como grande piloto de rally ao longe de mais de 25 anos, Ari Vatanen entrou para a história do automobilismo.

Parabéns!
Ari Vatanen 

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