domingo, 29 de março de 2009

Como um conto de fadas


Era uma vez uma equipe que tinha carro e estrutura, mas não tinha dono, piloto e dinheiro. Faltando três semanas para se iniciar o campeonato, apareceram dono e dois pilotos, mas faltava o dinheiro, que viria mais tarde. Foram sete dias de testes e a mostra de que tinha capacidade de não apenas largar em Melbourne, como também tinha condições de brigar pela vitória. E no final do primeiro domingo de competições na F1, a Brawn terminou seu conto de fadas com uma dobradinha inesquecível na Austrália, ajudada pelos deuses pelo acidente estúpido entre Kubica e Vettel no final, e rendeu uma história que será contada em livros no futuro, mostrando que talento e determinação são capazes de operar milagres, mesmo num dos esportes mais científicos do mundo.

A corrida de hoje mostrou uma F1 totalmente diferente não apenas pelos vencedores, mas também pela forma como as novas regras influenciaram nas ultrapassagens ou em suas tentativas. A última curva de Albert Park, que é de média velocidade, proporcionou carros bem mais próximos com relação aos outros anos, algo que não acontecia com a configuração antiga, e o Kers realmente dá um grande impulso nos carros, ajudando tanto nas ultrapassagens, como na defesa delas. Ainda não tinha falado sobre o novo aparato, mas acho válido essa tentativa de ajudar os pilotos a ultrapassar, como na Era Turbo, mas devido a onda de economia que impera na F1, talvez o Kers pudesse esperar mais um ano de pesquisa para que todos tivessem direito a usá-lo. Outro fator que chamou atenção foram os pneus. Se em 2008 a diferença entre os pneus duros e macios praticamente não existiam, hoje deu para ver uma diferença grande e quase definiu a corrida, mas Button foi soberano. O inglês liderou a prova de ponta a ponta e se o ritmo do seu carro não foi tão avassalador como o esperado, Jenson não foi seriamente ameaçado em nenhum momento, talvez resguardando seu carro na metade da prova, com receio do pouco teste que fez com o bólido. O inglês, ofuscado por Hamilton desde que o compatriota estreou na F1, época em que começou a sofrer com um péssimo carro na Honda, lidera o campeonato da F1 pela primeira vez na carreira e mostra que todo o talento que dele se esperava desde que estreou no ano 2000 ainda estava lá. Porém, não restam dúvidas que o trabalho de Button foi facilitado pela desastrosa largada de Barrichello, o que acabou resultando num acidente na primeira curva. Rubens teve que lidar com uma asa dianteira quebrada por um toque com Webber, mas ainda foi capaz de ultrapassar Raikkonen e andar forte atrás de Nakajima. O brasileiro não fez uma corrida brilhante, mas sempre andou forte e acabou presenteado com sorte quando o segundo lugar caiu no seu colo nas voltas finais. Rubens estava muito feliz, mas permanece com o esquisito estigma de sempre ver o companheiro de equipe dar a primeira vitória a sua equipe...

A Red Bull mostrou uma força que eu não esperava e Sebastian Vettel foi um dos grandes nomes da prova. Único a acompanhar, mesmo que a média distância, Button, o alemão fez uma corrida sólida e seu segundo lugar era tão intocável quanto o primeiro do inglês da Brawn, mas aí faltou um pouquinho de noção tática do jovem piloto. Seus pneus macios estavam o deixando para trás, enquanto Kubica se aproximava rapidamente nas últimas voltas. O polaco foi precipitado, mas Vettel também o foi e o acidente acabou maculando a belíssima prova do alemão, que acabou punido para a corrida da próxima semana na Malásia. No entanto Vettel deu uma mostra de que poderá ser um fator importante durante a temporada, enquanto Webber continua sua pouca sorte em casa e corre o risco de sofrer o que sempre impôs aos seus companheiros de equipe: uma lavada. O australiano foi um dos envolvidos no múltiplo acidente na primeira curva e perdeu muito tempo nos boxes, mas em nenhum momento Webber foi capaz de mostrar um ritmo minimamente comparável a Vettel. Kubica era outro que fazia uma ótima corrida e, no ritmo que vinha nas voltas finais, tinha chance de até mesmo incomodar Button no final, mas o polonês se afobou na tentativa de ultrapassagem sobre Vettel e acabou no muro algumas curvas depois. Foi uma pena, mas a BMW demonstrou que tem uma equipe capaz de bolar uma estratégia vencedora e também que o Kers, numa comparação com um carro standard, ainda precisa ser mais desenvolvido, vide o que fez (ou não fez...) Nick Heidfeld, apesar de que o alemão também foi envolvido no acidente na primeira curva e não dá para medir o quão o carro alemão foi danificado nos toques, para que Heidfeld não fosse capaz de ficar à frente dos dois carros da Toro Rosso e de um Force India.

A Toyota mostrou sua força em Melbourne, mas os comissários também se mostraram implácaveis ante os japoneses. Após terem sido desclassificados ontem e terem largado dos boxes, Trulli e Glock puderam escapar sem problemas da carambola da primeira curva e partiram para uma corrida forte de recuperação, com o italiano sempre à frente. Com muito combustível e um carro forte, Trulli foi ganhando posição no início da prova através de ultrapassagens e depois pela estratégia, subindo para o quinto posto. Porém, assim como Kubica, Trulli não teve paciência para ultrapassar Lewis Hamilton após uma saída de pista e acabou sendo punido ao ultrapassar o alemão sobre bandeira amarela e acabou perdendo seu merecido pódio, mas mostrou que a Toyota terá que ser observada durante a temporada, que teve Glock em quarto, com o alemão brigando a corrida inteira com Alonso, acabando a batalha quando saiu à frente do espanhol na parada final de ambos. A Renault mostrou que iniciou 2009 do mesmo jeito que 2008. A única diferença foi Nelsinho Piquet, que fez uma largada espetacular e ocupou a zona de pontuação na maior parte em que esteve na prova, até perder o controle na primeira freada após a relargada, enquanto brigava com Rosberg. Piquet-filho mostrou um bom ritmo em corrida, mas precisa melhorar urgentemente o que pode fazer na Classificação.

A Williams teve um desempenho certamente decepcionante pelo o que vinha mostrando até o momento. Rosberg, seu principal piloto, fez a volta mais rápida da corrida e ultrapassou com categoria Raikkonen, mas uma primeira parada desastrosa fez com que o alemão caísse para as posições intermediárias. Com um bom carro nas mãos, o alemão foi melhorando de posição e saiu da sua última parada em quarto, mas a Williams, que já o tinha atrapalhado nos boxes, o atrapalhou na estratégia ao colocar os pneus macios cedo demais, fazendo com que Nico perdesse rendimento de forma aguda no final da corrida, sendo ultrapassado por todos. Se não fosse o Safety-car nas últimas voltas, perderia ainda mais posições. Nakajima tinha feito uma largada espetacular, se aproveitando do melê da primeira curva e estava em quarto quando foi protagonista da primeira entrada do Safety-car na temporada quando errou e bateu com força. O japonês é rápido, mas muito inconstante. Como o pai. A Ferrari foi a grande desilusão deste domingo. Após uma agressiva largada de seus pilotos, ficou a impressão que Massa e Raikkonen tinham chances de vitória, mas quando os pneus macios se desgastaram, ficou claro que a corrida seria difícil. E realmente foi. Massa ainda foi ajudado pelo primeiro Safety-Car, mas uma parada antecipada foi o começo do fim, acabando por abandonar algumas voltas depois. Kimi, ainda em seu longo e profundo sono, foi discreto do começo (fora a largada) ao fim, rodando na metade final da prova e abandonando no final. Enquanto Massa continua com seu azar na Austrália, Ferrari mostra que tem muito a melhorar nesse ano.

Quando viram o que tinham feito a McLaren no sábado, todos ficaram com a sensação de que o final de semana estava perdido e Hamilton, que largaria na penúltima fila, estava desmotivado e que faria uma corrida democrática. Mas nunca duvidem de Lewis. O atual Campeão do Mundo superou a ruindade do carro e fez uma prova agressiva no início, recheada de ultrapassagens, algumas por fora, e andando além das capacidades do carro, chegou num excepcional terceiro lugar. Foi uma demonstração de que Hamilton pode surpreender e que o título lhe fez bem, pois o inglês demonstrou muito mais calma nesse sua corrida de recuperação com um carro aquém das capacidades de um fenômeno como Hamilton. Kovalainen se tornou o primeiro abandono da temporada e pouco pôde mostrar hoje. Se a Red Bull ficou decepcionada com o abandono de Vettel no final, ao menos viu sua segunda equipe pontuar com seus dois pilotos. Buemi foi a grande revelação do dia, com o novato andando constantemente no pelotão da frente, brigou de igual para igual com Massa e teve a paciência de levar seu carro incólume ao sétimo posto, logo à frente de Bourdais, que usou sua experiência para chegar colado em seu jovem companheiro, apesar de ter andado atrás o tempo todo. A Force India evoluiu bastante em comparação ao ano passado e Sutil chegou numa ótima décima posição, próximo dos pontos. Fisichella conseguiu segurar com categoria as Toyotas no início da prova, mas um erro bisonho na sua primeira parada destruiu o sonho de conquistar os primeiros pontos para a equipe de Vijay Mallya. Pela primeira vez se viu a equipe hindu andando com demais carros, apesar de Sutil ter se envolvido também na confusão da primeira curva.

E esse foi o primeiro capítulo de uma temporada que parece ser mesmo significativa para todos na F1. Ano passado tivemos uma corrida muito animada em Melbourne, para logo em seguida Sepang termos uma corrida efadonha e totalmente diferente. A Ferrari costuma andar bem no calor malaio, mas o F60 não parece ser o modelo dos sonhos de seu pilotos e Massa começa a sua luta para conquistar seu primeiro mundial zerado. Hamilton ainda mais do que o carro e foi recompensado com um pódio acalentador. BMW, Red Bull e Toyota mostraram uma força anormal, enquanto a Williams precisa se acertar fora das pistas para que Rosberg possa mostrar seu talento num carro muito bom. Agora veremos, num circuito totalmente diferente, como se comportará a Brawn, mas a pequena equipe já entrou para a história da F1. A comovente história de uma equipe que estava com mais de 700 demitidos há três meses, acabou numa inesquecível dobradinha hoje. Como um conto de fadas.

Um comentário:

Ron Groo disse...

É... como um conto de fadas. E quase o Ruimbinho fica como lobo mal...