sexta-feira, 2 de abril de 2010

Mike, the bike


Houve poucos pilotos tão rápidos e carismáticos como esse homem no mundo do esporte a motor. Números não são o bastante para explicar o que foi Mike Hailwood para os fãs do motociclismo. Sua rápida, mas marcante, passagem pelo Mundial de Motovelocidade fez ele ser considerado por muitos o maior piloto de todos os tempos e sua morte prematura, logo após ter conseguido uma vitória histórica, reforça ainda mais essa sensação. Hailwood era de família muito rica, mas graças ao seu jeito boêmio e ao mesmo tempo simples, ele foi considerado rapidamente uma pessoa do povo e por isso se tornou um dos pilotos mais populares na história. Extremamente versátil em cima de uma moto, venceu em vários tipos de máquinas e marcas, inclusive obtendo sucesso em quatro rodas, na sua também rápida passagem no automobilismo. Mas seu nome ficou tão ligado as motos que isso foi capaz de confundir homem e máquina e o apelido “Mike, the bike” é o maior exemplo disso. Se estivesse vivo, Mike Hailwood estaria completando 70 anos hoje e por isso vamos conhecer um pouco mais da carreira deste inglês.

Stanley Michael Bailey Hailwood nasceu no dia 2 de abril de 1940 em Langsmeade House, Great Milton, em Oxfordshire, em meio aos bombardeios alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, antes da guerra seu pai foi um piloto de motos amador e tinha uma grande revenda de motos, onde conseguiu fortuna e por isso Mike, seu apelido de infância, teve tudo do bom e do melhor. Ainda criança, Hailwood já dava suas voltas em mini-motos, influenciado pelo pai, e sua brincadeira nas tardes de domingo era acelerar num circuito oval de terra próximo a sua casa. Mike estudou na Pangbourne College, um dos melhores colégios da região universitária de Oxford, mas ainda adolescente Hailwood foi trabalhar nos negócios da família e isso só fez aumentar sua paixão pelas motos. No seu aniversário de 17 anos, Hailwood ganha de presente uma moto MV Augusta 125 de corrida e logo se interessa em usar seu novo brinquedo nas pistas. Era o início da lenda. Sua primeira corrida foi em Oulton Park e logo de cara consegue um 3º lugar na categoria 125cc. Nas corridas seguintes fica sempre entre os cinco primeiros e não demorou a conseguir sua primeira vitória em Blamford Camp. Ainda em seu primeiro ano nas corridas, Hailwood vence tantas provas que ganha a licença para poder competir em corridas internacionais em poucos meses, algo que muitos pilotos ingleses demoravam anos! Durante o inverno 1957-58, Hailwood foi a África do Sul atrás de corridas, já que o rigoroso inverno inglês cobria todas as pistas de neve. Cada vez mais aprimorando sua técnica, Mike volta da África com o título de Campeão Sul-Africano de motociclismo.

Utilizando toda a fortuna de sua família, Mike Hailwood monta uma equipe própria para participar do Mundial de Motovelocidade em várias categorias ao mesmo tempo. Ele correria nas 125cc com sua MV Augusta, nas 250cc de NSU e nas 350 e 500cc com uma Norton. Foi uma maratona, mas Hailwood mostrou seu talento ao ser vice-campeão mundial das 250cc, mas 1958 não foi apenas um ano de aprendizado para o inglês. No Campeonato Inglês, Hailwood é campeão nas 125cc, 250cc e 500cc, alcançando a incrível marca de 74 vitórias em um único ano apenas em sua segunda temporada! A imprensa inglesa ficou impressionada com o novo talento e passou a creditar em Mike como a mais nova jóia do motociclismo britânico. Apesar do grande número de vitórias na Inglaterra, Hailwood ainda não havia vencido no Mundial, algo que conseguiria no Grande Prêmio da Irlanda de 1959, se tornando aos 19 anos o mais jovem piloto a conseguir uma vitória no Mundial até então, mas Mike Hailwood tem um ano apenas regular no Mundial, apesar de ter estreado na corrida principal da TT, na Ilha de Man, naquele ano. A famosa corrida inglesa abria a temporada do Mundial e era a principal prova do calendário, principalmente pelo desafio que a enorme pista proporcionava aos pilotos. Assim como ainda acontece na Indy com relação as 500 Milhas de Indianápolis, vencer no TT era como vencer um campeonato a parte. Pois Mike Hailwood deixou de ser uma promessa para se tornar um verdadeiro campeão no TT de 1961. Mike ainda corria em sua equipe própria e seu pai havia lhe comprado uma moderna Honda de quatro tempos e quatro cilindros para competir nas 125cc e 250cc e foi com elas que Hailwood venceu nas respectivas categorias na Ilha de Man, além de faturar a corrida das 500cc com uma Norton. O inglês só não completou a ‘quadra’, por que sua moto quebrou na corrida das 350cc.

Tamanho desempenho chamou a atenção das grandes marcas da época e a MV Augusta contratou Hailwood ainda em 1961 para disputar o Mundial das 500cc, onde Mike perdeu o título para o compatriota Gary Hocking. No entanto, ainda utilizando a Honda que comprara no início do ano, Mike Hailwood conquista seu primeiro título nas 250cc. Melhor equipe das 500cc na época, a MV Augusta mantém Hailwood para 1962 e o inglês não desperdiça a chance desta vez e consegue seu primeiro título Mundial nas 500cc com cinco vitórias, mas nas 350cc, também com a MV Augusta, é superado pela Honda de Jim Redman, outra lenda do motociclismo mundial e inglês. Na verdade, 1962 foi o primeiro título de quatro consecutivos que Mike Hailwood conseguiria no Mundial das 500cc com a MV Augusta, mas em 1965 a equipe italiana contrata uma jovem promessa nacional parra disputar o Mundial de motociclismo. Seu nome era Giacomo Agostini e Conde Augusta apostava tanto nele, que projetou a moto das 350cc especialmente para o italiano. Após conquistar o quarto título consecutivo das 500cc em 1965, Hailwood sente um ambiente mais favorável a Agostini e abandona a MV Augusta no final do ano. Na verdade, era apenas o início da grande rivalidade entre Hailwood e Agostini. A Honda era a equipe de fábrica que mais crescia no momento e já ameaçava a MV Augusta nas 500cc e Hailwood se junto aos japoneses em 1966. Inicialmente, Mike disputaria as categorias 250cc e 350cc com a nova Honda 6 cilindros, mas quando o piloto da Honda nas 500cc Jim Redman se machuca, Hailwood também disputa o Mundial das 500 com a marca nipônica. Foi uma batalha titânica, a primeira de muitas, entre Hailwood e Agostini, onde o italiano levou a melhor e conseguiu seu primeiro título (de muitos!) na última corrida do ano, quando Mike tem problemas mecânicos. Se foi vice nas 500cc, Hailwood descontou nas 250cc e 350cc, onde leva os dois títulos com muita facilidade. O resultado se repete no ano seguinte, com Hailwood ficando novamente atrás de Agostini no campeonato, mas conseguindo uma vitória numa das corridas mais marcantes da história do motociclismo mundial.

Na corrida de abertura do Mundial das 500cc de 1967, na Ilha de Man, Mike Hailwood tinha a moto mais rápida nas retas, enquanto Agostini tinha uma máquina mais maleável. Logo de cara, Agostini consegue uma vantagem de 12s na primeira volta (o circuito tinha mais de 20km de extensão!) sobre Hailwood, mas o inglês não se dá por vencido e força de forma incrível sua Honda, batendo o recorde da pista com uma média horária superior a 170 km/h, e tira 10s da desvantagem que tinha para Agostini em menos de duas voltas. Durante o pit-stop (algo inimaginável hoje em dia), Hailwood perde 11s para Agostini quando sua equipe conserta um cabo solto no acelerador. Um mecânico chegou a amarrar um lenço para segurar o cabo no lugar e Hailwood voltou a pista ainda determinado a vencer a corrida e seu arqui-rival. Apesar do problema sério no cabo do acelerador, Hailwood não diminuiu seu ritmo e se aproximava de Agostini, que ainda tentava sua primeira vitória no TT. De repente, a poucos quilômetros do final, a corrente da moto de Agostini se quebra e Hailwood vence pela 12º vez na Ilha de Man, enquanto Ago chorava a vitória certa que escapava. Apesar do triunfo, Hailwood criticava a Honda pela falta de desenvolvimento da moto, a falta de equilíbrio no quadro da moto e, principalmente, a falta de confiabilidade de sua máquina que, segundo ele, o fez perder o título para Agostini naquele ano. Na verdade, a Honda já repensava seu envolvimento no Mundial de Motociclismo e no final de 1967 abandona as corridas, mas ainda deixando Mike Hailwood preso ao seu contrato. Ganhando um dos maiores salários da época, Mike ganhava uma fortuna para ficar em casa. Na verdade, a Honda pensava que retornaria logo ao Mundial e não queria ver Hailwood em outra moto quando voltasse, mas a Honda só voltaria ao Mundial 15 anos mais tarde, em 1982. Sem poder correr por outra marca e cada vez mais rico, Mike Hailwood nunca mais disputaria o Mundial de Motociclismo de forma integral e abandonava a categoria com um cartel invejável para um piloto que disputou apenas dez temporadas. Foram nove títulos mundiais (1961 [250], 1962 [500], 1963 [500], 1964 [500], 1965 [500], 1966 [250 e 350] e 1967 [250 e 350], 152 corridas, 76 vitórias, 112 pódios e 79 melhores voltas.

Mike Hailwood ainda não tinha 30 anos e sua paixão pela velocidade ainda estava intacta e por isso ele disputou outros tipos de corridas. Ainda nas duas rodas, ele disputa a tradicional 200 Milhas de Daytona com sucesso, mas o inglês muda seu foco totalmente para as quatro rodas. A popularidade de Hailwood era tão grande na Inglaterra, que o inglês foi convidado a participar de algumas provas de F1 no começo da década de 60. Mike fez sua estréia durante o Grande Prêmio da Inglaterra de 1963 pela Lotus, onde conseguiu um promissor oitavo lugar e em 1964 disputa a temporada completa com a equipe de Reg Parnell, com um Lotus particular, mas o máximo que Mike consegue é um 6º lugar e seu primeiro ponto na F1. Ao contrário do compatriota John Surtees, que foi campeão naquele ano na após muitos títulos no Mundial de Motociclismo, Hailwood preferiu se focar nas duas rodas, mas como estava ‘aposentado’, Mike resolve tentar uma segunda carreira nos carros. E logo de cara Hailwood consegue um incrível 3º lugar nas 24 Horas de Le Mans de 1969 com um Ford GT e em 1971 é convidado por John Surtees, agora dono de uma equipe de F1 e F2, para disputar algumas corridas na F1. Mike consegue um emocionante 4º lugar no mítico Grande Prêmio da Itália de 1971 e um contrato com a equipe Surtees tanto na F1 como no Campeonato Europeu de F2 e o Campeonato Inglês de F5000. Mike consegue levar o carro da Surtees a bons resultados em 1972, brigando no primeiro pelotão em algumas provas, culminando com seu primeiro pódio no Grande Prêmio da Itália, onde foi 2º na corrida que deu o título para Emerson Fittipaldi. O oitavo lugar no Mundial de F1 não foi o único bom resultado de Hailwood, pois o inglês conquistaria o conceituado título Europeu de F2 e o vice-campeonato na F5000.

As expectativas para 1973 eram boas, mas o carro não corresponde e Hailwood acaba o ano sem marcar um único ponto, mas Mike ganha o respeito dos outros pilotos e dos fãs da F1 durante o Grande Prêmio da África do Sul daquele ano. Mike Hailwood vinha disputando uma posição com a BRM de Clay Regazzoni quando ambos se tocam e saem da pista. Hailwood não tem nenhum problema em seu carro, mas o BRM de Regazzoni pega fogo e o suíço tem dificuldades de sair do carro. Os comissários de pista não tinha experiência alguma e Hailwood toma o extintor de um deles e despeja no carro de Regazzoni. Ainda com o carro em chamas, Mike queima as mãos, mas consegue tirar Regazzoni praticamente ileso do seu carro e seu ato o fez ganhar a George Medal, 2º maior prêmio em importância civil a ser concedida na Inglaterra. Após um ano ruim na Surtees, Mike Hailwood é contratado pela McLaren para 1974, onde correria com um terceiro carro patrocinado pela Yardley, enquanto seus companheiros de equipe Emerson Fittipaldi e Denny Hulme, correriam com a Marlboro. Pela primeira vez com um carro vencedor em mãos, Hailwood consegue resultados consistentes, marcando pontos nas três primeiras corridas do ano, inclusive com mais um pódio, com o 3º lugar no Grande Prêmio da África do Sul daquele ano, um ano após o acidente com Regazzoni. Em um documentário sobre o bicampeonato de Emerson Fittipaldi, o brasileiro destacou a forma como seu companheiro de equipe se preparava para as corridas. “No Grande Prêmio da Holanda, eu estava hospedado num hotel próximo ao autódromo de Zandvoort e estava indo para o circuito, quando encontrei o Mike Hailwood vindo de uma noitada em Amsterdã. Eu dormi oito horas e consegui chegar em terceiro lugar, enquanto ele não tinha dormido nada e chegou colado na minha traseira.” Porém, aproximadamente um mês depois Mike Hailwood vinha no meio do pelotão durante o Grande Prêmio da Alemanha, em Nürburgring, quando a suspensão de sua McLaren quebra e o inglês bate muito forte de frente. Hailwood tem a perna direita fraturada de forma grave e o inglês resolve abandonar a F1, com apenas 50 corridas, uma melhor volta, dois pódios e 29 pontos conquistados.

Após o acidente em Nürburgring, Mike Hailwood foi morar na Nova Zelândia para curtir sua aposentadoria ao lado da esposa e do casal de filhos, mas o vício pela velocidade ainda não estava morto. Contrariando os conselhos de amigos e familiares, Hailwood resolveu voltar ao TT em 1978. A famosa corrida na Ilha de Man já não fazia mais parte do Campeonato Mundial de Motociclismo, mas ainda mantinha uma aura de uma corrida única e muitos pensaram que Mike poderia manchar sua reputação de grande piloto com retorno após onze anos sem correr na pista da Ilha de Man. Mesmo aos 38 anos de idade, Hailwood disputou a prova principal da programação com uma Ducati 900SS e após uma grande batalha com seu compatriota e antigo rival Phil Read, Mike consegue uma vitória arrebatadora. Após a vitória, Mike pegou a bandeira quadriculada e deu uma última volta consagradora, onde os fãs invadiram a pista para acompanhar Hailwood, numa cena comovente. Foi a prova definitiva que Mike Hailwood não era apenas mais um grande piloto, mas um mito da velocidade! Em 1979, Mike disputa na categoria sênior e com uma Suzuki, ganha o TT pela 14º vez, se tornando o maior vencedor na história da mítica corrida. No final do ano, Mike Hailwood é nomeado pela Rainha Elizabeth como Membro do Império Britânico e resolve se aposentar de vez. Após vários anos correndo pelas pistas de todo o mundo, ninguém esperava que Mike Hailwood fosse morrer de forma tão banal. No dia 21 de março de 1981, num sábado, Mike saiu com seus filhos, David e Michelle, em seu Rover para pescar. Ainda próximo a sua casa, Hailwood é surpreendido com um caminhão fazendo um retorno proibido e Mike bate forte na lateral do caminhão. Michelle tem morte instantânea. Mike e David são levados ao hospital, mas enquanto David tem apenas ferimentos leves, o estado de Mike era grave e dois depois, uma das lendas do motociclismo nos deixava com apenas 40 anos de idade. A sua morte prematura fez de Mike Hailwood uma lenda ainda maior, uma espécie de Ayrton Senna das motos. Anualmente, há uma corrida de motos amadora para lembrar Mike Hailwood, saindo do local do acidente que matou o inglês até o local onde ele está enterrado. Lembrado como um dos maiores pilotos de moto de todos os tempos, essa singela homenagem marca bem o que foi Mike, the bike.

Um comentário:

Ron Groo disse...

Mike não é a cara do Phil Collins?