A palavra 'se', conjunção subordinativa condicional, está muito presente na vida de todos e foi muito usada após os acontecimentos de domingo. 'E se Massa desobedecesse a Ferrari?' Foi o que muitas pessoas devem ter questionado após o brasileiro ter diminuído a velocidade e estendido o tapete vermelho a Fernando Alonso. Mas será que ele seria demitido mesmo se não abrisse para Alonso? O que poderia acontecer com o piloto ferrarista se ele não acatasse as decisões vermelhas? Isso nunca poderá ser respondido, mas existem alguns exemplos de problemas com relação a ordens de equipe e contarei uma história celébre ocorrida no Mundial de Motovelocidade há mais de quarenta anos atrás.
Antes de mais nada, é bom explicar que até meados da década de 80, os pilotos que participavam do Mundial de Motovelocidade podiam participar de várias categorias ao mesmo tempo. Giacomo Agostini, por exemplo, venceu as categorias 350cc e 500cc em cinco oportunidades em forma de dobradinha, garantindo aí dez títulos mundiais em cinco temporadas. Trazendo para a realidade atual, seria como Valentino Rossi correr de Yamaha na MotoGP, de Honda na Moto2 e Aprilia nas 125cc, por exemplo. Dito isso, voltamos agora para a metade da década de 60.
A Yamaha estava investindo forte para ter uma moto competitiva e em 1965 tinha dois pilotos ingleses extremamente talentosos: Phil Read e Bill Ivy. Read era considerado um dos pilotos mais promissores da época e tinha acabado de conquistar seu primeiro título mundial com a Yamaha na categoria 125cc, porém, o inglês tinha a fama de ser uma pessoa difícil de conviver e extremamente polêmico fora das pistas, apesar de popular pelas estripulias feitas nas pistas. Já Bill Ivy era exatamente o oposto de Read. Simpático e amigo de todos, ainda procurava um lugar ao sol dentro do Mundial de Motovelocidade, apesar de já ser bastante conhecido na Inglaterra, onde tinha o apelido de "Rei de Brands Hatch". Com duas pessoas tão distintas, não demorou a haver problemas de relacionamento entre Read e Ivy, mas a Yamaha até que administrava bem a convivência entre ambos, até porque Ivy estava mais concentrado nas 125cc, enquanto Read venceria novamente o Mundial das 250cc pela Yamaha em 1965. Porém, ambos eram fortes rivais nas duas categorias, não havendo até o momento uma ordem clara da Yamaha quem se daria melhor nas disputas entre eles. Mesmo tendo conquistado o primeiro título pela Yamaha, Read não era muito querido pela equipe japonesa, que aos poucos declinava a Ivy, uma pessoa bem mais dócil.
Isso porém mudaria no final de 1967. Bill Ivy conquista seu primeiro título na categoria 125cc, derrotando Read por larga vantagem. Já na categoria 250cc, Read teve que enfrentar outra estrela inglesa numa moto japonesa, Mike Hailwood em sua Honda, e a disputa titânica terminou com Hailwood vencendo Read por apenas três pontos, com Ivy em terceiro lugar no campeonato. Porém, Hailwood tinha criticado demais a moto da Honda na categoria 500cc, onde foi derrotado por Agostini em sua MV Augusta, e, desgostosa, a Honda decidiu se retirar das competições em 1968. Isso deixava o caminho livre para a Yamaha dominar nas categorias 125cc e 250cc, mas os japoneses tinham que segurar o ímpeto dos seus dois pilotos. Pensando em agradar a todos e sabendo de sua superioridade frente as demais marcas, a Yamaha decidiu que Phil Read seria o campeão nas 125cc, enquanto Bill Ivy seria campeão nas 250cc.
Mesmos inimigos fidagais, Read e Ivy concordaram em discordar da equipe, pois ambos sabiam que poderiam muito bem disputar entre si os dois campeonatos e ainda levar a Yamaha rumo ao título sem muitos riscos. Com uma personalidade mais tranquila, Ivy decide acatar as ordens da equipe e praticamente deixa Phil Read vencer seis das sete primeiras etapas do Mundial das 125cc, fazendo com que Read conquistasse o título com grande antecipação. Porém, Ivy se sentiu vingado durante o Grande Prêmio da Inglaterra, na famosa estrada da Ilha de Man. Bill disparou na ponta e Read estava vários segundos atrás, mas quando estava prestes a receber a bandeirada, Ivy parou sua moto, para espanto dos expectadores. Quando vieram lhe perguntar o que tinha acontecido, ainda parado em cima de sua moto, Ivy retrucou: Vocês viram Read por aí? E Ivy, mesmo entregando a vitória, humilhava seu rival.
Contudo, Read tinha uma personalidade forte demais para aceitar as ordens da sua equipe e avisa a todo mundo os planos da Yamaha e que não as acataria. Isso ainda antes de começar a temporada! Ivy vence a primeira etapa das 250cc, mas Read o supera na corrida seguinte, mostrando claramente as intenções de Phil, para desespero da Yamaha. Ao contrário das 125cc, Read e Ivy disputaram palmo a palmo o Mundial das 250cc, com cada piloto conquistando cinco vitórias e o mesmo número de pontos. No terceiro item de desempate, a soma dos tempos totais ao longo das dez corridas do Mundial, Read consegue uma vantagem de 2:05.2 e também conquista o Mundial das 250cc de 1968.
A Yamaha fica tão contrariada com a desobediência de Read, que abandona às pistas no final da temporada, mesma coisa fazendo Bill Ivy. Ao contrário do que podemos supor, os românticos anos 60 não toleravam muito as desobediências às ordens de equipe e Read não consegue lugar em nenhuma equipe oficial de fábrica, ficando marginalizado até mesmo pelos outros pilotos. Read passou a correr em equipe particulares e acabou sendo o primeito piloto a ser Campeão Mundial por uma equipe privada, na categoria 250cc em 1971. Com uma Yamaha! No ano seguinte, Phil Read passou a provocar Giacomo Agostini, dizendo que podia derrotar o italiano se tivesse uma moto parecida com a dele. A MV Augusta contrata Phil Read em 1973 e cumpre a promessa, vencendo seu primeiro Mundial das 500cc. Cansado da arrogância de Read, Agostini é contratado a peso de ouro pela Yamaha, que havia voltado ao Mundial, e conquista seu último título Mundial em 1975, derrotando Read de forma espetacular. Mesmo após sua desobediência e ter sofrida as consequências de suas atitudes, Phil Read deu a volta por cima e se tornou uma lenda da motovelocidade. Infelizmente, Bill Ivy não teve destino semelhante. Após uma passagem rápida pelo automobilismo, Ivy voltaria às motos em 1969 e acabaria morto numa corrida na Alemanha Oriental.
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