sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Um mártir


Uma amiga minha sempre falava que um fato histórico nem sempre era uma coisa boa. Hoje irei falar de um fato histórico bastante triste e terrível da F1. Roger Williamson era a maior esperança da Inglaterra na F1 no início dos anos 70 e seus resultados nas categorias de base serviam para comprovar isso. Ajudado pelo fiel amigo Tom Wheatcroft, Williamson chegou à F1 com toda a pompa de futuro campeão, mas o que marcou sua curtíssima carreira foi a sua trágica morte, o que também elevou David Purley como um dos grandes heróis da F1. Completando 35 anos daquele dia triste para a F1, iremos ver um pouco a carreira deste cometa que passou rapidamente pelo automobilismo.

Roger Williamson nasceu no dia 2 de fevereiro de 1948 em Leicester, na Inglaterra. A velocidade sempre foi algo corriqueiro para o pequeno Roger, pois seu pai, Donald, era um piloto de speedway, uma corrida de moto em pequenos circuitos ovais de terra. Quando tinha apenas oito anos, Williamson fez uma apresentação em um carro de corrida em miniatura no estádio de Leicester, na preliminar de uma corrida do seu pai. Com apenas doze anos ele fez sua estréia no kart e ganhava experiência na pequena pista de Narborough Road South, em Breunstone. Aos 14 anos, Williamson já tinha vencido tudo na categoria júnior de kart e quando passou para as categorias principais, seu domínio continuava, se tornando uma estrela do kartismo britânico. Em seu último no kart, em 1966, Roger venceu quatro títulos ingleses.

Como não era rico, Williamson teve que iniciar sua carreira no automobilismo no turismo, competindo com carros Minis, que eram mais baratos. Com apenas 19 anos, ele participou do Campeonato 850 Saloon e logo de cara, venceu 14 das 18 corridas do campeonato, se tornando campeão logo em sua estréia no automobilismo de competição. No final deste ano, Roger comprou um carro de F3, mas ele teve problemas mecânicos em uma prova e o carro pegou fogo, atrasando seu início nos monopostos. Sem muito dinheiro, Williamson resolveu permanecer mais algum tempo nos carros de turismo, mas desta vez andando com um Ford Anglia. Foi quando seu nome dentro do automobilismo inglês estourou de vez. Triunfando em várias provas, Roger venceu os campeonatos de turismo em 1969 e 1970.

Todo esse sucesso o fez, finalmente, estrear nos monopostos, com um F3 em 1971 e o sucesso foi imediato, com Williamson vencendo o Lombard Championship e sendo vice na Shell series. Ele também participou da Copa Européia de F3, terminando o torneio em quinto. Em sua primeira temporada nos monopostos, Williamson venceu 14 corridas e foi escolhido o piloto jovem inglês do ano. Participando do Grande Prêmio de Mônaco de F3, ainda em 1971 Roger conhece o homem que o ajudaria pelo resto da sua vida: Tom Wheatcroft. Mesmo com tanto sucesso, Williamson permanece mais um ano na F3 e em 1972, venceu os dois campeonatos ingleses de F3. Foram três títulos em dois anos! E Williamson não bateu em bêbado, pois enfrentou pilotos do naipe de James Hunt, Jody Scheckter, Tom Pryce e outras feras. Wheatcroft prepara uma equipe de F2 especialmente para Williamson e o inglês participa das primeiras etapas do Campeonato Europeu de F2 1973, inclusive com uma vitória de ponta a ponta em Monza. O que Williamson não sabia era que esta seria a sua última vitória.

As equipes de F1 já começavam a se impressionar com o talento de Williamson e não demorou para que o jovem inglês fizesse seu primeiro teste em um carro da categoria. Ele foi convidado pela BRM e seus resultados foram tão bons, que a equipe tentou contratá-lo, mas Wheatcroft não gostou da proposta e Williamson recusou a oportunidade de estrear na F1 pela tradicional equipe. Procurando um piloto jovem para comprar uma vaga, a BRM cedeu a vaga para um jovem e desconhecido austríaco que não tinha se destacado nas categorias de base européias: Niki Lauda. Na verdade, Wheatcroft estava planejando fazer uma equipe de F1 em torno de Williamson e na metade da temporada ele comprou um March 731 para o seu pupilo. Mesmo conhecendo com a palma da mão o circuito de Silverstone, Williamson só conseguiu a vigésima segunda posição no grid. Largando lá atrás, Roger estava a mercê de confusões e logo na primeira volta, esta confusão ocorreu. E que confusão! Jody Scheckter estava em terceiro e rodou na última curva, provocando um dos maiores acidentes da história da F1, envolvendo 14 carros, inclusive Williamson, que não voltou para a relargada.

O March ficou bastante danificado, mas foi consertado a tempo para o Grande Prêmio da Holanda, quinze dias depois. Zandvoort tinha ficado um ano sem receber a F1 a fim de melhorar as condições de segurança da pista, que eram precárias. Os organizadores construíram uma nova torre de controle, novas barreiras de pneus e a pista foi inteiramente recapeada. Durante os treinos, Emerson Fittipaldi sofreu o seu pior acidente na F1 ao capotar seu carro e ficar preso nas ferragens do seu Lotus. O brasileiro ainda largou para a corrida, mas abandonou a prova ainda no início, com o tornozelo machucado. Por isso, o clima estava tenso naquele dia 29 de julho de 1973. Ainda se adaptando ao carro, Williamson larga apenas em décimo oitavo, mas para um novato em um carro competitivo, o inglês já começava a chamar atenção dos demais chefes de equipe.

Williamson faz uma largada convencional e era perseguido pelo seu amigo David Purley, que também tinha estreado na F1 no Grande Prêmio da Inglaterra. Mesmo correndo com um March, Purley não era companheiro de equipe de Roger. Na sétima volta, o pneu do carro de Williamson estourou sem aviso, no mesmo local do acidente que tinha matado Piers Courage três anos antes. O carro bateu no muro de contenção e capotou, se arrastando por longos 275 metros. O March capotado atravessou a pista e parou no guard-rail do outro lado, ainda capotado. Williamson ficou prensado no muro e mesmo ileso, estava preso dentro do seu carro. A tragédia começou quando o seu tanque, que estourou enquanto se arrastava, começou a pegar fogo. Ao ver a cena à sua frente, David Purley encostou seu carro e saiu correndo para ajudar o seu amigo.

No início, o fogo era baixo, mas uma série de fatores produziu uma das cenas mais dramáticas da história do automobilismo. Inicialmente os comentaristas da TV holandesa, os fiscais de prova e os outros pilotos pensaram que o carro ali destroçado era de Purley e vendo-o tentando virar o carro, concluíram que o piloto estava bem e estava apenas tentando diminuir o prejuízo da sua pequena equipe. Os “bombeiros” estavam mal equipados e mal treinados e somente um extintor foi usado por Purley para apagar o incêndio. Os comissários, que perceberam que o fogo estava aumentando, pediam para que Purley saísse de perto do carro e que esperasse pelo caminhão dos bombeiros. Os comissários usavam roupas comuns e não podiam encostar no carro por causa do calor, enquanto Purley, sozinho, pouco podia fazer. Graças aos chamados de Purley, alguns torcedores tentaram ir ao local do acidente, mas foram barrados pela organização e por policiais, que chegaram a usar cachorros para afugentar as pessoas. O caminhão de bombeiros só chegou oito minutos depois. Roger Williamson, de apenas 25 anos, morreu de asfixia.

Mesmo com um caminhão de bombeiros na pista e um piloto sem vida sendo resgatado, a corrida continuou sem problemas, apenas com uma bandeira amarela sendo mostrada para os demais pilotos. Denny Hulme disse depois da corrida que não imaginava que Purley estava tentando salvar Williamson e não entendia o desespero do piloto. Niki Lauda disse que ficou furioso por não ter parado o carro para ajudar. Anos depois, surgiu uma versão de que o diretor de prova havia olhado de seu posto para o local do acidente com um binóculo. Ao ver um piloto andando perto do carro em chamas, o diretor teria concluído que tudo estava bem e que os danos eram apenas materiais. Daí a decisão de não paralisar a corrida. Como não poderia deixar de ser, Purley ficou arrasado por não ter salvado o seu amigo, mas o seu gesto fez com que ele fosse condecorado com a George Medal, a condecoração civil mais alta da Inglaterra, por bravura. Após esse ocorrido, Purley ficou mais conhecido pelo seu ato de heroísmo do que pelo que fazia nas pistas. Ele encerrou sua carreira em 1977, após sobreviver milagrosamente a um seríssimo acidente nos treinos para o Grande Prêmio da Inglaterra, quando colocou seu nome no Guiness Book, como o homem a sobreviver a maior força-G já registrada. O funeral de Roger Williamson foi acompanhado por mais de 25.000 pessoas e a F1 em peso participou do rito. Jackie Stewart, que venceu a corrida, ficou tão triste, que muitas pessoas afirmam que foi nesse dia que Jackie decidiu abandonar a F1 no final de 1973.

Por sinal, Stewart e Williamson por pouco não foram companheiros de equipe. Sabendo que havia a possibilidade de Stewart se aposentar, Ken Tyrrell procurava um novo piloto e sondou Roger Williamson e Tom Wheatcroft. Ficou acertado que Williamson participaria dos Grandes Prêmios do Canadá e dos Estados Unidos pela Tyrrell e havia a possibilidade de um contrato para 1974. Porém, Williamson recusou a proposta, pois Wheatcroft já tinha acertado com a McLaren para um terceiro carro para ele em 1974.

A morte de Williamson foi a primeira da chamada "Geração Perdida", onde jovens e promissores pilotos ingleses faleceram ainda no início de suas carreiras na F1. Os outros foram Tony Brise (1975) e Tom Pryce (1977). No trigésimo aniversário da morte de Williamson, Wheatcroft ergueu uma estátua de bronze em tamanho natural para Roger no circuito de Donington Park, cujo dono é o velho chefe de equipe. "Aquele foi o dia mais triste da minha vida", falou Wheatcroft no dia da inauguração da estátua, junto com a irmã de Roger. Aquele foi um dia triste para o automobilismo em geral, pois se já tinha ocorrido várias mortes violentas nas corridas até então, pela primeira vez se viu uma cena tão dramática pela TV. As fotos tiradas pelo holandês Cor Mooij lhe renderam o prêmio World Press Photo para o esporte naquele ano. Da mesma forma que o talento de Roger Williamson nunca será esquecido, o heroísmo de Purley sempre será lembrado. Quando chegou aos boxes, após ajudar no resgate de Williamson, Purley ainda cedeu uma emocionante entrevista aos repórteres. Chorando, ele disse: “Eu não consegui desvirar o carro. Eu pude ver que ele estava vivo e pude ouvir ele gritando 'Pelo amor de Deus, tirem-me daqui!' , mas não consegui desvirar o carro. Eu tentei chamar outras pessoas para me ajudar e se eu conseguisse desvirar o carro, eu poderia tira-lo de lá.”

2 comentários:

Arthur Simões disse...

Caramba!

Sempre achei que essa história de que o Williamson ainda estava conciente e pedindo ajuda nas chamas fosse mito ou um exagero.
Só de imaginar a situação do Purley já é emocionante.

Purley merecia um sucesso maior na F1 por seu ato heróico.

Arthur Simões disse...

Putz.
Consciente.
Foi mal JC.Abraço.