segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Um dos vértices de uma geração perdida


Há um livro na Inglaterra chamado "A Geração Perdida", contando a história de três pilotos britânicos extremamente talentosos e promissores que, infelizmente, encontraram seus destinos antes mesmo de alcançarem o estrelato. Além do nosso personagem de hoje, Roger Williamson (morto em 1973) e Tom Pryce (1977) tinham tudo para, ao lado de James Hunt, serem as grandes estrelas britânicas na F1 na década de 70 e até mesmo início dos anos 80. A morte destes três pilotos influenciou, inclusive, a seca de títulos dos súditos da rainha até o surgimento de Nigel Mansell na metade da década de 80. Além de Williamson e Pryce, a outra vértice desse triângulo de pilotos talentosos se chamava Tony Brise e sua rápida e impressionante passagem pela F1 deixou marcas profundas para quem o viu correr sempre com carros ruins, mas os colocando em ótimas posições nas corridas. Juntamente com a lenda inglesa Graham Hill, hoje faz 35 anos da morte desta promessa e por isso vamos acompanhar a sua marcante passagem pelo automobilismo.


Anthony Brise nasceu no dia 28 de março de 1952 em Dartford, em Kent e desde cedo respirou automobilismo. Filho de John Brise, um fazendeiro que criava porcos, mas que também era engenheiro e piloto nos anos 50, inclusive correndo de F3 contra Stirling Moss e Bernie Ecclestone. Após ser considerado 'Campeão Mundial' de Stock (num campeonato meramente inglês...), John decidiu abandonar as corridas e se concentrar nos seus filhos, que passaram a correr de kart bastante jovens. Tony, apelido de Anthony, e Tim começaram nas corridas muito novos, fato bastante comum hoje em dia, mas nem tanto na Inglaterra naquela época. Enquanto Tim teve vida curta nos micro-bólidos, Tony fez uma longa carreira no kart, onde iniciou aos 8 anos de idade, contudo teve que enfrentar um problema que lhe atrapalharia bastante ao longe de todo o tempo em que correu: a falta de dinheiro. Sempre mostrando talento, mas sem equipamento à altura, Tony teve que se acostumar desde cedo a andar mais do que seu carro e por isso adquiriu uma grande habilidade atrás do volante, que lhe garantiu o título britânico de kart em 1969, aos 17 anos. Na década de 70 era comum ver pilotos iniciando na F-Ford com 24, 25 e até mesmo 28 anos de idade, por isso foi com muito assombro que todos viram Tony Brise estrear no Campeonato Inglês de F-Ford aos 18 anos, em 1970, ainda enfrentando a falta de financiamento, pois corria com um velho chassi Elden.


O carro era ruim, mas valeu como experiência para a temporada seguinte, quando obteve o competitivo chassi Merlyn e conseguiu o vice-campeonato no final de 1971. Isso chamou a atenção de Bernie Ecclestone, que conheceu seu pai e convidou Tony a um teste com um Brabham de F3 ainda em 1971. Mesmo impressionado com o talento de Brise, novamente o jovem inglês esbarrou na falta de dinheiro e Tony teve que se conformar em estrear na F3 Inglesa em 1972 numa equipe semi-oficial da Brabham. Como aconteceu na F-Ford, Brise teve um ano decepcionante com um carro problemático, mas seu talento o fez chamar a atenção da pequena construtora GRD, que acabara de conquistar os dois títulos de F3 com Roger Williamson. Como o promissor piloto inglês participaria da F1 em 1973, Brise foi contratado pela GRD no ano corrente e não decepcionou. Na época, existiam dois Campeonatos Ingleses de F3, de importância similar, conhecidos pelos patrocinadores que os apoiavam, a John Player e a Lombard. Sem muita cerimônia, Tony Brise venceu os dois campeonatos em 1973 e com apenas 21 anos de idade já olhava para um futuro na F1, mas eis que a falta de dinheiro o atrapalhou novamente. O vice-campeão em ambos os campeonatos fora o inglês Richard Robarts, piloto endinheirado que conseguiu comprar um lugar na equipe Brabham de F1 em 1974, mas como nem sempre o talento pode ser comprado, Robarts acabou demitido por Ecclestone após apenas duas corridas. Enquanto isso, Brise tentava financiamento para conseguir um lugar na equipe oficial da March de F2, mas acabou tendo que se conformar com a F-Atlantic...

A F-Atlantic era um meio-termo entre a F3 e a F2, onde muitas vezes se utilizavam até mesmo chassis de F3 adaptados. Mesmo tendo o conceituado prêmio Grovewood na prateleira de casa, o máximo que Tony Brise conseguiu em 1974 foi correr na F-Atlantic com um chassi March de F3 adaptado. O carro era uma concha de retalhos, mas como sempre correu com equipamentos inferiores, não foi surpresa Brise conseguir boas performances e até mesmo uma vitória. Em 1975 ele foi contratado pela equipe da fábrica Modus, que construía realmente carros de F-Atlantic e nas seis primeiras corridas da temporada, Brise conseguiu seis vitórias. O nome de Tony Brise já era conhecido em toda a Grã-Bretanha como um piloto excepcional e trabalhador, que não desistia nunca. A F1 já o via com carinho e por isso não demorou para que Brise fizesse sua estréia na categoria. Em 1975 Jacques Laffite corria ao mesmo tempo na F1 e na F2, mas enquanto o francês sofria com o péssimo carro da Williams na F1, Laffite lutava pelo título com a equipe Elf na F2 e no dia 27 de abril houve um conflito de datas e o francês preferiu tentar a vitória na F2 ao invés de militar nas últimas posições na F1. Frank Williams, então um endividado pequeno construtor, ligou para Brise para disputar o Grande Prêmio da Espanha de F1, no qual o jovem de 23 anos aceitou no ato. Mesmo sem testes e numa pista totalmente desconhecida, Brise conseguiu um razoável 18º lugar no grid, mas quase a estréia de Tony é cancelada. O circuito de Mointjuich não estava em condições de receber uma corrida de F1 e os pilotos fizeram vários protestos, em especial Emerson Fittipaldi, que deu apenas três voltas lentas nos treinos para não obter tempo para se classificar. Talvez prevendo o que ia acontecer, Emerson estava viajando para sua casa na Suíça quando se deu a largada do Grande Prêmio. Ainda aprendendo sobre o carro, Brise fazia uma corrida cuidadosa, mas vários acidentes e abandonos à sua frente o colocou na 7º posição ainda antes da metade da prova. Atrás dele vinha o não menos talentoso galês Tom Pryce, da Shadow, mas Pryce acabou errando uma freada e acertando a traseira de Brise, fazendo com que o inglês fosse aos boxes. Mesmo três voltas atrasado, Brise voltou à pista, mas a tragédia não tardou a acontecer para quatro comissários de pista e um fotógrafo.

Com Jacques Laffite retornando ao cockpit da Williams, Brise voltava a ficar sem carro na F1, mas ainda tinha seu contrato com a equipe Modus de F-Atlantic. Rolf Stommelen ficou gravemente ferido no acidente em Mointjuich, mas o alemão ficaria de fora algumas corridas e a equipe Embassy Hill necessitava de um piloto para o resto da temporada. O próprio Graham Hill, que ainda não havia anunciado sua aposentadoria, tentou correr em Mônaco, local de suas maiores glórias, mas vendo que o seu tempo realmente havia passado, o veterano piloto não conseguiu tempo para se classificar e procurou outro piloto para sua equipe. Brise tinha o talento e mostrara que não tinha problemas em correr com um F1 ruim e Hill o chamou para algumas corridas. A primeira corrida de Brise pela equipe de Graham Hill foi em Zolder, no Grande Prêmio da Bélgica e o inglês deixou vários queixos caídos quando colocou seu carro em 7º lugar no grid, à frente de várias estrelas da época, como Emerson Fittipaldi, Jody Scheckter e Ronnie Peterson. Infelizmente a corrida de Brise não durou muito quando seu motor explodiu, mas seu nome começava a ser observado com carinho por todos no paddock da F1. Novamente em uma pista que não conhecida, Brise foi a Anderstorp para o Grande Prêmio da Suécia e mesmo não repetindo a atuação na Classificação belga, Toyn descontou na corrida. Usando uma maturidade incomum para sua idade, ele foi ganhando posições com abandonos de pilotos à sua frente, mas também ultrapassando a McLaren de Jochen Mass, Penske de Mark Donohue e o Surtees de John Watson. Todos pilotos respeitados e com carros melhores que o seu. Quando Brise ultrapassou o bicampeão Emerson Fittipaldi e assumiu a 5º posição, todos pensaram que estavam vendo um grande campeão nascer e mesmo ficando sem embreagem nas últimas voltas (Brise ficou com o câmbio cravado na 4º marcha), Tony conseguiu terminar a prova em 6º e marcaria o que seria seu único ponto na F1.

Aos 23 anos Tony Brise mostrava que pertencia ao mundo da F1 e foi imediatamente contratado pela equipe Hill para a temporada de 1976. A equipe ainda alugava seu segundo cockpit a pilotos-pagantes e um deles foi o futuro Campeão Mundial Alan Jones, que foi nitidamente massacrado por Brise em todas as vezes em que enfrentaram. Brise conseguiu dois bons resultados quando foi 7º nos Grandes Prêmios da Holanda e da França, bem próximo de marcar pontos novamente com um carro nitidamente desequilibrado. Isso fez com que Brise abandonasse por acidentes em quatro das últimas cinco corridas do ano. No Grande Prêmio da Inglaterra, Graham Hill deu uma emocionante última volta com seu carro durantes os treinos livres e anunciava sua aposentadoria, da mesma forma em que anunciava também seu sucessor nas pistas: Tony Brise. Com o cancelamento do Grande Prêmio do Canadá e já que estava na América do Norte, Brise foi convidado a 'inaugurar' o circuito de rua de Long Beach com carros de F-5000. Foi uma prova recheada de estrelas americanas, mas o jovem inglês não se intimidou com ninguém e deu um totó na traseira de Al Unser enquanto brigavam pela liderança e depois ultrapassou espetacularmente Mario Andretti. Brise não venceu a corrida, mas marcou a volta mais rápida da prova e impressionou a todos com sua habilidade atrás do volante. Até hoje, o piloto mais combativo da corrida em Long Beach recebe o troféu Tony Brise Memorial. Encerrada a temporada de 1975, a equipe Hill decidiu se concentrar no novo carro para 1976, que tentaria dar a Brise uma temporada ainda melhor. O novo GH2, projetado por Andy Smallman, era bastante promissor e isso ficou comprovado após um ótimo teste em Paul Ricard no dia 29 de novembro de 1975. Satisfeitos com as perspectivas para o ano seguintes, os membros da Hill voltariam para suas casas ainda naquela noite, no Piper-Aztec que pertencia ao dono da equipe. Além de ser uma lenda como piloto de corridas, Graham Hill era também piloto de avião, mas naquele fátidico dia ele superestimou suas habilidades. O dia estava chuvoso e vários aeroportos ingleses estavam fechados naquela noite por falta de visibilidade. Hill queria pousar Elstree, que ficava próximo de sua casa, mas o pequeno aeodrómo estava debaixo de denso nevoeiro. Quando sobrevoavam um campo de golfe em Arkley, o pequeno avião desabou no chão matando todos os seus cinco ocupantes. O coração da equipe Hill, seu chefe, projetista e piloto estavam mortos e o time se desfez imediatamente. Com a tragédia se descobriu que Graham Hill passava por problemas financeiros a ponto do avião não ter seguro e por isso sua esposa, Bette, teve que pagar as imensas indenizações por conta da tragédia. Porém, o automobilismo inglês também pagou sua indenização com a prematura morte de Tony Brise.

Um comentário:

Cezar Fittipaldi disse...

Ótima matéria. Parabéns.
Abraço.