domingo, 22 de março de 2009

Velocidade com estilo


Quando nós fazemos algo com amor, tudo sai bem feito e, consequentemente, nos destacamos. Peter Revson não precisava correr para se sustentar. Ele podia ter levado uma vida tranquila atrás de uma mesa de escritório, comandando seu império dos cosméticos, a Revlon. Mas não. Ele trocou de nome para ninguém percebesse, a primeira vista, de quem se tratava e se tornou um dos pilotos mais respeitados do mundo, seja correndo em Sport-Cars, seja na Fórmula Indy, seja, principalmente, na Fórmula 1. Peter Revson foi um dos grandes pilotos do início dos anos 70, mas no auge de sua carreira, encontrou seu destino num simples teste de pneus. Completando 35 anos desta tragédia, iremos conhecer um pouco mais a fascinante carreira de Peter Revson.

Peter Jeffrey Revlon nasceu no dia 27 de fevereiro de 1939 na cidade de Nova Iorque. A história do império Revlon começou no início do século, quando Samuel Morris Revlon, um judeu que morava na Rússia, fugiu de sua pátria por causa da perseguição czarista e tentou uma nova vida na América. Em 1932 ele criou a Revlon, empresa de cosméticos, e todos os seus três filhos (Joseph, Charles e Martin) se envolveram no negócio da família, que logo se tornou um sucesso. Martin se casou com uma cantora de boate chamada Phelps Julie Hall em 1938 e o primeiro filhos deles, Peter, nasceria no ano seguinte. Peter Revlon nasceu em berço de ouro, estudando nas melhores escolas de Nova Iorque e em 1958 foi para a faculdade, a Cornell University e foi lá que ele conheceu o seu futuro parceiro nas corridas: Timmy Mayer. No mesmo ano, Martin deixou os negócios da família e foi Peter que assumiu o lugar do pai, na época gerente de vendas. Após se formar em 1961, ele começou a correr no Havaí, com um Morgan e logo em sua estréia, ele conseguiu um segundo lugar e venceu a corrida seguinte. Participando pela primeira vez de uma grande corrida, a Vanderbilt Cup, Revlon conseguiu um sétimo lugar.

Para não ficar com o estereótipo de piloto "playboy" e não ser reconhecido pelo nome da família, Peter trocou uma letra no sobrenome, passando a ser conhecido como Revson. Em 1961 ele participou de várias corridas na Costa Leste, ainda com um Morgan, e terminou o campeonato em quarto lugar. Aos poucos, Peter percebeu que seu verdadeiro negócio não era comandar o império familiar do qual era único herdeiro (essa herança vale, hoje em dia, algo em torno de um bilhão de dólares), mas, sim, sua verdadeira paixão, as corridas. Juntamente com Timmy Mayer, Revson formou uma equipe de Fórmula Junior chamada Rev-In, comandada pelo irmão de Timmy, Teddy Mayer, e foram se aventurar na Europa em 1963. Peter e Timmy participaram da temporada de Fórmula Junior com um Cooper-Ford e não demorou para que os dois começassem a se destacar. Peter venceu uma corrida em Copenhage e foi pole em Enna-Pergusa. Ao contrário do que estava acostumado, Revson teve que dormir no caminhão da equipe e se acostumar com uma vida de nômade, sem grandes recursos a disposição. Porém, isso teve sua recompensa.

No final de 1963, Revson foi convidado por Reg Parnell a participar de uma corrida extra-campeonato, a Gold Cup em Oulton Park, com um Lotus-BRM. Peter faz uma boa prova e é contratado por Parnell para a temporada seguinte, mas no início de 1964 ele sofre um grande baque quando Timmy Mayer morre numa corrida da Tasman Series. Protegido por Bruce McLaren, Timmy foi mais uma grande promessa que se foi, mas Revson nunca pensou em deixar as corridas. Com isso, a equipe Rev-In foi desfeita e Teddy Mayer foi trabalhar com Bruce no projeto de uma nova equipe do neo-zelandês. Revson sofreu em sua primeira temporada de F1, pois o Lotus 24 era antiquado com relação as grandes equipes e o americano viu a bandeirada apenas na última corrida da temporada, em Monza, quando foi apenas décimo terceiro colocado. Peter decide ficar um tempo fora da F1, mas permanece na Europa disputando corridas de F2 e F3 para ganhar experiência. Ele correu na equipe oficial da Lotus, a Ron Harris, em ambas as categorias e seu melhor resultado foi uma vitória na prestigiosa corrida de Mônaco de F3. No final de 1965, Revson voltou aos Estados Unidos para participar de corridas em Sport-Cars e vence duas provas em Seattle e Las Vegas e então Peter resolve ficar na sua terra natal.

A partir de 1966, Revson passa a se dedicar aos Sport-Cars, Trans-Am e a recém-criada Can-Am. A categoria praticamente não tinha regras e marcou toda uma geração com seus grandes e potentes carros, inclusive com equipes e pilotos de F1. Foi nessa época que Revson se firmou com um grande piloto e se tornou conhecido em toda a América, apesar de uma nova tragédia se abater sobre ele. Seu irmão mais novo, Doug, segue a trilha do irmão mais velho e tenta se tornar um piloto profissional. Com a ajuda de Teddy Mayer, Doug Revson vai a Europa para disputar o Campeonato de F3, mas o jovem acaba falecendo em 1967 num acidente no autódromo Djursland Ring, na Dinamarca. Peter não pensa em desistir da carreira e logo após o velório do seu irmão, Revson vence uma corrida de Sport-Cars em New Hampshire. Em 1968, Peter Revson passa a fazer parte da equipe Javelin e estréia nas 12 Horas de Sebring, onde termina quinto na sua categoria. No ano seguinte, Revson volta a sentar num monoposto após quatro anos sem qualquer experiência nesse tipo de veículo. Correndo na glamourosa 500 Milhas de Indianápolis, Revson surpreende ao conseguir um excelente quinto lugar após ter largado em último num pouco potente Brabham-Repco. Em 1970, ele se junta a equipe McLaren e faz sua segunda prova em Indianapólis, mas abandona a prova com o motor quebrado, no entanto, essa pareceria lhe daria dividendos mais tarde. Ainda nesse ano, Revson consegue sua primeira grande vitória ao vencer as 12 Horas de Sebring com um Porsche 908 ao lado do famoso ator americano Steve McQueen. Contudo, o melhor ainda estava por vir...

Na Indy, Revson consegue a pole para as 500 Milhas de Indianápolis de 1971 com seu McLaren-Offenhauser (ele ficou com o recorde da pista até 1982!) e terminou em segundo lugar. Após um ano correndo pela equipe de Carl Haas na Can-Am, Peter se juntou a equipe McLaren também na categoria de Sport-Cars e se tornou o primeiro americano a vencer o campeonato com cinco vitórias (Road Atlanta, Watkins Glen, Elkhart Lake, Brainerd e Laguna Seca) nas dez corridas do calendário. No final do ano, Revson faz sua volta à F1 ao ser convidado pela equipe Tyrrell a participar do Grande Prêmio dos Estados Unidos de 1971 em Watkins Glen, mas o americano abandona a prova com a embreagem quebrada. Nessa época, Revson era muito ligado a parte americana da McLaren, disputando a F-Indy e a Can-Am e Teddy Mayer pensava em trazer Peter para a F1. Antes da morte de Bruce McLaren, a equipe era dividida em duas. Uma base nos Estados Unidos, no qual Revson fazia parte e era comandada por Mayer, e outra na Europa, para as corridas de F1 e F2 e comandada por McLaren. Quando o neo-zelandês morreu num teste com seu novo carro da Can-Am em Goodwood, na metade de 1970, Mayer passou a comandar também a parte européia da equipe e o americano pensou que Peter Revson seria um bom companheiro de equipe para Denny Hulme, já que os dois eram grandes amigos e Revson estava numa ótima fase. E foi assim que Revson voltou à F1 após oito anos.

Em 1972, a McLaren era considerada a quarta força do Mundial, ficando atrás de Lotus, Tyrrell e Ferrari. No entanto, a F1 daqueles anos românticos era muito equilibrada e não era incomum pilotos menos cotados vencerem corridas. A McLaren utilizava o bom modelo M19 e o potencial do carro ficou comprovado com a vitória de Hulme no Grande Prêmio da África do Sul. Mesmo não tendo tido sucesso em sua primeira passagem pela categoria, Revson mostrou logo em sua reestréia que ele era um piloto maduro e muito mais rápido do que o inexperiente americano de 1964. No Grande Prêmio da Argentina, Peter superou Hulme no grid e largou em terceiro, mas quebrou o motor. Na corrida seguinte, que deu a vitória a Hulme em Kyalami, Revson marcou seus primeiros pontos na categoria com um terceiro lugar, chegando muito próximo de Emerson Fittipaldi. Extremamente regular, Revson fez uma excelente temporada, marcada por muitos pódios e uma pole-position em Mosport Park, no Canadá, onde terminou num bom segundo lugar. No final do ano, Peter conseguiu um ótimo quinto lugar no Mundial, ficando logo atrás de Hulme. Enquanto fazia sucesso na F1, Revson participava de várias corridas no Estados Unidos. Em Indianápolis, Peter largou na primeira fila, mas um câmbio quebrado pôs tudo a perder, enquanto saía da equipe McLaren da Can-Am e se juntou a equipe Penske-Porsche, para ser parceiro de Mark Donohue.

Se o ano de reestréia na F1 foi bom, a sua terceira temporada seria ainda melhor. No início do ano, a McLaren ainda usava o modelo M19, mas desenvolvia o M23. O carro era tão bom, que Hulme disse vários palavrões para elogiar o novo bólido! Enquanto o novo carro não vinha, Revson conseguia um bom segundo lugar na África do Sul e sua regularidade seria recompensada no Grande Prêmio da Inglaterra. Já contando com o novo M23, Revson ganharia um novo companheiro de equipe em Silverstone: o jovem e atrevido Jody Scheckter ficaria com o terceiro carro da McLaren. O sul-africano mostrou toda o seu talento ao superar o veterano Denny Hulme no grid, enquanto Revson largaria na primeira fila em terceiro (na época, as filas eram na ordem 3-2-3). Como largava à frente de Scheckter, Revson não viu a presepada do novato, que iniciou um dos maiores acidentes da história da F1, envolvendo nada menos do que quinze carros! Quando foi dada a relargada, Peter não larga bem e fica em sexto. Stewart, que liderava antes da interrupção da corrida, foi o primeiro a abandonar, mas Revson não se aproveitou de abandonos para evoluir na corrida. A primeira vítima foi seu amigo Hulme, e quando Lauda começou a perder rendimento, Revson estava em terceiro, logo atrás da dupla da Lotus, Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi. O brasileiro teve problemas em seu Lotus e Peter atacou Peterson logo depois, ultrapassando-o poucas voltas mais tarde. No entanto, Revson não teve sossego em momento algum, tendo que suportar a pressão de Ronnie, Hulme e de James Hunt. Demonstrando muita categoria, Revson recebeu a bandeirada com apenas 3.4s de vantagem para o quarto colocado Hunt, e pôde comemorar sua primeira vitória na F1.

Após um pódio em Monza, Revson partiu confiante para o Grande Prêmio do Canadá, onde tinha conquistado uma pole no ano anterior. No entanto, a pista estava molhada na largada e essa seria uma das corridas mais caóticas da história da F1. Peter largava na primeira fila, mas tem problemas na primeira volta e caí para a última posição. Porém, a pista secava a olhos vistos e como a maioria dos pilotos tinham largado com pneus de chuva, a troca se fez necessária e os boxes estavam lotados, numa época em que o pit-stop era feito uma ou duas vezes por ano. Então, Jody Scheckter e François Cevert batem e a pista fica bloqueada. A F1 havia testado o safety-car, invenção dos americanos, e achou apropriado estrear a novidade na ocasião. Foi o caos. O carro de intervenção ficou à frente do Iso Williams de Howden Ganley, que na verdade estava uma volta atrás. Ninguém sabia quem era o líder de verdade, apesar de que tudo levava a crer ser Emerson Fittipaldi. No entanto, os três primeiros colocados da corrida fechavam a fila indiana e eram Jean-Pierre Beltoise, Jackie Oliver e Peter Revson. Emerson era apenas o quarto, mas liderava o pelotão quando a pista foi liberada. Revson deixou Beltoise e Oliver para trás, enquanto Emerson fazia de tudo para alcançar os líderes, mas o brasileiro estava praticamente uma volta atrás. Numa de suas melhores exibições na F1, Fittipaldi alcançou e ultrapassou Beltoise e Oliver nas voltas finais e recebeu a bandeirada como se fosse o vencedor da prova. No entanto, todos se esqueceram que o piloto da Lotus não tinha alcançado Peter Revson, que estava mais de 30s à frente do brasileiro. Houve uma confusão geral e Revson só foi declarado o vencedor muitas horas depois. Porém, até hoje Emerson jura que venceu aquela prova e esse resultado é discutido até estes dias!

Polêmicas à parte, ninguém podia desmerecer a grande temporada que Revson havia feito. O americano terminou o campeonato na mesma quinta posição, mesmo tendo conquistado duas vitórias e quinze pontos a mais. Peter era considerado um dos grandes pilotos da época, mas nem tudo eram flores para o americano dentro da equipe McLaren. Apesar de se conhecerem a quase quinze anos, Revson e Mayer não se davam muito bem e o chefe da equipe McLaren negociava abertamente com Emerson Fittipaldi para 1974. Com a ajuda da Marlboro (que patrocinaria a McLaren nos 23 anos seguintes), o brasileiro foi para a McLaren para o lugar de Revson, que teve que procurar uma equipe. Com ótimos resultados nas mãos, Peter conseguiu um bom negócio com a nova equipe Shadow para a temporada 1974. O novo DN3 se mostrou muito competitivo e Revson largou em quarto lugar na Argentina e em sexto no Brasil, mas não completou nenhuma das duas provas sul-americanas. Após conseguir um sexto lugar na Corrida dos Campeões em Brands Hatch, Revson se juntou a Shadow em Kyalami para uma sessão de testes de pneus patrocinada pela Goodyear. Quando estava tangenciando a rápido e perigosa curva Barbecue Band, a suspensão traseira do Shadow quebrou e Revson foi direto para o guard-rail. Graham Hill e Emerson Fittipaldi foram os primeiros a chegar a cena do acidente, mas Peter havia morrido na hora. Ele tinha 35 anos e um cartel impressionante de 30 corridas, duas vitórias, uma pole, oito pódios e 61 pontos marcados.

Rico, bonito e bon-vivant, Peter Revson foi um piloto extremamente popular dentro do paddock da F1 e sua morte foi um choque para todos. Fora das pistas ele conduziu sua vida de forma tão acelerada como acelerava nas pistas. Ele navegava e namorou várias mulheres bonitas, inclusive a Miss Mundo de 1973, Marjorie Wallace. Ele foi enterrado em Nova Iorque ao lado do seu irmão Doug e trinta e cinco anos depois de sua morte, ele continua sendo o último americano a vencer um Grande Prêmio, já que Mario Andretti nasceu na Itália e é naturalizado. Em 1996 ele foi indicado no Motorsports Hall of Fame e até hoje ele não foi esquecido pela sua vontade de se tornar um grande piloto, onde passou de um rico amador a um respeitado membro dos pilotos de ponta do automobilismo mundial.

2 comentários:

Arthur Simões disse...

Belo post.
Dessa eu não sabia.
O cara era bilionario.

Ron Groo disse...

Pqp. Produtos Revlon?
Graaaaaaande Revson.
Só você para fazer um post com tudo isto sobre um pilto tão pouco conhecido.