sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

O cinegrafista

Em tempos em que o preconceito é debatido e atacado, houve um caso aqui no Brasil no início dos anos 90, mais especificamente na F1, em que poucos perceberam. Sempre que houvesse um acidente na F1, logo se imaginava: Só pode ser japonês! Isso surgiu unicamente por causa de um homem: Satoru Nakajima. Primeiro japonês a correr regularmente na F1, Nakajima era um piloto imensamente simpático e querido no paddock, mas suas trapalhadas entraram para a história e por causa dele, piloto japonês virou sinônimo de piloto ruim. Somente com o tempo, o folclore em cima de Satoru diminuiu e os (raros) feitos do japonês foram colocados em voga e hoje o nome Nakajima volta à F1 com Kazuki, filho de Satoru. Completando 55 anos no dia de hoje, iremos conhecer um pouco sobre esse piloto que entrou para o folclore da Fórmula 1.

Satoru Nakajima nasceu no dia 23 de Fevereiro de 1953 na cidade de Okazaki, no Japão. A família Nakajima vivia numa fazenda nos arredores de Okazaki e o pequeno Satoru tomou contato pela primeira vez com um carro nos jardins de sua casa, ao volante do carro do pai dele. Nakajima começou sua carreira nos karts com 16 anos e quando completou seus estudos, passou a disputar corridas de turismo no Japão, com um Mazda, se tornando Campeão Japonês de Turismo em 1974. Porém, um ano antes Satoru começou a se aventurar em monopostos e conquistou um título na Suzuka Circuit Series, na categoria novatos. Com o resultado, Nakajima passou a disputar o Campeonato da Fórmula Japan em 1976, conseguindo um ótimo terceiro lugar no campeonato de estréia e conseguido o título no ano seguinte.

Em 1978, Nakajima debutou na Fórmula 2 Japonesa e no ano de estréia conseguiu sua primeira vitória com um Nova-BMW, porém, ainda em 1978, Nakajima iniciou sua longa relação com a Honda. Em 1979 Satoru foi para a equipe de Tetsu Isukawa, voltando a vencer na categoria nacional somente em 1980, terminando o campeonato mais uma vez na terceira posição. Já mais adaptado a categoria e com a Honda investindo num bom motor de F2, Nakajima venceu pela primeira vez o Campeonato Japonês de Fórmula 2 em 1981, com uma boa diferença em cima do então campeão, Kazuyoshi Hoshino. Em 1982 Satoru domina o campeonato japonês, vencendo quatro das seis corridas do certame, conseguindo o número máximo de pontos possíveis, 80. Em 1983 Nakajima saiu da equipe Isukawa e partiu para uma equipe privada, com um March-Honda, e mesmo vencendo a primeira corrida da temporada, Satoru teve que se contentar com o quarto lugar no campeonato, com o título ficando desta vez com Geoff Lees.

Após essa derrota, Nakajima foi para a equipe Heroes Racing, a mesma em que estreou na F2 Japonesa, e disputou ponto a ponto o campeonato com Stefan Johansson, recuperando a taça na última corrida em Suzuka. Nos dois anos seguintes, Nakajima venceu novamente o Campeonato Japonês de F2 e já começava a pensar em expandir sua carreira. Em 1982, Satoru disputou uma etapa do Europeu de F2 em Silverstone e não fez feio, ficando em segundo lugar atrás de Stefan Bellof. Nessa corrida, uma face pouco conhecida de Nakajima foi mostrada: sua ótima atuação na chuva. Em 1986 Nakajima participou de parte do campeonato de F3000, conseguindo até mesmo um pódio na Áustria. Mas esses resultados ainda era pouco para Nakajima, um vencedor nato em seu país.

Com a parceria com a Honda cada vez mais forte, Satoru Nakajima começou a ter contato com a F1 ainda em 1985, onde desenvolvia o motor japonês em terras nipônicas, com um Williams-Honda. Após conseguir suas primeiras vitórias na F1, a Honda passou a exigir um piloto japonês entre suas equipes clientes. Na metade de 1986, a Honda pediu para a Williams colocar um japonês nas suas fileiras, mas com Nelson Piquet e Nigel Mansell fazendo sucesso, Frank Williams recusou a proposta. A Lotus entrou na parada e aceitou de bom grado a intromissão da montadora japonesa. Como Satoru Nakajima era pentacampeão japonês de F2 e já testava com F1 havia dois anos, a escolha sobre o piloto nipônico foi óbvia. Porém, alguns fatores acabaram atrapalhando Nakajima em seu começo de história na F1.

Primeiro, era seu companheiro de equipe. Ayrton Senna já era considerado um dos melhores pilotos da F1 na época e a chegada da Honda à equipe Lotus era, na sua visão, a melhor chance que ele tivera até então de conquistar o sonhado Campeonato Mundial. Por isso, Senna se preparou como nunca para conseguir o feito e repetir o que tinha feito com seus antigos companheiros de equipe: estraçalha-los. Mesmo com apenas quatro vitórias até 1986, Senna já tinha uma enorme coleção de pole-positions e essa seria uma de suas principais armas. Outro problema de Nakajima foi uma inovação das transmissões pela TV. Desde 1985, as câmeras on-board era a nova sensação na F1, mas poucos pilotos queriam a micro-câmera em seus carros, pois além de aumentar desnecessariamente o peso do carro, seus erros seriam mostrados ao vivo e a cores para milhões de telespectadores. Porém, Nakajima aceitou sem nenhum problema colocar uma câmera em seu Lotus. Foi algo que marcou decisivamente a carreira de Satoru Nakajima na F1, dando-lhe um dos seus vários apelidos.

Satoru Nakajima fez sua estréia na F1 já com 34 anos de idade, se tornando um dos pilotos mais velhos a estrear na categoria máxima do automobilismo e também o primeiro piloto japonês a fazer uma temporada completa na F1. Sem conhecer a maioria dos circuitos, Nakajima preferia começar a conhecer o traçado andando no limite e assim os erros eram inevitáveis. E a câmera da FOCA mostrando todas as suas trapalhadas para todo mundo, que se divertia com o que via. Totalmente ofuscado pela velocidade estonteante de Ayrton Senna, Nakajima tomava, em média, 3s por voltas nas Classificações e isso obscurecia suas atuações nas corridas. Logo em sua segunda corrida na F1, Nakajima conseguiu marcar seu primeiro ponto em Ímola, repetindo a dose na corrida seguinte em Spa, desta vez com um quinto lugar e conquistando dois pontinhos. Em Silverstone, mesmo duas voltas atrasado, Nakajima conseguiu um respeitável quarto lugar, no que seria seu melhor resultado na F1. No final do ano, Satoru conseguia a décima primeira posição, com sete pontos marcados. Esse resultado não seria de todo ruim para um novato, porém, comparado aos 57 pontos do terceiro colocado Ayrton Senna, os feitos de Nakajima se transformaram em deboche.

Com a ida de Senna para a McLaren, Satoru teria um novo companheiro de equipe: Nelson Piquet. Se com Senna a vida não foi fácil, com um tricampeão mundial ao seu lado a vida de Satoru não iria melhorar muito. Mesmo tendo o melhor motor do pelotão, a Lotus construiu um dos piores chassis de sua longa história e Nakajima afunda junto com a equipe. O piloto japonês só consegue um ponto, na primeira etapa no Brasil. A temporada da Lotus foi tão ruim, que a Honda decidiu abandonar o barco amarelo da Lotus e a tradicional equipe se viu com os raquíticos motores Judd para 1989. Nakajima não consegue se classificar para várias corridas, inclusive no Grande Prêmio da Bélgica, quando nem o talento de Piquet foi suficiente para levar a Lotus adiante e pela primeira vez em mais de 30 anos, a Lotus não largaria para uma corrida de F1. Já de saída para a Tyrrell, Nakajima faz sua última corrida pela Lotus no Grande Prêmio da Austrália. Largando na vigésima terceira posição, ninguém esperava nada de Nakajima. Porém, uma tempestade se abateu sobre Adelaide e por muito pouco a corrida não foi realizada. Como era esperado, Satoru roda logo depois da largada, debaixo de um aguaceiro de proporções bíblicas. Para então fazer a corrida de sua vida! Aproveitando seu bom desempenho com pista molhada, Satoru faz uma corrida de exceção e iguala seu melhor resultado na F1 com um quarto lugar no final, menos de 5s do terceiro colocado Riccardo Patrese e conseguindo sua única melhor volta de uma corrida de F1 durante sua recuperação!

Porém, sua ida para a Tyrrell significou o início do declínio do simpático japonês. Em sua estréia pela equipe, consegue marcar um ponto no apertado circuito urbano de Phoenix. Após essa boa exibição inicial, Nakajima faria uma de suas trapalhadas mais famosas. Durante o Grande Prêmio do Brasil de 1990, realizado pela primeira vez no reformado autódromo de Interlagos, Ayrton Senna tentava vencer pela primeira vez em sua carreira no Brasil e com esse intuito, imprimiu um ritmo muito forte durante a prova. O piloto da McLaren era absoluto em sua marcha rumo a uma vitória consagradora, quando se aproximou da Tyrrell de Satoru Nakajima na volta 40. Mesmo com 13s de vantagem sobre Alain Prost, Senna não queria perder tempo e tentou ultrapassar o japonês no Bico de Pato. Apesar de acostumado com a vida de retardatário, Nakajima não se entendeu com Senna durante a manobra e o japonês atropelou o bico da McLaren, fazendo com que Senna fosse aos boxes no final dessa volta. Com isso, o piloto da McLaren teve que amargar um terceiro lugar e Satoru Nakajima virou sinônimo de piada no Brasil.

Assim como ocorreu com Senna em 1987, Nakajima teria como companheiro de equipe outro piloto louco para mostrar serviço e se mudar para uma equipe grande: Jean Alesi. O piloto francês foi um dos pilotos mais promissores que a F1 viu nos últimos vinte anos e Nakajima foi totalmente arrasado por Alesi. Como consolo, Satoru conseguiu mais dois pontos com dois sexto lugares em Monza e em Suzuka. Porém, o bom resultado em casa foi obscurecido pelo pódio conquistado pelo compatriota Aguri Suzuki, superando o melhor resultado de Nakajima. Quando a Tyrrell trouxe Nakajima, o objetivo era atrair patrocinadores japoneses e, principalmente, atrair a Honda para a equipe do velho Ken Tyrrell. O objetivo principal foi conquistado em 1991, com a montadora equipando a escuderia inglesa. Desta vez Nakajima não teria nenhum grande piloto ao seu lado (Stefano Modena), mas já contando com 38 anos de idade, Satoru anunciou sua aposentadoria durante o Grande Prêmio da Alemanha daquele ano e cumpriu sua promessa durante o confuso Grande Prêmio da Austrália de 1991, onde acabou sua carreira na F1 da maneira em que ficou mais conhecido na categoria: sofrendo um acidente. Foram no total 74 Grandes Prêmios, 16 pontos e uma melhor volta.

Mesmo com sua passagem nada brilhante na F1, Satoru Nakajima se tornou um herói no Japão, sendo bastante respeitado até hoje em seu país. Em 1992, a Honda deixou a F1 e começava o sonho de ter uma equipe própria e Nakajima foi um dos artífices, participando dos primeiros testes da futura equipe. Que nunca se materializou daquela forma. Quando a Honda desistiu de ter uma equipe própria na F1, ao menos naquele momento, a gigante passou a investir forte nos motores da CART, se tornando o principal motor da categoria, com a ajuda providencial de Satoru.

Nakajima fundou sua equipe da Fórmula 3000 Japonesa, hoje conhecida como Fórmula Nippon, conquistando os títulos de pilotos em 1999 (Tom Coronel), 2000 (Tora Takagi) e 2002 (Ralph Firman). Satoru também passou a garimpar talentos japoneses para a F1 e graças a seus contatos com a Tyrrell, levou Tora Takagi para a equipe em 1998. Hoje Satoru Nakajima mora em sua cidade natal, Okazaki, mas vê com muito orgulho a chegada do seu filho, Kazuki Nakajima, à F1. Por essas coisas do destino Kazuki estreou na F1 pela Williams, mesma equipe que dispensou os serviços de Satoru Nakajima vinte anos antes. E no Grande Prêmio do Brasil de 2007, mesmo Grande Prêmio que seu pai estreou em 1987. Porém, a primeira corrida de Kazuki Nakajima foi marcada pela sua grande velocidade e pela trapalhada em um pit-stop, em que o jovem piloto japonês atropelou um mecânico da Williams. A comparação com o pai foi inevitável! Contudo, Kazaki Nakajima foi confirmado como piloto titular da Williams em 2008 ao lado de Nico Rosberg, outro filho de um piloto dos anos 80. Porém, tudo que Satoru Nakajima quer para o seu filho é que ele não repita as mesmas trapalhadas que fez em seu tempo de F1 e repita as mesmas exibições que fez em algumas corridas, como na Austrália em 1989, fazendo com que o nome do Japão seja respeitado no mundo da Fórmula 1.

Parabéns!
Satoru Nakajima

4 comentários:

Arthur Simões disse...

Excelente texto Joao Carlos,gosto muito dessas biografias.Tenho duas perguntas:
1- Sato é realmente o melhor japones na F1 ou Suzuki e Nakajima eram melhores?
2- Se a ligaçao de Nakajima com a Honda era tao estreita por que seu filho foi estrear logo pela Williams , de motores Toyota?


Valeu Joao Carlos

João Carlos Viana disse...

1 - Sato é o melhor piloto japonês na história. Takuma está errando cada vez menos e ainda por cima mantém sua gana de ultrapassar. Nakajima e, porteriormente, Suzuka só foram alçados a heróis no Japão por total falta de opções!

2 - A Honda tinha até bem pouco tempo um programa para jovens pilotos, inclusive com o brasileiro Danilo Dirani, mas esse programa acabou quando a Honda resolveu investir mais pesado na sua equipe de F1. A Toyota tem um programa de jovens pilotos há bastante tempo e é bastante organizado, com pilotos como Ryan Briscoe, hoje na equipe Penske. Basicamente, Satoru deve ter procurado o melhor para o seu filho e logo percebeu que a Toyota era uma alternativa mais viável do que a velha parceira Honda.

Abraços!

Anônimo disse...

primeira vez por aqui. gostei do texto, bem escrito e despretencioso.

no meu entender nakajima foi um heroi, sempre muito respeitoso, as vezes em exesso. nao me esqueço desta corrida na australia, onde satoru fez varias foltas mais rapidas e se aproximava de ninguem menos que patrese. so nao passou porque a pista foi secando e patrese de wilians tornou-se mais rapido naquelas condições.
abraço do emerson, de santos sp

João Carlos Viana disse...

Obrigado, Emerson!
E volte sempre!