"Deu nem vontade". Foi o que respondi quando meus amigos do colégio me perguntaram se havia chorado no dia anterior, na segunda-feira, dia 2 de maio de 1994. Havia muita gente de preto e chorando, mas para mim, que a pouco tempo tinha perdido minha avó, não havia motivo para choro por uma pessoa que nunca nem tinha visto na vida, apesar de acompanhar desde pequeno.
Lembro de todos os detalhes daquele domingo de sol em Fortaleza. Aquela era a primeira corrida que assistia, pois minha avó havia falecido exatamente no dia do Grande Prêmio do Brasil e naquele dia chuvoso de 27 de março de 1994 fiquei tão desnorteado, que nem lembrei de corrida. Na véspera do meu aniversário de 12 anos aconteceu o Grande Prêmio do Pacífico, mas como acontecia de madrugada, acabei perdendo. Então a corrida em Ímola era a primeira que eu ia acompanhar.
Na sexta-feira tinha visto a reportagem sobre o acidente de Barrichello, pois o canal que passa em frente em minha casa havia transbordado por causa de uma chuva forte e tive a oportunidade de assistir ao Globo Esporte e a entrevista de Senna, dizendo que o jovem estava bem. No sábado, estava assistindo os treinos de forma entretetida e me lembro bem que Barrichello estava falando na TV bem no momento em que apareceu o carro de Roland Ratzenberger. "Ele está desacordado", exclamou alguém, não lembro se foi Galvão Bueno ou Reginaldo Leme. Aos olhos de menino, a imagem de uma pessoa fazendo uma massagem cardíaca em outra não era aterradora, até porque não entendia direito o que estava acontecendo. Sabia que a F1 tinha matado muita gente, mas nunca tinha visto alguém morrer ao vivo.
Me lembrei que havia um interclasse no colégio e que eu era o goleiro reserva, mas como já estava tarde, não participei mais, mas acabei indo ao centro fazer compras. Meu pai estava nervoso e eu estava tenso. Quando retornei, por volta do meio-dia, soube que Ratzenberger havia morrido. Foi um choque e fiquei assistindo TV o dia todo. Liguei para um amigo para saber o que havia sido o campeonato, mas nem lembrei direito sobre o que ele disse. Acho que perdemos logo e não fiz muita falta. Desde sempre as pessoas que me conhecem me perguntam sobre F1 e ele me perguntou o que tinha acontecido nos treinos. "Morreu um piloto chamado Roland Ratzenberger", respondi.
No domingo, fui assistir a corrida, algo que fazia desde que me lembro, não me importando quem estaria comigo. Meus pais estavam comigo na sala de casa, mas minha mãe parecia despreocupada lendo o jornal. De repente nem lembrava mais da morte e tudo o que fazia era torcer para que Senna derrotasse Schumacher. Apesar do acidente na largada, tudo parecia normal e Senna liderava a prova. A câmera on-board de Schumacher mostrava o quão próximo estava alemão de Senna quando o Williams passou reto. "Senna bate forte!", gritou Galvão Bueno. Quando o capacete do brasileiro se moveu para o lado, ficou a sensação de que eles estaria bem. Mas as coisas não saíam dali. Pensei que ele estaria igual ao Rubinho, com ele voltando na próxima corrida. Porém, a poça de sangue na areia em Ímola mostrou que o destino de Senna parecia igual ao de Ratzenberger.
Meu pai foi assistir a um jogo do Campeonato Italiano, enquanto eu continuei vendo a corrida. Meu primo, que morava a um quarteirão, foi lá em casa como sempre fazia, mas estava em estado de choque. Sinceramente não estava tão triste ou chocado. Minha mãe continuava lendo o jornal e fiquei assistindo a corrida até o final. A notícia não demorou a acontecer. O resto do dia foi de homenagens e reportagens. E continuou nos dias seguintes. Foram várias revistas e publicações. No dia seguinte, houve uma entrevista com Nelson Piquet no Roda Viva e assisti tudo, mas o que sempre me lembrarei foi uma frase que me marcou: a partir de agora o Senna será considerado o melhor piloto de todos os tempos. Ele tem razão até hoje. Quinze anos após sua morte, poucos negam que Senna seja o melhor de todos os tempos, enquanto os mais sensatos, consideram ele como um dos grandes campeões da F1. Chorar? Não o fiz naquele dia e nem nos dias seguintes. Era uma criança e minha vó havia falecido um mês antes. Este foi meu primeiro de maio de 1994.
Um comentário:
Poxa!!
É uma das minhas primeiras lembranças da minha vida.
Tinha 3 anos então só lembro de uma cena.
Estava na cama dos meus pais,que não estava feita,meu pai não estava no quarto,só minha mãe,deitada no seu lado cativo da cama.
Eu estava com uma mamadeira com um desenho de lula e umas purpurinas que ficavam mexendo lá dentro em minha mão.
Não fazia a menor idéia do que estava passando na tv(talvez não soubesse nem o que era tv.)
Então algo que apareceu nela fez minha mãe chorar e a chamar meu pai,que veio correndo para o quarto.
De qualquer forma,se quando vejo vídeos do acidente hoje fico emocionado,imagina no momento real ao choque que foi...
Valeu JC!!
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