Em tempos de Copa do Mundo, onde o ufanismo está a flor da pele, falar na maior tragédia da história do automobilismo pode levar algum desavidado a pensar que estou falando da morte de Senna. Aos pachecos de plantão, digo-lhos que estão redondamente enganados. Há 55 anos atrás, um acidente sórdido e cheio de controvérsia e histórias marcou para sempre o automobilismo mundial.
Na década de 50, as 24 Horas de Le Mans era um evento bem maior do que hoje, cuja corrida será nesse final de semana. Várias montadoras investiam em novas tecnologias para vencer na famosa corrida francesa e triunfar em Sarthe significava prestígio tanto para a marca como para os pilotos. A 23º edição da famosa corrida de endurance estava com a largada marcada para o dia 11 de junho de 1955, com vários favoritos e inúmeras estrelas correndo. A Mercedes queria coroar seu domínio nas corridas daquele momento com uma vitória em Le Mans e para isso construiu o Mercedes 300SLR, com um inovador freio aerodinâmico, que era acionado quando os pilotos pressionavam o breque. Por sinal, que pilotos. A montadora alemã trouxe o melhor de sua equipe de F1 e a principal dupla tinha simplesmente Juan Manuel Fangio e Stirling Moss, que seriam respectivamente Campeão e Vice de F1 no final de 1955. Além deles, havia também o francês Pierre Levegh, que apenas dois antes tentou o impossível: vencer a corrida disputando TODAS as 24 horas. E ainda com um carro francês, um Gordini. Quando faltavam menos de duas horas para o fim da prova, com sua esposa e amigos implorando para que deixasse outro piloto o substiuir, Levegh errou uma marcha e teve que abandonar a corrida com o câmbio quebrado, mas isso de Pierre Levegh um herói na França e foi exatamente por isso que a Mercedes o contratou. Tentar trazer a torcida francesa para o seu lado.
Porém, isso era algo praticamente impossível de acontecer. A Segunda Guerra Mundial havia acabado dez anos antes e as cicatrizes ainda não estavam fechadas. O rancor com o povo alemão estava sendo canalizado em cima da equipe Mercedes e o maior exemplo disso era sua maior rival naquela edição em Le Mans. A Jaguar tentaria repetir a vitória no ano anterior e ainda teria o bônus em derrotar a Mercedes. Para isso, não mediria esforços e trouxe Mike Hawthorn, um dos grandes pilotos ingleses da época, para ajudar a derrotar os alemães. Hawthorn dizia a todos que teria um enorme prazer em derrotar a Mercedes com um carro inglês e que odiava perder para um carro alemão. Em meio a tudo isso, ainda havia a Ferrari e seu modelo 121LM. O palco estava armado para uma corrida histórica. Porém, por motivos tristes, como veremos a seguir, essa corrida entraria para a história por motivos que ninguém queria.
A largada foi dada com Mercedes, Jaguar e Ferrari com seus pilotos mais rápidos nos treinos, respectivamente Juan Manuel Fangio, Mike Hawthorn e Eugenio Castelotti. Surpreendendo quem esperava uma briga entre Jaguar e Mercedes, Castelotti coloca sua Ferrari na ponta e imprimi um ritmo alucinante para uma corrida de longa duração. Hawthorn vinha em segundo e pretendia empreender uma corrida tranquila, mas quando enxerga o Mercedes de Fangio no seu retrovisor, o inglês aumenta o ritmo e encosta na Ferrari de Castelotti. Os três faziam uma corrida à parte e totalmente fora dos padrões para uma corrida de 24 horas. Não foi surpresa ver Castelotti tendo que ir aos boxes após duas horas de corrida com sua Ferrari com problemas, vide o seu ritmo muito forte.
Isso deixava Hawthorn num mano a mano com Fangio. O inglês não queria deixar, de jeito nenhum, que um Mercedes lhe passasse e por isso não diminuía o ritmo. Fangio fazia uma corrida forte, mas dentro do planejado. Com duas horas e vinte de disputa, a Jaguar sinalizou a Hawthorn que parasse para reabastecer, pois seu combustível estava no limite. O inglês estava tão alucinado que ignorou os pedidos de sua equipe por três voltas. Às 18:28, Hawthorn se aproximava da Maison Blanche, na entrada dos boxes, com Fangio 250 metros atrás dele e a ponto de ultrapassar a Mercedes de Pierre Levegh. O ritmo dos líderes era tal, que Levegh, com o mesmo carro de Fangio, estava a ponto de levar uma volta. E ele estava em sexto lugar! Porém, Hawthorn percebe que mais uma volta poderia ser fatal as suas possibilidades, pois corria sério risco de uma pane seca. Assim, de última hora, Hawthorn aciona os freios a disco do seu Jaguar e dá uma guinada para a direita. Porém, o inglês Lance Macklin, com um pequeno Austin e correndo numa classe inferior, estava colado na Jaguar de Hawthorn e não tinha freios tão eficientes do que Mike. Para evitar o choque com o Jaguar do seu compatriota, Macklin dá uma guinada para à esquerda. Foi o começo da tragédia.
Pierre Levegh vinha a mais de 200 km/h e ainda teve tempo de levantar o braço para avisar ao seu companheiro de equipe Fangio o perigo à frente. Porém, o francês se chocou violentamente com o Austin de Lance Macklin e alçou voo. O Mercedes bateu forte num barranco para 'proteger' os espectadores, matando Pierre Levegh, de 55 anos de idade, instantaneamente. Porém, o Mercedes 300SLR foi despedaçado, fazendo com que o motor e o eixo dianteiro fosse em direção ao público que assistia a corrida. As peças que voavam e o incêndio a seguir causou uma verdadeira carnificina em Le Mans. Foi um caos. Primeiramente se pensou em interromper a corrida, mas percebeu-se que o enorme público que lotava Le Mans procurando as saídas poderiam atrapalhar o fluxo das ambulâncias e a prova continuou normalmente, enquanto os bombeiros tentavam debelar o incêndio que acontecia no meio da reta dos boxes. Centenas de feridos eram atendidos na beira da pista, com os carros zumbindo a mais de 200 km/h. Os mortos eram amontoados, enquanto um padre dava uma benção final as 83 pessoas que perderam a vida naquele dia.
Macklin foi jogado para fora do carro e seu Austin, descontrolado, ainda atropela um guarda francês, também o matando. Apesar do impacto, Macklin tinha apenas ferimentos leves, enquanto Fangio escapava milagrosamente do maior acidente da história do automobilismo. As horas se passaram e a corrida era disputada normalmente, com a Mercedes à frente da Jaguar. A uma da madrugada, o presidente da Mercedes em Stuttgart mandou um telegrama mandando que sua equipe se retirasse da prova. Alfred Neubauer, chefe de competições da Mercedes desde os anos 30, vai ao box da Jaguar avisar que estava abandonando a disputa, esperando que a equipe inglesa, também envolvida na tragédia, fizesse o mesmo. Porém, a cúpula da Jaguar resolve continuar na prova e com sua maior rival de fora, vence justamente com o carro de Mike Hawthorn, tendo Ivor Bueb como parceiro. Mostrando uma insensibilidade monstra, ou não tendo noção da magnitude da tragédia, Hawthorn abriu uma champanhe e comemorou sua primeira vitória em Le Mans. Os jornais franceses não perdoaram Hawthorn, que colocou na legenda uma foto sorrindo. "Saúde, Mr. Hawthorn, saúde..."
Os desdobramentos do acidente foram duradores. O automobilismo correu sério risco nessa época, pois em vários países foi proibido de haver corridas, sendo que a Suíça só permitiu que houvessem corridas em seu território em 2006. Uma investigação posterior apontou 'imprudência' de Hawthorn ao dar uma guinada em seu Jaguar de última hora, mas nenhum culpado foi apontado. Após um ano e meio de muito sucesso, a Mercedes anunciou a sua retirada das pistas no final de 1955, só retornando em meados dos anos 80 no Mundial de Marcas e em 1993 na F1, em parceria com a Sauber. Le Mans sofreu grandes reformas para poder realizar sua tradicional corridas nos anos seguintes, mas a prova francesa acabou sendo a única sobrevivente das velhas corridas de estrada, que sofreu um duro golpe com a tragédia de 1955. Mille Miglia, Targa Florio, Corrida Panamericana... todas elas foram extinguidas nos anos seguintes justamente por falta de segurança, mas o começo do fim deste tipo de corrida se deu naquele triste dia de junho de 1955.
2 comentários:
Olá JC
Você já viu esse vídeo?
http://www.youtube.com/watch?v=D74A8JEC_rY&feature=player_embedded
Muito interessante sobre a tragédia de 1955
Tem videos no youtube sobre este acidente que chocam mesmo.
Como aquela mulher queimando ali em cima, com os destroços do carro presos no muro.
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