domingo, 3 de maio de 2009

Tio Ken


Por trás daqueles belos carros azuis marinhos, com o enorme patrocínio branco da Elf, existia um homem que dedicou praticamente toda a sua vida pela paixão pelo automobilismo. Ken Tyrrell foi um dos chefes de equipe mais influentes na história da F1, sendo um dos apaziguadores da guerra FIA-FOCA, um excelente garimpador de talentos e até mesmo sendo muito conservador, foi capaz de criar um dos carros marcantes da história do automobilismo: o P34 de seis rodas. Excelente negociador, Tio Ken, como era carinhosamente chamado, entrou por cima na F1, mas seu espírito amador fez com que sua equipe fosse engolida pelas grandes conglomerações que invadiram a Fórmula 1 na década de 90. Ativo na categoria até praticamente o fim de sua vida, Tyrrell viu com seus próprios olhos o crecimento da F1 e se estivesse vivo, estaria completando 85 anos no dia de hoje e por isso iremos conhecer um pouco a história dele e de sua carismática equipe.

Alan Henry Robert Kenneth Tyrrell nasceu no dia 3 de maio de 1924, em Londres e o amor pela velocidade e o perigo surgiram quando Ken serviu durante a Segunda Guerra Mundial na RAF (Força Áerea Real) e quando o conflito acabou, apareceu o lado negociador de Ken. Percebendo que a Inglaterra necessitava de muita madeira para a sua reconstrução, Tyrrell se tornou um madereiro de sucesso, garantindo uma pequena fortuna no início da década de 50. Porém, o negociador de madeira também era apaixonado por carros e em 1951 iniciou uma breve carreira no automobilismo, disputando o recém-criado Campeonato Inglês de F3 com um chassi Cooper, iniciando uma longa relação como o dono da empresa, John Cooper. Bom piloto, mas não a ponto de lhe levar ao sucesso, Tyrrell percebe que poderia se manter próximo ao automobilismo se tornando dono de equipe e em 1959 ele abandona os cockpits e constrói uma oficina, juntamente com seu irmão, para preparar carros de corrida, primeiramente para Henry Taylor, que corria na Fórmula 2 com um Cooper. No ano seguinte, Ken Tyrrell e John Cooper se tornam mais próximos e a Tyrrell Organization é criada para se tornar a equipe oficial da Cooper no Campeonato de F-Júnior e em 1961 a Tyrrell também representava a Cooper no Campeonato Inglês de Turismo, preparando os Mini, que logo ficariam conhecidos como Mini Cooper.

Em 1964, Ken Tyrrell arma uma esquema para o Campeonato Inglês de F3 e contrata um escocês que marcaria a vida de ambos: Jackie Stewart. A longa parceria entre Tyrrell e Stewart começa com sucesso, com Jackie conquistando Campeonato Britânico de F3 e Ken percebe que poderia crescer dentro do automobilismo juntamente com Stewart e para 1965 ele cria uma equipe de F2, com status de equipe oficial da Cooper, para Stewart e para outro piloto promissor da época, o belga Jacky Ickx. Quando John Cooper sofre um sério acidente rodoviário, Ken Tyrrell assumiu a equipe Cooper de F1, mas não foi desta vez que o velho Ken entrou na F1 e ainda em 1966 ele vendeu a equipe. Já tendo sentido o gosto da F1, Tyrrell consegue outra parceria para conseguir seu intuito, se juntando aos franceses da Matra. A equipe francesa estava prestes a entrar na F1 com uma estrutura completa, em que construiria chassis e motores, já contando com a experiência da F2, F3 e Mundial de Esporte-Protótipo. Enquanto não iniciava o seu projeto na F1, a Matra entrega sua organização na F2 para Tyrrell e Stewart e Ickx se aproveitam para dominarem o Campeonato Europeu daquele ano, com o título acabando nas mãos do belga. No entanto, os dois pilotos não se davam muito bem e como Tyrrell acreditava mais em Stewart, que já corria na F1 pela Cooper (graças a Tyrrell), Ken não pensou duas vezes em ficar com o escocês, enquanto Ickx partia para a Ferrari.

Quando o motores Ford-Cosworth DFV entraram em cena em 1967, Tyrrell achou que essa era a oportunidade ideal de entrar na F1. A Matra já havia estreado na F1 no final de 1967 e a expectativa era boa para 1968, porém, o motor V12 francês se mostrava complicado demais para se acertar, além de muito pesado. Contudo, o chassi que a Matra havia produzido era excelente e Tyrrell teve a idéia de criar uma equipe, a Matra International, que teria o bom chassi da Matra, o ótimo motor Cosworth e o talento de Stewart. Apesar de relutar no início, a Matra topou a idéia e a Tyrrell fez sua estreia na F1 em 1968 e de forma até surpreendente para uma equipe novata, mas nem tanto pelo que tinha em mãos, Ken começou com o pé direito, vencendo dois Grandes Prêmios e dando a Stewart o vice-campeonato. Para agradar aos franceses, Tyrrell sempre dava o segundo carro a um gaulês. Primeiro foi Johnny Servoz-Gavin em 1968 e para a temporada seguinte seria a vez de Jean-Pierre Beltoise. A parceria entre Tyrrell e a França era completada com o patrocínio da petroleira Elf, que estampava sua marca de forma bem destacada nos carros azuis da Tyrrell Organization.

Após um ano terrível para a F1 em 1968, a temporada 1969 teria os regulamentos mais estáveis e a Lotus, campeã 68, construía um carro de tração integral, que se tornou no primeiro retumbante fracasso de Colin Chapman, tirando totalmente as chances do campeão Graham Hill e Jochen Rindt. A Ferrari sofria com a falta de confiabilidade dos seus carros e a Brabham tinha problemas com a adaptação aos motores Cosworth após anos com Repco. Como a Matra ainda se acertava com o seu motor, a Matra International de Ken Tyrrell dominou a temporada de forma poucas vezes vistas, com Stewart vencendo seis vezes (África do Sul, Espanha, Holanda, França, Grã-Bretanha e Itália) e conquistando seu primeiro título Mundial de pilotos, enquanto a Matra vencia o seu primeiro Mundial de Construtores, sob a batuta de Ken Tyrrell. O que era para ser só festa, acabou se tornando um problema para Tyrrell. A Matra pressionava o inglês a usar os seus motores franceses, enquanto Ken insistia que a combinação Matra-Ford era imbatível, mas a construtora francesa via seu motor ser seguidamente derrotado por um motor alheio a eles e com o mesmo chassi. Por causa desta discordância, a parceria Tyrrell-Matra terminou no final de 1969 e Ken passou a usar o chassi da March, que estreava na F1 em 1970. Stewart ainda deu esperanças com uma vitória na primeira etapa na África do Sul, mas a falta de experiência da March somada ao surgimento do Lotus 72 nas mãos de Jochen Rindt fez com que Stewart não pudesse defender seu título.

No entanto, Tyrrell tinha uma carta na manga e enquanto sofria nas pistas, ele se mexia fora delas. Ele havia contratado o projetista Derek Gardner para construir o primeiro chassi Tyrrell de F1, enquanto a Elf tentava empurrar o francês François Cevert para a equipe. Mais conhecido pelas belas namoradas, Gardner falou uma vez que não via em Cevert como um bom piloto, mas as boas apresentações do piloto-galã logo mudariam a opinião do projetista, que deixou o Tyrrell 001 pronto no final do verão de 1970, enquanto Stewart estrearia o carro no Grande Prêmio do Canadá naquele ano, liderando a prova até ter problemas no semi-eixo. O carro mostrava um ótimo potencial e como Cevert era bem mais alto do que Stewart, um novo chassi, o 002, foi feito especialmente para o francês. O carro foi aperfeiçoado durante a pré-temporada de 1971 e Stewart começou o ano se aproveitando dos pneus Goodyear, bem superiores aos Firestone que equipavam Lotus e Ferrari. Aliando ao seu talento e a finesse do carro construído por Gardner, Stewart conquistou o seu segundo título mundial da mesma forma do primeiro, arrasando a concorrência, novamente com seis vitórias (Espanha, Mônaco, França, Inglaterra, Alemanha e Canadá). Com uma vitória de Cevert nos Estados Unidos, Ken Tyrrell faturava o Mundial de Construtores pela segunda vez na carreira, mas desta vez de forma especial, já que o chassi tinha o seu nome.

Após uma temporada não tão boa em 1972, quando a equipe ainda fazia a transição entre o 001/002 para o 005/006, a Tyrrell voltou com tudo para 1973. Ken havia sido derrotado pela Lotus de Emerson Fittipaldi em 1972 e Tyrrell e Lotus eram as equipes dominadoras daquele início dos anos 70, mas novamente Stewart mostra seu talento e conquista o tricampeonato com mais cinco vitórias (África do Sul, Bélgica, Mônaco, Holanda e Alemanha) e entrava para a história do automobilismo. Mesmo ainda relativamente jovem, Stewart estava cansado de tantas mortes de amigos dentro das pistas e na metade de 1973 tinha decidido que aquela seria a sua última temporada. Para não deixar Tyrrell desamparado, Jackie preparava Cevert como seu sucessor na equipe e era comum ver os dois conversando, enquanto Stewart parecia dar uma aula de pilotagem ao francês. Cevert era muito querido dentro da equipe e Tyrrel o via como um potencial Campeão do Mundo, mas durante os treinos para o Grande Prêmio dos Estados Unidos de 1973, Cevert bateu de frente num guard-rail e teve morte instantânea. Aquele sábado de sol foi marcante para Ken Tyrrell, com o fim abrupto dos anos de glória de sua equipe.

Stewart cumpre a promessa e abandona às pistas no final de 1973 e, de repente, Ken Tyrrell se vê praticamente sem pilotos. O francês Patrick Depailler, por imposição da Elf, já seria um dos pilotos para 1974 e como os grandes pilotos já haviam sido contratados, Ken traz para a sua equipe o sul-africano Jody Scheckter, que era conhecido como "O troglodita" pela sua forma agressiva de guiar e pelos acidentes causados. Ambos eram praticamente novatos, mas a Tyrrell ainda faz uma temporada boa em 1974, com Scheckter tendo chances de conquistar o título até a última corrida. Mesmo sempre tendo pilotos talentosos, a Tyrrell iniciava seu longo declínio. De equipe que brigava por títulos, ela se apequenava e logo disputaria apenas por vitórias. E depois por pódios, por pontos...


Para 1976, a Tyrrell surpreende com o inovador e radical P34, de seis rodas, sendo quatro dianteiras. Poucos acreditavam que o carro projetado por Gardner pudesse dar certo e muitos diziam que Tyrrell apenas queria aparecer na mídia, mas para um competidor como Ken Tyrrell, isso não fazia muito seu estilo e mesmo não sendo um carro revolucionário, esteve longe do fracasso, como prova a dobradinha da equipe no Grande Prêmio da Suécia de 1976. Contudo, o projeto foi abandonado no final de 1977 quando a Goodyear se recusou a continuar desenvolvendo os pequenos pneus dianteiros, bem menores do que o normal. Scheckter, na época considerado uma estrela na F1, saiu da equipe no final de 1976 e no final de 1978 Ken perdeu o tradicional patrocínio da Elf, que se mudava para a Renault e a Ligier, além de Patrick Depailler, que se manteve fiel por vários anos a equipe, apesar de ter conquistado uma única vitória no Grande Prêmio de Mônaco de 1978. Foi o início da crise financeira da Tyrrell. Praticamente sem patrocínio, Ken Tyrrell chegou a gastar parte da sua fortuna para continuar correndo, mas a necessidade fez com que ele desenvolvesse o faro para garimpar jovens talentos. E Ken fez isso com perfeição. Em 1981, ele trouxe para a equipe Michele Alboreto, que deu a última vitória para a equipe no Grande Prêmio dos Estados Unidos-Leste de 1983, nas ruas de Detroit. Em 1984, colocou em seus carros os talentosos Martin Brundle e Stefan Bellof e, mesmo sendo o único construtor a não usar motores turbo, conseguiu ótimos resultados, mas assim como aconteceu com Alboreto, Tyrrell não pôde segurar seus jovens talentos por muito tempo. A equipe os perdia na hora de renovar o contrato e perdia rapidamente patrocinadores, como a Benetton e a Candy. Para piorar, em 1984 a equipe foi desclassificada de toda a temporada por causa do escândalo dos lastros dentro do tanque de combustível, maculando a linda história da equipe.

Em 1987 a equipe foi reforçada por Harvey Postlethwaite, que havia projetado bons carros da Wolf e da Ferrari. O inglês mostrou dotes de genialidade com o modelo 019, o primeiro com bico alto da história da F1 e que ainda repercute nos desenhos atuais. Procurando dinheiro para a equipe, Tyrrell aceita colocar na equipe o desconhecido Jean Alesi em 1989 por imposição da Camel, mas o que seria mais piloto-pagante, se tornou a última esperança de dias melhores no time. Sua espetacular pilotagem encantou a F1, principalmente quando disputou de igual para igual com Ayrton Senna a primeira posição do Grande Prêmio dos Estados Unidos de 1990. Apesar de Ken negar o ano todo, Alesi acabou saindo para a Ferrari no final do ano, mas para 1991 ele ganharia os motores Honda, mas teria que aguentar as trapalhadas de Satoru Nakajima. Num primeiro momento foi até bom Tyrrell arcar com os prejuízos de 'Naka', pois o outro piloto, Stefano Modena, conseguia resultados surpreendentes, como a primeira fila no Grande Prêmio de Mônaco e o segundo lugar no Grande Prêmio do Canadá. Mas para tristeza de Ken, Postlethwaite aceitou a proposta da Mercedes no Mundial de Esporte-Protótipos e o projetista deixou a equipe após o pódio de Modena em Montreal. Harvey ainda voltaria anos mais tarde como sócio da equipe, mas esse foi praticamente o fim dos bons momentos da equipe Tyrrell.

Correndo apenas com pilotos-pagadores ou medianos, a Tyrrell raramente marcava pontos e nem mesmo o investimento de uma montadora, a Yamaha em 1994, fez com que a equipe saísse do pelotão intermediário. No Grande Prêmio da Espanha de 1994, o inglês Mark Blundell conquistou o último pódio da equipe com um terceiro lugar e três anos depois, durante o Grande Prêmio de Mônaco de 1997, Mika Salo marcou os últimos dois pontos da equipe com um quinto lugar, após completar a corrida sem fazer um único pit-stop naquela chuvosa corrida. No final daquela temporada, Ken e seus filhos entraram em negociação com a British American Tobacco e a equipe foi vendida por 30 milhões de dólares. Ken Tyrrell faria uma espécia de temporada de despedida em 1998, mas desistiu da ideia quando Craig Pollock, futuro chefe de equipe e empresário do então campeão Jacques Villeneuve, impôs Tora Takagi e Ricardo Rosset, dois pilotos-pagadores reconhecidamente sem talento. Ken tinha prometido a Jos Verstappen um lugar na equipe no que seria sua última temporada, mas quando foi impedido disso, ele acompanhou poucas provas, mas não faltaram homenagens na última corrida de 1998 em Suzuka. O sempre simpático Ken Tyrrell esteve presente e muitas personalidades que marcaram a história da equipe estiveram no Japão naquele dia. Após mais de trinta anos na F1, a Tyrrell esteve presente em 430 Grandes Prêmios, conquistou 23 vitórias, 14 poles positions, 20 melhores voltas, 77 pódios, 8 dobradinhas, um Mundial de Construtores (1971) e dois de Pilotos (1971 e 1973).

Como se a F1 fizesse parte de sua vida, Ken Tyrrell foi diagnosticado com câncer no pâncreas em 1999,primeiro anos após sua saída da categoria, mas foi feito presidente do British Racing Drivers Club (BRDC) no final daquele ano, que marcou a morte de Harvey Postlethwaite durante uma sessão de testes em Barcelona. Paul Stoddart, que depois adquiria a Minardi, comprou vários carros antigos da Tyrrell para homenagear o velho chefe de equipe. Sempre presente nos pódios do Grande Prêmio da Inglaterra, foi exatamente ali que ele fez sua última aparição. Aos 77 anos, Ken Tyrrell perdeu a batalha contra o câncer a faleceu em sua casa, em Surrey, no dia 25 de agosto de 2001. Foi o da história de um dos chefes de equipe mais 'românticos' que já apareceram na F1. Apesar da super-profissionalização da F1, Tyrrell sempre teimou em manter um certo amadorismo na equipe, mas fazia assim apenas por amar a F1 na forma mais pura da palavra. Um exemplo disso foi durante o Grande Prêmio de Mônaco de 1989, quando dirigiu o caminhão da sua equipe por falta de pessoal. Dando continuidade a sua equipe, a BAR nem de longe emulou os resultados da sua antecessora e nem a chegada da Honda em 2006 fez com que a equipe voltasse a brigar pelos títulos, apesar da vitória de Jenson Button no Grande Prêmio da Hungria de 2006. A crise fez com que a Honda saísse da F1 no final de 2008 e a estrutura em Brackley parecia fadada a ser fechada, mas Ross Brawn, com o mesmo espiríto aventureiro de Ken Tyrrell, formou uma equipe mambembe e com três vitórias em quatro corridas, vem derrotando várias equipes de fábrica. Bem ao estilo de Ken Tyrrell.

Um comentário:

Henry disse...

JC,
O texto foi uma pequena viagem à história da Tyrrell Racing.

Obrigado