Na década de 70, a Grã-Bretanha tinha três pilotos que
entraram para a história como a ‘Geração Perdida’, pois eram pilotos britânicos
extremamente promissores, mas morreram de forma trágica bem próximos de atingir
o ápice da carreira. Para muitos, Roger Williamson, Tony Brise e o personagem
de hoje, Tom Pryce, eram bem melhores do que James Hunt, que conquistou um
título mundial em 1976 e se tornou bastante popular. Tom Pryce é de longe o
melhor piloto galês de todos os tempos na F1 e foi o único a vencer uma
corrida, mesmo sendo ela extra-oficial. Dono de um estilo agressivo e vistoso,
Pryce levou muitas vezes seu modesto carro a posições mais altas do que o
verdadeiro potencial da equipe e por isso ele era visto como uma estrela em ascensão
e muitos imaginavam do que seria capaz Pryce quando ele estivesse guiando um
bom carro de F1. Infelizmente isso não nunca pôde acontecer por causa de um dos
acidentes mais horríveis e bizarros da história da F1, acontecida há 35 anos e
por isso iremos conhecer a rápida carreira de Pryce, o terceiro vértice de uma
geração que deveria ter sido vitoriosa, mas não o foi pelas circunstâncias.
Thomas Maldwyn Pryce nasceu no dia 11 de junho de 1949 na
cidade galesa de Ruthin, em Denbighshire. Filho de Jack Pryce, artilheiro em um
bombardeiro Lancaster durante a Segunda Guerra Mundial, Tom se interessou
primeiramente por aviões, tentando seguir a carreira do seu pai, mas aos dez
anos de idade a vida do pequeno Thomas toma um curso diferente. Quando um
padeiro próximo a sua casa lhe oferece um pequeno caminhão para guiar, Pryce
decide que ao invés de ser piloto de aviões, seria piloto de corridas! Conta a
lenda que Tom fez esta escolha também por não se achar inteligente o suficiente
para comandar um avião. Como se correr num bólido fosse muito fácil... Sua mãe
não gostou nada da decisão do seu único filho (Tom teve um irmão, mas este
faleceu aos três anos) e o matriculou numa escola de mecânica de tratores
quando Pryce tinha 16 anos para ele esquecer a idéia de se tornar piloto. Não
funcionou. O fato foi que Pryce tinha dois ídolos em sua adolescência e os viu
morrer (Jim Clark e Jochen Rindt) antes de começar sua carreira de piloto. Das
duas lendas, Pryce tomou como exemplo o arrojo e a pilotagem espetacular, que
lhe seria característica mais tarde. As primeiras corridas do galês ocorreram
em 1970 na F-Ford Inglesa e logo de cara se tornou campeão, numa prova decidida
na chuva, uma de suas especialidades. No ano seguinte Pryce subiu para a F3
pela construtora novata Royale e o galês começou a demonstrar outra
característica que lhe marcaria para sempre: o de elevar o desempenho dos seus
modestos carros.
Em 1972, os grandes carros da F3 eram GRD e March, mas Pryce
derrotou Roger Williamson, James Hunt e Jochen Mass com esses carros em Brands
Hatch de uma forma arrebatadora, chegando a gerar desconfianças dos rivais.
Porém, durante o tradicional Grande Prêmio de Mônaco de F3, Tom Pryce sofreria
um baque quando sofreu um acidente bizarro. Algo nada anormal na carreira do
galês. Pryce tem problemas com seu carro na Praça do Cassino e ao estacionar
seu Royale, ele desce do carro para averiguar o problema. Só que enquanto isso,
o obscuro Peter Lamplough perde o controle do seu carro e atinge Pryce, que foi
jogado em uma vitrine de loja e quebra a perna, praticamente destruindo a
promissora temporada do galês. Ainda em 1972 Tom participa da F-Atlantic, uma
categoria meio-termo entre F3 e F2, onde conquista três poles seguidas e uma
vitória nas provas finais do campeonato. Pryce já tinha um bom nome no mercado
de jovens pilotos e todos imaginavam o galês subindo rapidamente para a F2, o
próximo passo natural de um jovem piloto na Europa. Primeiramente, Pryce
correria pela Royale, por quem ficou fiel até quando a equipe fechou as portas
no início de 1973. Mesmo com esse revés, Pryce foi contratado pela equipe
Rondel Motul, de Ron Dennis, no Campeonato Europeu de F2 onde conquista um bom
segundo lugar no circuito alemão de Norisring, no qual liderou a maior parte da
prova, mas cedeu a posição para seu companheiro de equipe Tom Schenken no final
da prova por problemas de freio.
Porém, não demoraria
a Pryce conseguir seu objetivo de chegar a F1. Assim como Pryce, Ron Dennis
tinha um objetivo de chegar à principal categoria do automobilismo mundial e
não poupava esforços para isso. Ainda em 1973 foi criada a pequena equipe Token
na F1, mas o time não saía do papel por falta de patrocinadores, quando Dennis
assumiu o projeto em 1974 e construiu o primeiro carro da equipe. Porém,
empresário sagaz, Dennis percebeu que o novo carro poderia lhe prejudicar em
sua chegada a F1 e abandonou o barco bem na boca do time estrear na categoria,
mas a equipe foi assumida por dois empresários ingleses, que colocou o carro na
pista. Ainda pelas mãos de Dennis, Pryce fez sua estréia pela equipe em um
evento não-campeonato em Silverstone, com o carro apresentando vários
problemas, mas normais para uma máquina tão nova. O primeiro evento oficial de
Tom seria no Grande Prêmio da Bélgica de 1974, onde largaria em 20º e abandonaria
após um toque quando levava uma volta de Jody Scheckter. Para o Grande Prêmio
de Mônaco, Tom Pryce tem sua inscrição negada por ser considerado inexperiente.
Aos 25 anos de idade, idade de Pryce em maio de 1974, Sebastian Vettel é
considerado principal favorito ao tricampeonato mundial de F1 este ano...
Contudo, Pryce faz uma corrida na tradicional prova de F3 no
principado e mesmo sem correr nos pequenos carros há algum tempo, o galês
consegue uma importante vitória que marcaria sua carreira. A Shadow vinha
surpreendendo desde sua estréia com seus carros negros e bem feitos, mas o time
americano tinha sofrido um enorme baque no início do ano com a morte de Peter
Revson, principal piloto da equipe e líder natural do desenvolvimento do carro,
em treinos no circuito de Kyalami. A equipe tinha um bom carro e os bons
resultados de Jean-Pierre Jarier eram a prova disso, mas o time de Don Nichols
precisava de um bom segundo piloto e impressionado com o bom desempenho de
Pryce em Monte Carlo, o americano contrata Tom ainda no meio da temporada de
1974. Pryce estréia na sua nova equipe já na oitava etapa em Zandvoort e na
corrida seguinte consegue um espetacular terceiro lugar no grid em
Dijon-Prenois. Era apenas sua terceira corrida na F1 e na quinta prova,
consegue seu primeiro ponto com um sexto lugar no perigoso circuito de
Nürburgring. Mesmo ficando apenas em 18º lugar no Mundial de Pilotos, todos se
impressionam com Tom Pryce e o galês permanece na Shadow para 1975, com uma boa
expectativa para sua primeira temporada completa. Após um início claudicante,
quando Pryce usou apenas uma versão do modelo do ano anterior, Tom consegue
bons resultados seguidos quando recebe o carro novo. Na sua quarta corrida com
o carro, Pryce vence a Corrida dos Campeões em Brands Hatch, se tornando o
primeiro e único piloto do País de Gales a vencer uma corrida de F1. Em
Silverstone, Tom consegue o que seria a sua única pole position e esses bons
resultados acabaram consumando com o seu primeiro pódio em Zeltweg, em terceiro
lugar.
A F1 se impressionava cada vez mais com o crescimento da
carreira de Tom Pryce, com algumas especulações o levando a Lotus de Colin
Chapman. Porém, Pryce tinha alguns senões, como seu estilo agressivo e saídas
de traseira espetaculares levando seu Shadow ter um apetite voraz por pneus
traseiros, muitas vezes estragando boas corridas do galês. Novamente com um
carro do ano anterior, já que a Shadow começava a ter problemas de orçamento
com a saída do patrocínio da UOP, Pryce consegue um verdadeiro feito ao
conseguir um bom terceiro lugar em Interlagos, numa prova com vários abandonos
e Tom chegando com os pneus no bagaço. Porém, o regulamento da F1 previa uma
mudança significativa nos carros em 1976 e isso afetou a Shadow em cheio,
permitindo a Pryce apenas dois quartos lugares no Grande Prêmio da Grã-Bretanha
e da Holanda como resultado de relevo. O que ninguém sabia naquele momento, foi
que os três pontos conquistados por Pryce em Zandvoort seriam seus últimos na
F1.
A Shadow necessitava de dinheiro para 1977 e por isso teve
que dispensar Jarier e trazer o pay-driver Renzo Zorzi, trazendo consigo
bem-vindos patrocínios italianos. Pryce seria uma espécie de piloto a conseguir
os resultados, enquanto Zorzi seria o piloto para assinar os cheques e pagar as
contas. Mesmo em um carro que não estava ao nível do seu talento, Tom fez
ótimas corridas na Argentina e, principalmente, no Brasil. Em uma prova marcada
pelo asfalto ruim na curva 3, Pryce deu show em Interlagos, mas seu ritmo era
tão acima do que poderia render seu Shadow, que todos no autódromo podiam ver
que o carro não suportaria o ritmo alucinante do galês e o Shadow acabou
quebrando já no fim da prova, quando Pryce estava num surpreendente segundo
lugar. A próxima corrida seria em Kyalami e nos primeiros treinos, debaixo de
muita chuva, Tom mostrava suas credenciais ao conseguir ficar em primeiro
lugar, mas quando a pista secou, a Shadow mostrou suas fragilidades e Pryce
teve que largar em 15º lugar. No dia 5 de março de 1977, a largada foi dada em
Kyalami, mas Pryce não sai bem e cai para último. Iniciando uma espetacular
recuperação, o piloto da Shadow rapidamente recuperava posições. Na volta 18,
Tom já havia ultrapassado nove carros, mas a tragédia estava apenas se
aproximando, num dos acidentes mais tristes e medonhos da história da F1. Tudo
começou na vigésima volta, quando Zorzi tem problemas em seu Shadow bem na reta
dos boxes. O italiano encosta seu carro no outro lado do pit-wall e quando se
preparava para sair do seu veículo, Zorzi tem dificuldades em se livrar dos
tubos de oxigênio que estavam ligados ao seu capacete e para piorar,
combustível que vazava pela bomba de gasolina começava a cair no motor,
iniciando um pequeno incêndio. Isso causou a atitude precipitada de dois
comissários de pista, que estavam no pit-wall, no outro lado da pista. Vendo
Zorzi tendo dificuldades em sair do carro e um incêndio acontecer, Bill e
Jansen Van Vuuren, de 19 anos, saíram correndo pela pista com os extintores na
mão. O problema era que vários carros passavam naquele momento a mais de 250
km/h! Isso não podia dar certo...
Enquanto o primeiro comissário atravessava a pista, Jacques
Laffite, Gunnar Nilsson, Hans-Joachim Stuck e Tom Pryce contornavam a última
curva, muito próximos uns dos outros. Van Vuuren vinha correndo logo atrás do
primeiro comissário quando quase foi acertado por Stuck, mas o alemão desviou a
tempo, contudo Pryce, que vinha colado no carro de Stuck, não teve a mesma
sorte. Tom Pryce acertou Van Vuuren em cheio, destroçando o corpo do
sul-africano e o matando na hora. Conta a lenda que o corpo do comissário ficou
tão irreconhecível, que a direção de prova teve que fazer uma chamada para
saber quem havia acabado de morrer. Mas a tragédia não havia acabado ainda. Se
Felipe Massa quase morreu ao ser atingido por uma mola de 300g em 2009, Tom
Pryce foi acertado na cabeça pelo extintor de 20 kg que Van Vuuren tinha nas
mãos. O galês teve morte imediata e segundo relatos, seu capacete, arrancado
pela violência do impacto, voou alto, destruindo o pára-brisa de um carro que
estava no paddock. A esposa de Patrick Depailler, que viu tudo acontecendo na
sua frente, ficou tão traumatizada que se separou do francês. Porém, o acidente
não tinha terminado ainda. Com Pryce morto dentro do Shadow com a dianteira
destruída e sem controle, o carro seguiu pela reta como um F1-fantasma,
acelerando até atingir a Ligier de Jacques Laffite no final do retão. Apesar do
susto, o francês não sofreu um único arranhão, porém, a cena ao lado era
terrível. O carro branco da Shadow tinha uma enorme poça de sangue no cockpit,
com o rosto de Tom Pryce desfigurado ainda amarrado ao carro. Ele tinha 27
anos. A terrível morte de Pryce chocou a F1 não apenas pela sua violência, mas
também por todos saberem do potencial que o jovem galês tinha e pelo futuro
promissor que o paddock via naquela jovem piloto que forçava seu carro ao
limite. Foi uma perda inestimável para a F1 e para a Grã-Bretanha, que via, em
menos de quatro anos, seu terceiro promissor piloto morrer de forma trágica.
Era o último vértice que havia se iniciado com Roger Williamson, passou por
Tony Brise e terminou tristemente pelo formidável Tom Pryce.
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