Quando se fala nos grandes pilotos do Mundial de Motovelocidade na história, nunca deveremos nos esquecer, apesar de alguns o fazer, deste australiano que dominou a cena do Mundial das 500cc no final da década de 90. Michael Doohan venceu cinco títulos mundiais de forma consecutiva, mas seus críticos dizem que seus triunfos se deram contra pilotos que não estavam no seu nível e uma prova disso foi que o australiano nunca derrotou as lendas Wayne Rainey e Kevin Schwantz, só empilhando seus títulos após a aposentadoria dos dois pilotos americanos. Porém, Doohan lutou para chegar ao estrelato do Mundial de Motovelocidade, desenvolvendo muito bem sua moto Honda NSR500 ao longos dos anos e superando seríssimos acidentes até entrar para a história da Motovelocidade. Completando 45 anos no dia de hoje, vamos conhecer um pouco mais da carreira deste australiano que marcou época no esporte.
Michael Sydney Doohan nasceu no dia 4 de junho de 1965, em Brisbane, na Austrália, caçula de três irmãos de uma família que respirava motociclismo. Na esteira dos seus irmãos mais velhos, Michael começou a correr de moto com apenas oito anos de idade e dois anos depois já estava disputando campeonatos nacionais de motocross, onde se sagrou vice-campeão do estado de Queensland para pilotos de 10 a 12 anos. Porém, a motivação de Mick, como já era chamado pelos amigos, pelas corridas diminuiu bastante quando seu pai faleceu em 1977 e Doohan praticamente parou de correr de motos, pois o patriarca da família era o maior incentivador dos irmãos a estarem na pista de off-road. Tudo começou a mudar quando a família Doohan se mudou para Gold Coast em 1981 e, incentivado pelos irmãos, Michael voltou a correr de moto, mas desta vez no asfalto. Quando completou 19 anos, Doohan participou de sua primeira corrida profissional na vida com uma Yamaha 350 na pequena pista de Surfers Paradise Raceway (não confundir com a famosa pista de rua de Surfers Paradise) e já mostrando um enorme potencial, Doohan terminou essa prova em segundo lugar. Era o começo de uma carreira meteórica.
Rapidamente Michael Doohan fez seu nome nas pistas australianas, sempre a bordo de uma Yamaha em 1985 foi Campeão Australiano da categoria 250cc. A representante da Yamaha na Austrália fica interessada em Doohan e o contrata para ser seu piloto no Campeonato Australiano de Superbike em 1987 e após um quinto lugar em seu primeiro ano, Doohan conquistou o título em 1988 e fez sua primeira corrida internacional. Se aproveitando da proximidade com o Japão, Michael Doohan reolveu participar da etapa nipônica do Campeonato Mundial de Superbike em Sugo, pela Yamaha. Contra os melhores pilotos do mundo em motos de produção, Doohan provou seu talento ao conseguir uma vitória e um terceiro lugar numa pista em que não conhecia. Para provar que estava mesmo no nível dos grandes pilotos da época, Doohan completou a dobradinha em casa, em Oran Park, na etapa da Austrália do Mundial e seu nome passou a ser cogitado nas grandes equipes do Mundial de Motovelocidade 500cc. Na época, era bem comum as equipes contratarem pilotos de campeonato nacionais de Superbike e as maiores estrelas da época, os americanos Eddie Lawson, Wayne Rainey e Kevin Schwantz, eram o melhor exemplo disso. Logicamente a Yamaha foi a primeira a se interessar em Doohan, assim como a Honda e a Suzuki, mas o australiano viu que a Suzuki vivia apenas dos lampejos de Schwantz, enquanto a Yamaha tinha colocado Wayne Rainey como seu primeiro piloto, mostrando que não haveria tanto espaço na equipe. Então Doohan assinou contrato com a equipe japonesa, que ainda ostentava as famosas cores do patrocínio da Rothmans. Era o início de uma longa relação entre Michael Doohan e a Honda.
Porém, a vida de Doohan não seria fácil. Primeiramente teria que dividir a equipe com o compatriota Wayne Gardner, um piloto reconhecidamente difícil de se dar e também extremamente rápido, além do tricampeão mundial Eddie Lawson, que havia acabado de ser contratado a peso de ouro pela Honda. Segundo, e mais importante, era que a Honda NSR500 era uma moto muito complicada de se guiar, com uma potência absurda e um quadro desequilibrado. Nem mesmo o experiente Gardner tinha conseguido segurar a potência da Honda nas duas temporadas posteriores ao seu título em 1987 e Doohan sofreu bastante com a moto nos testes de pré-temporada, onde caiu algumas vezes. Isso levou o australiano sofrer seu primeiro sério acidente na motovelocidade. Correndo em casa, em Phillip Island, Mick sofreu uma queda durante os treinos em que saiu arrastando debaixo da moto e sua mão ficou praticamente sem pele. No sacríficio, Doohan conseguiu um oitavo lugar, mas o australiano sofreria ainda com sua mão lesionada. Na quinta etapa do Mundial, no velocíssimo circuito de Hockenheim, Doohan sabia que a potência de sua Honda poderia ser um ponto a seu favor e o australiano consegue seu primeiro pódio na carreira com um 3º lugar, atrás de Rainey e Lawson. Após um início difícil, Mick marca pontos cinco corridas consecutivas, mas o representante da Honda foi inscrito pela fabricando japonesa para a famosa 8 Horas de Suzuka e quando liderava a corrida de longa duração, Doohan se enroscou com um retardatário e como resultado teve um dedo da mão esquerda quebrada, resultando no amputamento do dedo. Mick ficou três GPs de fora, só retornando na última corrida da temporada, no Brasil, onde terminou num ótimo 4º lugar. A evolução de Michael Doohan tinha sido evidente e, aos poucos, o australiano começava a querer entrar na briga de cachorro grande era o Mundial das 500cc naqueles tempos.
A Honda ainda sofria com uma moto terrivelmente arisca em 1990, mas Doohan tentou domesticar a máquina e aos poucos entrava na briga por vitórias. Após um 2º lugar no Grande Prêmio dos Estados Unidos, segunda etapa do Mundial, Doohan conquista sua primeira pole em Jerez, mas acabaria a corrida em quarto. O campeonato daquele ano seria dominado pelas Yamahas de Wayne Rainey e Eddie Lawson, mas Doohan já brigava por vitórias e a primeira conquista não tardaria a aparecer. E seria num lugar inesperado. O apertado circuito de Hungaroring era uma pista que privilegiava as motos com boa maneabilidade, bem ao contrário da potência absurda da Honda, mas Doohan mostrou o quanto aquela moto estava nas suas mãos e após uma disputa com a Yamaha de Rainey, Mick conquistava sua primeira vitória no Mundial. Isso deu confiança a Doohan e começava a incomodar Gardner. Se antes era único na equipe Honda e nos corações dos australianos, Gardner agora tinha que enfrentar um companheiro de equipe tão rápido quanto ele e, pior, um australiano que começava a cativar os oceânicos. No Grande Prêmio da Austrália, Gardner e Doohan passaram a corrida inteira brigando e Gardner acabou vencendo por pouco, mas Mick mostrava que estava no mesmo nível dos grandes da época. Porém, mostrando suas personalidades forte, Gardner e Doohan passaram a não se aturar dentro da equipe Honda. Após ter conquistado sua primeira pole e vitória, o próximo objetivo de Michael Doohan era o título, mas para isso teria que derrotar uma lenda viva chamado Wainey Rainey em sua Marlboro Yamaha. Mesmo conseguindo duas vitórias e algumas poles, Doohan nada pode fazer para que o americano conquistasse o bicampeonato, mas a série de pódio fez com que Mick ficasse com o vice-campeonato, à frente de Schwantz e Gardner.
Na tentativa de acabar com o domínio Yamaha-Rainey, a Honda preparou um novo motor para a temporada de 1992 e trouxe de volta à Michelin. Gardner agora vivia mais do passado do que do presente e isso ficou mais evidente quando o australiano sofreu um sério acidente no Grande Prêmio do Japão em Suzuka e quebrou a perna, praticamente terminando sua carreira no motociclismo de alto nível. Doohan reinaria sozinho na Honda. Os favoritos para aquela temporada seriam os de sempre: Rainey e Schwantz. Porém, Doohan provou que a Honda tinha projetado uma grande moto e com quatro vitórias nas quatro primeiras corridas, o australiano provava que também tinha que ser incluído entre os grandes. Mais uma vitória e dois 2º lugares davam a Doohan uma incrível vantagem de 65 pontos sobre Wayney Rainey. Então, veio Assen...
Durante os treinos para o famoso Grande Prêmio da Holanda, Doohan perdeu o controle de sua moto a mais de 160 km/h e saiu derrapando por uma curva. Porém, a moto ficou em cima de sua perna direita e quando Mick bateu nas barreiras de pneus, sua perna estava quebrada. Rapidamente levado ao hospital, todos esperavam que aquilo era 'apenas' uma perna quebrada e que Doohan rapidamente estaria de voltas às pistas. Porém, uma infecção hospitalar em sua perna fez com que Michael Doohan tivesse que lutar por sua perna nas semanas seguintes. Claudio Costa, médico-chefe da FIM, o levou para sua clínica na Itália e tratou de Doohan, mas um campeonato praticamante ganho estava indo para o ralo. Wayne Rainey tirou a desvantagem que tinha para Doohan em apenas três corridas e Doohan tentou salvar seu campeonato de forma desesperadora. Numa cena impressionante, Michael Doohan chegou a São Paulo para disputar o Grande Prêmio do Brasil em Interlagos de cadeira de rodas e com suas pernas, principalmente a direita, extremamente finas. Era uma temeridade ver Doohan em cima de uma moto, principalmente porque ele não conseguia caminhar até ela, porém o australiano foi para o sacríficio e participou das duas últimas etapas do Mundial. Rainey era amigo de Doohan, mas não podia se comover com a situação e como grande piloto e profissional que era, conquistou o tricampeonato, deixando o vice novamente com Doohan. Após perder o título, o objetivo de Mick era voltar ao nível de antes, mas sua perna direita nunca mais seria a mesma, fazendo com que ele perdesse o uso do freio traseiro. Para diminuir essa limitação, Doohan improvisou o freio traseiro no guidão esquerdo da sua moto a partir de 1993, fazendo com que o australiano mudasse sua técnica de pilotagem. Não faltaram comentários que o 'arranjo técnico' de Doohan lhe dava uma vantagem técnica sobre os demais pilotos, mas ninguém conseguiu repetir o que Doohan fez. Ainda assim, Mick ainda não estava no mesmo nível pré-Assen e ainda viu seu amigo Rainey sofrer o acidente que o deixaria para sempre confinado numa cadeira de rodas.
Com Schwantz tendo finalmente conquistado seu título e com Rainey definitivamente fora das pistas, Michael Doohan partiu determinado para 1994. Somente o título mundial lhe satisfaria. E após um 3º lugar em casa, Michael Doohan iniciou uma sequência espetacular de vitórias, inclusive em Assen, acabando com o fantasma da pista holandesa. Em Brno, com três corridas de antecipação, Michael Doohan conquistava seu primeiro título mundial da carreira. Foram nove vitórias em 14 corridas, mostrando a sua vontade em decidir logo o campeonato, mas naquele momento, Mick era parte de uma era que havia terminado. Todos os pilotos que fizeram história no Mundial de Motociclismo no final da década de 80 e início de 90 estavam aposentados em 1995. Lawson, Gardner, Rainey e Schwantz eram agora apenas nomes históricos na história do Mundial de Motovelocidade e Michael Doohan, que enfrentou todos eles, tinha agora que lidar com novos pilotos, como Loris Capirossi, Luca Cadalora, Alexandre Barros, Carlos Checa e Alex Crivillé, seu companheiro de equipe na Honda, agora patrocinada pela Repsol, companhia espanhola, de olho no crescimento de Crivillé. Porém, Doohan ainda estava no auge de sua forma e com sete vitórias e nove poles, o australiano levou o bicampeonato com facilidade. Porém, Doohan via os jovens pilotos crescendo aos poucos e Cadalora o derrotou na primeira etapa de 1996. Em Jerez, Doohan vinha segurando Crivillé a corrida inteira, na tentativa do espanhol conquistar sua primeira vitória no Mundial. Na última volta, Crivillé deu o bote, fazendo com que a torcida espanhola invadisse a pista e tirasse a concentração de Crivillé, que caiu a poucas curvas da bandeirada e Doohan vencesse novamente, para tristeza do público local. Porém, o espanhol se tornava um oponente perigoso e em Brno, Crivillé bateu Doohan na linha de chegada por 0.002s. Já com o título assegurado, Doohan queria vencer em Phillip Island, para coroar o tricampeonato, mas Crivillé queria 'carimbar a faixa' e tentou uma ultrapassagem na última volta, fazendo com que os dois fossem ao chão. Ao chegar aos boxes, Doohan criticou Crivillé abertamente.
A Honda teria que segurar o ímpeto dos seus pilotos e para não dar chances as rivais, construiu uma das melhores motos da história do Mundial 500cc. A marca nipônica venceu todas as 15 corridas do calendário daquele ano, com Doohan conseguindo o tetracampeonato com a incrível marca de 12 triunfos. Os companheiros de equipe Crivillé e Tadayuki Okada não puderam fazer nada para enfrentar o domínio de Doohan, mas parecia que um rival à altura chegava a categoria em 1998. Massimiliano Biaggi tinha conquistado quatro títulos mundias seguidos na categoria 250cc e o italiano havia declarado que podia derrotar Doohan se tivesse a mesma moto que ele. O italiano teve seu pedido atendido e foi contratado pela Honda, mas ficaria numa equipe satélite, sobre o comando do lendário engenheiro Kanemoto. Biaggi, antipático e marrendo na mesma proporção em que era talentoso e rápido, venceu sua primeira corrida nas 500cc em Suzuka, mas Doohan pôs ordem na casa quando venceu na Malásia, mas dois abandonos poriam o título de Mick em risco. Não apenas Biaggi, mas também Crivillé estavam lutando pelo título com Doohan, mas o australiano se aproveitou da inexperiência dos dois para conquistar o pentacampeonato. No Grande Prêmio da Catalunha, em Barcelona, Crivillé era o líder do Mundial no momento e tinha tudo para disparar no campeonato, mas o espanhol acabou caindo ainda nas primeiras voltas, para desespero da torcida local. Biaggi vinha logo atrás e não respeitou as bandeiras amarelas no local, fazendo com que o italiano fosse desclassificado mais tarde. Doohan venceu essa e mais duas corridas para faturar o seu quinto título consecutivo em casa, no circuito de Phillip Island. Mal sabiam os australianos que lotaram o circuito naquela dia, que aquela seria a última vez que veriam Michael Doohan em ação.
A sequência de títulos de Doohan faziam todos se perguntar se o australiano tinha condições de derrubar toso os recordes do Mundial de Motovelocidade. Porém, Mick já 34 anos de idade e reclamava abertamente de algumas decisões técnicas da FIM. Em resumo, Doohan mostrava sinais de cansaço quando a temporada de 1999 se iniciou. Para surpresa de todos, a Suzuki veio com uma moto toda preta, chefiada por Kenny Roberts e guiada por seu filho, Kenny Roberts Jr. O americano venceu a corrida inaugural em Motegi e Doohan tentaria a recuperação em Jerez, a primeira corrida na Europa. A pista ainda estava úmida pela chuva que havia caído mais cedo e Doohan tocou numa linha branca com sua roda traseira. Sua moto deslizou a mais de 200 km/h e Michael Doohan bateu direto no guard-rail. Quando viram seu corpo inerte no brita molhada de Jerez, todos pensaram no pior, mas ainda assim o australiano não estava nada bem. Mick havia quebrado vários ossos em seu corpo e após muitas especulações a respeito de uma volta às pistas, Michael Doohan anunciou sua aposentadoria nas vésperas do Grande Prêmio da Austrália em Phillip Island, onde deu uma volta pela pista australiana, para delírio de sua torcida. A carreira de Michael Doohan não deixam dúvidas do seu talento, com 137 corridas, 54 vitórias, 58 poles, 95 pódios e cinco títulos mundiais consecutivos (1994,95,96,97 e 98).
Após sua aposentadoria, Michael Doohan ganhou um cargo administrativo na Honda, onde seria chefe de equipe e uma espécie de instrutor de um jovem piloto italiano que havia deixado a todos abismados com suas comemorações e vitórias nas categorias menores do Mundial de Motovelocidade: Valentino Rossi. Com a ajuda do seu engenheiro, no qual conquistou todos os seus cinco títulos, Jeremy Burgess, Doohan ajudou a Valentino a conquistar sua primeira vitória no Mundial de Motociclismo 500cc no ano 2000. No final de 2004, Doohan rompeu com a Honda após quinze anos de parceria e dois anos depois ele se casou com Selina Sines. O domínio de Michael Doohan no Mundial pode ser diminuído por alguns por não ter tido um piloto do seu nível enquanto empilhava títulos mundiais, mas ninguém pode tirar o poder de superação de Doohan, que sofreu poucos, mas seríssimos acidentes, o talento e a precisão de acerto do australiano. Como a Honda sofria bastante com a potência estúpida de sua moto, Doohan passou a trabalhar na suspensão de sua moto e aos poucos foi deixando a até então indomável Honda NSR500 numa moto fácil de guiar, inclusive ajudando a Valentino Rossi a conquistar várias vitórias e títulos a partir de 2001. Doohan não era um piloto que desistia fácil ou diminuía seu ritmo, pois ele sempre estava no limite, seja para derrotar seu fortes oponentes, seja para derrotar a morte. Por isso entrou para a história do motociclismo.
Parabéns!
Michael Doohan
Um comentário:
Po, só você mesmo pra lembrar.
Parabéns ao Michael e a você.
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