segunda-feira, 4 de abril de 2011

Black Jack


Se existisse um grid para os pilotos injustiçados na história do automobilismo, com certeza Jack Brabham seria o pole-position. O australiano tem três títulos de F1 como Jackie Stewart, Niki Lauda, Nelson Piquet e Ayrton Senna, mas é bem menos badalado do que esses outros quatro gênios da velocidade. Brabham conseguiu duas façanhas que jamais serão igualadas, que foi estar na vanguarda do automobilismo ao ser o primeiro campeão com um motor traseiro na F1, além de ter conquistado o seu terceiro e último título mundial também como construtor. Talvez o jeito introvertido e avesso a mídia fez de Jack Brabham ser bem menos lembrado do que merecia e completando 85 anos nessa semana, vamos conhecer um pouco mais da carreira desta verdadeira lenda do automobilismo.


John Arthur Brabham nasceu no dia 2 de abril de 1926 em Hurstville, nos subúrbios de Sydney, na Austrália. Seu avô foi um imigrante de Londres que foi para a Austrália em 1885 e abriu um pequeno comércio em Adelaide, levando sua família logo depois para Sydney, onde o pequeno Jack nasceu. Seu pai era dono de um supermercado e gostava bastante de carros, a ponto de ensinar seu filho a andar em caminhões com apenas 12 anos de idade, porém Jack não se contentou apenas em dirigi-los, mas também em consertar os carros e caminhões da loja do seu pai, se interessando por mecânica tanto quanto por dirigir. Sem ser um estudante brilhante, Brabham deixou a escola aos 15 anos e passou a trabalhar numa oficina, enquanto aumentava seu conhecimento em engenharia mecânica num curso noturno, na Kogarah Tech. Provando também ter um bom tino comercial, Jack começa a comprar motos antigas, dar uma melhorada nelas e revende-las. Não apenas a sua forma de dirigir, mas seus conhecimentos em mecânica e comércios lhe seriam bastante úteis no futuro. Isso porque no presente de Jack Brabham, havia a Segunda Guerra Mundial e quando completou 18 anos, ele se alistou na Força Aérea Australiana. Jack tentou ser piloto de avião, mas como havia excedente em sua base militar, ele acabou sendo utilizado como mecânico de guerra, chegando a se tornar líder de batalhão. Por sinal, outra grande paixão de Brabham era voar. Ele tirou seu brevê em 1958 e tinha seu próprio avião no qual ele mesmo pilotava, levando posteriormente sua equipe e seus pilotos para as corridas.


Após servir por dois anos ao seu país, Brabham foi liberado em 1946 e abriu uma oficina mecânica no terreno do seu avô. Ainda nesse ano, ele foi convidado por um amigo seu americano, chamado Johnny Schonberg, a assistir uma corrida de midget. Os carros eram pequenas gaiolas com motores potentes, correndo em ovais de terra, ainda hoje bem populares dos Estados Unidos, servindo como base para os piloto que querem alcançar a Nascar. Jack achou aquilo uma loucura num primeiro momento, mas Schonberg lhe convenceu a construir um midget com um motor de motos JAP. Porém, a esposa de Schonberg não gostava dessas corridas, tão populares como perigosas, e convence seu marido a parar de correr. Com o carro em mão, Brabham resolve experimentar a máquina e no início de 1948 começa uma carreira de praticamente 25 anos pelas pistas do mundo todo. Ele estreou em Paramatta Park Speedway e logo em sua primeira temporada ele se torna campeão. Brabham falaria tempos depois que sua experiência nos midgets lhe trouxe muita experiência em circuitos com pouca aderência e melhorou consideravelmente seus reflexos. Após conseguir o tricampeonato consecutivo nos midgets australianos, Brabham sobre um revés quando seu motor (único) explode e ele pensa seriamente em parar de correr, porém ele conhece um jovem engenheiro chamado Ron Tauranac e lhe convence a correr num campeonato de Subida de Montanha a partir de 1951. Seria uma parceria duradoura e vitoriosa. Nesse mesmo ano, ele se casa com Betty, com a qual foi casado por 43 anos. Primeiramente, Jack comprou carros da marca Cooper e ele mesmo os preparava em conjunto com Tauranac. Em 1953, Brabham passou a correr em circuitos fechados e no início de 1954 ele conseguiu um patrocínio de um aditivo de combustível, mas a Confederação Australiana de Automobilismo proibiu Jack a correr com as cores do patrocinador e Brabham se muda para a Nova Zelândia, conseguindo várias vitórias e, principalmente, tendo contato com pilotos internacionais que iam à Oceania correr durante o inverno europeu. Convencido por um dirigente inglês, Brabham se mudou para a Inglaterra em 1955 para iniciar sua carreira internacional, comprando o seu conhecido carro da Cooper para pequenas provas inglesas. Com as várias visitas que fazia a oficina de John Cooper, rapidamente uma amizade foi criada com o construtor inglês e o australiano entrou para o time, estreando na F1 durante o Grande Prêmio da Inglaterra de 1955, abandonando ainda no começo. Naquela época, os carros que dominavam eram os italianos, com seus potentes motores dianteiros, mas a Cooper já utilizava motores traseiros nas categorias menores com muito sucesso e Jack Brabham vê muita potencialidade nisso, a ponto de convencer Cooper a construir um carro de F1 com motor traseiro. O carro era bem menor e menos potentes que os italianos, mas infinitamente mais ágeis. No final de 1955, Brabham levou o carro para a Austrália para o Grande Prêmio local, não-válido pelo campeonato, e venceu a corrida, derrotando na ocasião Stan Jones, pai de Alan. Em 1956 Brabham se concentra em corridas de F2 e consegue muitas vitórias, só participando de uma única corrida de F1, na Inglaterra, com um Maserati 250F privado. Em 1957, Jack participa do Grande Prêmio de Mônaco com um Cooper de motor traseiro e se aproveitando da sinuosidade da prova em Monte Carlo, faz uma grande corrida e no final da prova, correndo em 3º, tem problemas na bomba de combustível. Sem muito a perder, Jack pulou do carro e o empurrou até a bandeirada, terminando a prova em 6º, apenas uma posição fora dos pontos, mas mostrando que era capaz de tudo pela vitória.


Após outra temporada sem muitos resultados em 1958, Cooper finalmente consegue um motor 2.5l da Clímax para 1959 e o novo carro se mostra verdadeiramente à frente dos pesados carros italianos. Stirling Moss, correndo com um Cooper privado, já mostrava isso ao vencer uma corrida de F1 na Argentina. Na primeira corrida da temporada de 1959, Brabham utiliza muito bem seu novo carro e vence sua primeira corrida na F1, curiosamente, marcando também seus primeiros pontos na carreira. Após dois pódios, Jack volta a vencer na Inglaterra, conseguindo abrir uma boa diferença na liderança do campeonato, mas um susto quase põe fim a vida do australiano. Durante o Grande Prêmio de Portugal, Brabham perseguia o líder da corrida Moss quando foi tocado por um retardatário e bateu forte num poste. Jack foi jogado para o meio da pista e milagrosamente não foi atropelado e teve apenas ferimentos leves. Esse acidente e uma quebra na Alemanha proporcionaram um final de campeonato emocionante, com Brabham, Moss e Tony Brooks brigando pelo título na última corrida do ano, em Sebring, Estados Unidos. Brabham trabalhou no acerto do carro até tarde da noite e liderava a corrida tranquilamente, principalmente com a quebra de Moss e o atraso de Brooks ainda na largada. Porém, Brabham resolve colocar apenas o combustível justo para a corrida, mas como o australiano forçou muito no início da prova, o Cooper pára sem combustível faltando poucos metros para o fim. Com Brooks apenas em 4º, Brabham seria campeão de qualquer maneira, mas o australiano não pensa duas vezes e se lembrando de Mônaco três anos antes, começa a empurrar seu carro até a bandeirada, desmaiando logo depois. Jack Brabham era um campeão heróico e ainda viu seu pupilo, Bruce McLaren, conquistar sua primeira vitória na F1. No final de 1959, Brabham convence Tauranac a se mudar para a Inglaterra para iniciarem uma futura equipe de corridas, mas por enquanto Tauranac supervisionaria o novo carro da Cooper e Brabham se torna bicampeão em 1960 com cinco vitórias consecutivas (Holanda, Bélgica, França, Inglaterra e Portugal).


Com o domínio na F1 indo para os construtores ingleses, a Ferrari reagiu e pressionou a FIA a mudar os motores da F1 de 2.5l para 1.5l e isso foi um golpe e tanto para os britânicos. A Ferrari já tinha um motor preparadinho para 1961 e vence o campeonato com enorme facilidade, enquanto Brabham marca poucos pontos e fica apenas em 11º no campeonato. Porém, 1961 não foi totalmente perdido para Brabham. Ele cruzou o Atlântico e disputou as 500 Milhas de Indianápolis com um Cooper especialmente preparado para a corrida americana. Os ianques riram do pequeno carro com motor traseiro, mas na corrida, Jack chega a andar em 3º e com um carro 200 cavalos menos potente, termina a prova em 9º. Os americanos percebem que estão anos-luz atrás dos europeus com seus roadsters de motor dianteiro e essa prova revolucionaria o automobilismo americano, que aos poucos colocaria seu motor atrás do piloto. No início de 1961 Brabham e Tauranac haviam criado a Motor Racing Developments (MRD) e construindo carros para as categorias menores, obtém sucesso imediato, enquanto Brabham resolve sair da Cooper e iniciar uma vida dupla como piloto e chefe de equipe. Primeiramente Jack compra um Lotus e faz as primeiras corridas de 1962 com esse carro, com o Brabham BT3 só aparecendo no Grande Prêmio da Alemanha. Porém, os resultados não são bons, já que a finesse em que era necessário correr com os carros de 1.5l era bem diferente do estilo mais rústico de Brabham. Em 1965 Jack contrata o americano Dan Gurney para ser o primeiro piloto da equipe, enquanto ele faria um papel de piloto de testes de luxo. Gurney acaba dando a primeira vitória da equipe Brabham nesse ano, mas resolve construir uma equipe própria e deixa o time no final do ano, fazendo com que Brabham retornasse como principal piloto da equipe. Esse seria o último ano dos motores de 1.5l, já que em 1966 os motores dobrariam de capacidade para 3l, em mais um capricho da Ferrari. Contudo, Brabham resolve procurar o motor da sua equipe em casa. Ele foi até a empresa australiana de engenharia Repco e os convence a preparar um motor baseado no bloco de alumínio Oldsmobile V8. Brabham pede apenas confiabilidade, já que em potência seria difícil enfrentar a Ferrari. Foi uma tática e tanto. Após um início claudicante de campeonato, Brabham inicia uma espetacular seqüência de quatro vitórias consecutivas e consegue o tricampeonato em provas especiais. Ao vencer na França, Brabham se torna o primeiro e único a ser campeão pilotando o próprio carro, algo que talvez jamais será igualado. Após seis anos sem vitórias, a imprensa implicava com a idade de Brabham (40 anos) e após conseguir a pole em Zandvoort, Brabham colocou sua timidez de lado e chegou ao grid com uma bengala e uma barba branca postiça. Duas horas depois estava comemorando outra vitória. Jack sempre respeitou bastante o circuito de Nürburgring e foi apenas em 1966 que ele conseguiu sua primeira vitória no circuito alemão, considerando essa corrida como a sua melhor na carreira.


Jack Brabham se tornava o primeiro tricampeão mundial de F1 desde Juan Manuel Fangio e sua idade não era empecilho para continuar andando forte, mas sua constante busca pela perfeição lhe atrapalhou na busca pelo tetracampeonato. Ele mesmo testava as novas peças do seu carro e a fragilidade dos novos componentes fez com que ele abandonasse algumas vezes em 1967, entregando o título para o seu companheiro de equipe Denny Hulme, um ex-mecânico da própria equipe. Isso não afetou muito a relação entre Hulme e Brabham e o neozelandês só saiu da equipe no final de 1967 pela sua forte amizade com Bruce McLaren. Jack contratou o jovem Jochen Rindt para 1968, mas o problema da equipe consistia no novo e revolucionário motor Ford-Cosworth DFV, que de uma hora para outra deixou o motor Repco obsoleto. Brabham resolve abandonar seu motor e compra um motor Ford para 1969, mas um acidente num teste lhe quebrou o tornozelo, atrapalhando seriamente sua temporada. Provando o quanto o carro era bom, o segundo piloto Jacky Ickx foi o vice-campeão atrás de Jackie Stewart. Jack passou praticamente incólume a uma das décadas mais sangrentas da história da F1 e ele resolve que sua carreira estava no final. Brabham promete a sua esposa que se aposentaria no final de 1970, mas pensando num gran finale, Jack inicia sua última temporada com uma vitória na África do Sul. Em Mônaco, Brabham liderava com facilidade, mas seu antigo subordinado Rindt vinha tirando diferença no final da corrida. Na última volta, Rindt estava colado na traseira de Brabham, mas com a experiência do australiano, ninguém esperava por um erro do tricampeão. Então, na última curva, Jack perde o ponto de freada no momento em que colocava uma volta em Piers Courage e permite a vitória de Rindt. Em Brands Hatch, Brabham liderava também com tranqüilidade, mas uma pane seca faz com que o velho Brabham repetisse as cenas vistas em 1957 e 1959 e o australiano empurra seu carro rumo a bandeirada, perdendo a vitória mais uma vez para Rindt. O detalhe foi que o mecânico que errou o cálculo de combustível se chamava Ron Dennis... Até a metade da temporada, Brabham brigava com Rindt pelo título, mas após essa decepção na Inglaterra, Jack perde o fôlego e não pontua mais, se aposentando na última corrida do ano, no México. Foi uma carreira longa e vitoriosa, com 123 corridas (recorde até então), 14 vitórias, 13 poles, 12 melhores voltas, 31 pódios, 261 pontos e três títulos mundiais (1959, 1960, 1966).


Após sua aposentadoria nas corridas, Brabham se mudou para a Austrália e vendeu sua parte da equipe para Tauranac, que logo depois o vendeu para Bernie Ecclestone, que levou o nome Brabham novamente ao título em 1981 e 1983 com Nelson Piquet. O time chegou a parar em 1988, retornando no ano seguinte, mas a escuderia não tinha o mesmo brilho de antes e fechou definitivamente em 1992. Jack Brabham abriu uma série de empresas na Austrália e na Inglaterra, mas no final ele nunca abandonou os carros de corridas, sempre aparecendo em corridas de carros antigos. Em 1999, ele chegou a sofrer um acidente forte numa apresentação em Goodwood e isso significou também o início do fim de suas aparições. A idade avançada fez com que tivesse problemas de visão, aumentasse os problemas de audição, prejudicada por Jack não usar protetores auriculares para ouvir melhor o motor durante as corridas, e um problema renal o fez ter três hemodiálises por semana. Porém, Jack fez uma emocionante aparição no Bahrein no início de 2010 para a festa dos 60 anos da F1. Como o mais velho piloto campeão ainda vivo, Brabham foi o foco de várias pessoas, inclusive de pilotos mais novos. Apesar de ter voltado para a Austrália nos anos 70 na esperança de evitar isso, Betty viu seus três filhos (Geoff, Gary e David) se tornarem pilotos, com o apoio de Jack, mas sem o sucesso do pai. No entanto, a terceira geração da família Brabham já está nas pistas, com o filho de Geoff, Mateus, correndo na F-Ford Australiana. Jack Brabham foi um homem tímido e reservado em seus tempos de pilotos, mas a experiência nas pistas de terra o fez ser um piloto agressivo, sem a mesma finesse de um Jim Clark ou Jackie Stewart, pilotos contemporâneos do australiano, mas bem mais populares. Com um ar misterioso e poucas palavras, além de cabelo preto apesar da idade, ficou conhecido pelo seu principal apelido: Black Jack. Talvez preocupado demais em acertar seu carro, Jack não se preocupou em aparecer na mídia, mas seus feitos estão definitivamente na história do automobilismo.


Parabéns!

Jack Brabham

Um comentário:

Unknown disse...

Putz!

Valeu uma viagem incrível ler este post!