Três anos atrás a F1 foi sacudida com o rumoroso escândalo de espionagem entre a Ferrari (Nigel Stepney) e McLaren (Mike Coughlan), onde os ingleses teriam se beneficiado com informações secretas dos italianos trazidos por Stepney. Porém, mais de quarenta anos atrás, o Mundial de Motovelocidade foi palco de uma história que lembra alguns filmes sobre a Guerra Fria, onde não apenas a espionagem indutrial entrou em cena, como também traição, deserção e uma morte misteriosa.
Em meados da década de 50, a Alemanha Oriental começou a apoiar a pequena equipe MZ para representar o país comunista no Mundial de Motovelocidade, principalmente nas categorias menores, como 125 e 250. O time era bastante modesto, mas contava com um trunfo que mudou a história da motovelocidade de competição. O genial engenheiro Walter Kaaden, que participava do Partido Comunista Alemão-oriental, era o líder do programa estatal em fazer sucesso no Mundial de Motovelocidade e se não tinha dinheiro, o time utilizava a criatividade de Kaaden a ser favor. Numa época em que montadores como MV Augusta, Norton e a recém-chegada Honda preparavam motos com motores de quatro tempos com até uma configuração de motor inédita V8, Kaaden utilizava várias técnicas inovadoras em seus diminutos motores de dois tempos, onde o engenheiro alemão, que participou do projeto das bombas-voadoras V1 e V2 durante a 2º Guerra Mundial, introduzia até mesmo elementos de acústica para melhorar os motores.
Ao lado de Kaaden, estava o dublê de piloto-engenheiro Ernst Degner, que ajustava as motos jusntamente com o chefe da equipe e depois as testava nas pistas. Porém, Degner não era um alemão-oriental feliz. Sua família foi considerada comunista após o final da grande guerra e mandada a força para o lado vermelho da Alemanha.
As motos MZ melhoravam consideravelmente ao longo dos anos e em 1961 Degner disputava palmo a palmo o Mundial das 125cc com o piloto da Honda, o australiano Tom Philips. Com nove de onze etapas disputadas, Degner liderava o campeonato. Aquele título, o primeiro não apenas de Degner, mas também da MZ, seria uma ótima propaganda para o Partido Comunista.
Por outro lado, a Suzuki não repetia o sucesso que a rival Honda já fazia no Mundial de Motovelocidade. Os japoneses corriam apenas nas categorias menores, como 125 e 250cc, com resultados pífios. Na surdina, a Suzuki negociava com Degner, mas o regime socialista não permitia negociações com outras marcas, ainda mais de um país capitalista. Então, veio o dia 17 de Setembro de 1961, data da décima etapa do Mundial das 125cc, o Grande Prêmio da Suécia, em Kristianstad.
Sem muito estardalhaço, nas vésperas da etapa sueca, a esposa e o filho pequeno de Ernst Degner saíram da Alemanha Oriental com a desculpa de visitar o marido, que poderia ser campeão na Escandinávia. Durante a corrida, Degner parou sua moto num setor remoto do circuito, alegando problemas no motor de sua máquina comunista. Empurrando sua moto, Degner estranhamente não foi aos pits. Ele simplesmente entrou num carro, dirigido por japoneses da Suzuki, e partiu em direção a fronteira da Alemanha Ocidental, onde pediu asilo político. Como moto e tudo! Kaaden e todo o staff da MZ ficaram estupefatos. Uma ordem vinda diretamente do Partido Comunista da Alemanha Oriental odernou a volta do time para a base em Sachsenring e a equipe foi desfeita, para grande desilusão do genial Walter Kaaden.
Degner perderia o título quando a Alemanha Oriental, como não poderia deixar de ser, suspendeu a licença do piloto e Ernst não pôde disputar a última corrida do ano, na Argentina, com uma moto particular. Após sua deserção, Degner se mudou com toda a sua família para Hamamatsu, sede da Suzuki, para desenvolver a nova moto japonesa baseada na tecnologia da MZ. Degner era um grande engenheiro e participou de toda a construção da moto alemã e por isso a Suzuki utilizou todas as inovações inventadas por Kaaden, não demorando para que a recompensa viesse para ambos os lados. Na nova categoria 50cc, Degner se sagrou Campeão Mundial pela Suzuki ainda em 1962. Com o tempo, todas as marcas japonesas passaram a utilizar motores dois tempos com muito sucesso e isso guiaria o Mundial de Motovelocidade por quase quarenta anos.
Porém, após o seu título, a carreira de Degner degringolou. Em setembro de 1963 ele sofreria um seríssimo acidente durante os treinos para o Grande Prêmio do Japão em Suzuka, tendo queimaduras em mais de 50% do corpo após a explosão do tanque de combustível de sua Suzuki. Degner abandonaria as corridas em 1964 e em sua homenagem, a curva dupla antes do hairpin em Suzuka ficaria batizada como Curva Degner.
Após sua retirada das pistas, pouco se soube de Degner. Tendo que tomar fortes remédios por causa de suas queimaduras e vivendo com medo de algum tipo de vingança por parte da Alemanha Oriental, o piloto alemão procurou se resguardar até aparecer morto em 10 de setembro de 1983 em Tenerife, onde morava. Oficialmente, Ernt Degner morreu de um ataque cardíaco, mas ao lado do seu corpo foram encontrado vários remédios e houve quem suspeitasse de suícidio. Como também há quem diga que Degner tenha sido morto pela Stasi, temida polícia secreta alemã-oriental, com ajuda da KGB. Teria sido a vingança tramada pelos comunistas pela deserção pirotécnica de Degner vinte anos antes? Nunca saberemos!
Um comentário:
Que história! Rapaz! Eu não tinha nem idéia de que existia.
Gostei mesmo João, parabéns.
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