Uma quinzena havia se passado, mas as feridas abertas pela
morte de Gilles Villeneuve ainda não haviam cicatrizado quando a F1 chegou ao
seu mais charmoso Grande Prêmio, em Mônaco. Gilles era um piloto querido por todos
dentro da F1, bem ao contrário de Didier Pironi, que todos acusavam de querer
ser o primeiro piloto francês a ser campeão na F1 de qualquer jeito, não importando
muitos os meios. A Ferrari já havia acertado com Patrick Tambay para substituir
Villeneuve, mas a equipe preferiu manter apenas um carro em Monte Carlo em respeito
ao canadense, mas Pironi se tornara uma pessona non-grata dentro do paddock.
A Renault tinha uma enorme dificuldade em circuitos de rua
ou apertados por causa do turbo, que só funcionava a contento após certa
rotação, mas o time francês, querendo fazer bonito na frente do seu público,
preparou um novo turbo para que a potência pudesse surgir com rotações um pouco
mais baixas, ideais para Mônaco. René
Arnoux, um verdadeiro ás em ritmo de classificação, ficou com a pole com meio
segundo de vantagem sobre Patrese, que utilizava o Brabham com motor Ford
Cosworth, enquanto Piquet ainda tentava desenvolver o motor BMW turbo e não repetia
a exibição de 1981, onde fora pole, e em 1982 largaria apenas em 13º. Como em
Mônaco só se largavam vinte carros na época, Raul Boesel e Chico Serra ficariam
de foram e Piquet seria o único brasileiro a largar no domingo.
Grid:
1) Arnoux(Renault) - 1:23.281
2) Patrese(Brabham) - 1:23.791
3) Giacomelli(Alfa Romeo) - 1:23.939
4) Prost(Renault) - 1:24.439
5) Pironi(Ferrari) - 1:24.585
6) Rosberg(Williams) - 1:24.649
7) De Cesaris(Alfa Romeo) - 1:24.928
8) Daly(Williams) - 1:25.390
9) Alboreto(Tyrrell) - 1:25.449
10) Watson(McLaren) - 1:25.583
O dia 23 de maio de 1982 estava ensolarado em Monte Carlo, mas
havia previsão de chuva. Assim como acontece hoje, uma boa largada seria
essencial para uma boa corrida em Mônaco e Arnoux sabia disso, conseguindo uma
ótima saída no apagar da luz verde, deixando a confusão para o segundo colocado
em diante. Ainda com a famosa largada de 1980 em mente, todos os pilotos se
comportaram bem nas primeiras curvas, mas não deixaram de haver trocas de
posição, notadamente com Bruno Giacomelli ultrapassando o compatriota Riccardo
Patrese para ficar em segundo. A Alfa Romeo se comportaria otimamente durante
toda a prova.
Porém, o melhor carro nas primeiras voltas era a Renault.
René Arnoux abriu uma boa diferença para Giacomelli ainda na primeira volta e
sumia na frente. Prost deixou Patrese para trás ainda durante a volta de
abertura e passou a pressionar Giacomelli para lhe tomar a segunda posição.
Querendo manter o posto, Giacomelli acabaria batendo com força numa zebra alta
e isso lhe custaria caro mais tarde, quando teve que abandonar na quarta volta
com a transmissão danificada pelo toque. Com isso, a Renault liderava em Mônaco
com direito a dobradinha, para delírio do público presente e até mesmo dos
comissários de pista, que comemoravam a cada passagem dos carros amarelos.
Mesmo tendo Prost na liderança do campeonato, Arnoux não queria saber de ordens
de equipe e tinha 7s de vantagem na 14º volta quando entrou no Esse da Piscina.
De forma até bisonha, Arnoux perdeu o controle do seu Renault e ficou
atravessado, sem bater em nada. O francês deixou o motor morrer e morria ali
também sua corrida. Arnoux saiu do carro claramente decepcionado com a besteira
feita. Ainda mais com o seu desafeto Prost assumindo a ponta e se consolidando
como primeiro piloto da Renault.
Nesse momento, a corrida fica chata e monótona. Prost
liderava com conforto à frente de Patrese, Pironi e De Cesaris. Nada acontecia
na pista, mas acima dela, havia um grande movimento. O tímido sol que havia nas
primeiras voltas dava lugar as nuvens escuras que se aproximavam do principado.
Faltando cinco voltas para o fim de uma corrida que não tinha acontecido nada
demais, o clima fica escuro, sombrio até. Na volta 74, uma garoa fina chegou
para tornar a pista um pouco escorregadia. Os comissários imediatamente mostraram
a bandeira bicolor em amarelo e vermelho, mostrando que a pista tinha uma
aderência menor do que o normal. Quando Prost cruzava a Portier, um comissário não
apenas lhe mostrava a bendita bandeira, como ainda apontava para o céu, como que
lhe indicando o óbvio: a chuva deixou a pista ligeiramente molhada. Se Prost
viu ou não a bandeira e os avisos do comissário, a verdade foi que o francês
destruiu sua corrida alguns metros adiante, quando bateu forte no guard-rail e
até machucou sua perna, mas tirando o orgulho, Prost nada havia sofrido. Isso
fazia com que Patrese assumisse a primeira posição. Quando passou pelos
destroços do carro de Prost e viu a garoa aumentar de intensidade, o italiano
da Brabham tirou o pé completamente. Patrese completou a 74º volta tão
lentamente, que o retardatário Marc Surer, várias voltas atrás e acenando para
Patrese passar, se tornava um adversário do italiano em termos de velocidade.
Patrese parecia nervoso, mesmo com toda a torcida vibrando com ele, mas isso não
foi o suficiente para acalmar o italiano, que rodou ridiculamente no hairpin
Loews. Com isso, Pironi assumia a ponta. Porém, havia problemas.
O francês da Ferrari também se arrastava na pista, sem bico,
arrancado quando ia colocar uma volta no retardatário Elio de Angelis, e com
problemas em sua Ferrari. Quando iniciou a última volta, Pironi acenava
loucamente para o diretor de corrida encerrar a prova ali. Não sendo atendido,
Pironi parecia conhecer o seu destino. Quando o piloto da Ferrari passava pelo
túnel, seu carro morreu. Pane Seca. Era o terceiro líder a abandonar a corrida
em seu final! Então todos os olhos se voltaram a Andrea de Cesaris, quarto
colocado poucas voltas antes, mas que seria o líder naquele momento. Seria.
Quando a câmera achou o italiano, seu carro estava estacionado na subida do
Cassino, também sem gasolina. Parecia que os deuses das corridas queriam nos
desculpar pela monotonia do começo da corrida e simplificar toda a emoção
apenas no final. O quinto colocado era Derek Daly, piloto que havia sido
contratado para o lugar de Carlos Reutemann na Williams e tinha sido uma das
vítimas da garoa no final da prova e tinha batido de traseira no guard-rail,
deixando a asa traseira no local e parte do câmbio dependurada. O irlandês
poderia estar a caminho da glória, mas o câmbio acabou quebrando na última
volta. James Hunt, comentando a prova pela BBC, se irritava com a falta de
piloto querendo ganhar a corrida em sua última volta. E aliás, quem poderia ser
o vencedor?
A resposta aparece no carro branco e azul de... Patrese! Sem
muita gente perceber, o italiano fizera seu carro pegar no tranco e partiu para
as voltas finais sem muita esperança e até mesmo bravo consigo mesmo, pela
chance perdida de conseguir a sua primeira vitória na F1. Quando recebeu a
bandeirada, Patrese nem comemorou muito. Ele não sabia em que posição estava,
mas quando chegou no túnel e viu Pironi lhe congratulando, ele percebeu que
tinha sido o vencedor! Era sua primeira vitória na F1. A confusão continuou no
pódio. Nigel Mansell e Elio de Angelis haviam levado suas Lotus até o fim, mas
muitas voltas atrasados e como houvera tantos abandonos no final, eles pensavam
que eram segundo e terceiro colocados respectivamente e foram ao pódio pegar
seus troféus, mas a organização fez a contagem de voltas e percebeu que na
verdade fora Pironi e De Cesaris, que iniciaram a última volta, que eram
segundo e terceiro, respectivamente, mesmo abandonando. De Cesaris, que poderia
ter dado a primeira vitória para a Alfa Romeo em mais de trinta anos, estava
com cara de poucos amigos no pódio, enquanto Patrese vibrava como se não
acreditasse no que estava acontecendo. Sua primeira vitória num final dos mais
caóticos da história. Na verdade, ninguém na F1 acreditava no que tinha visto
nas três últimas voltas daquele Grande Prêmio de Mônaco.
Chegada:
1) Patrese
2) Pironi
3) De Cesaris
4) Mansell
5) De Angelis
6) Daly
Um comentário:
Pessoal, no YouTube tem essa corrida completa com a narração de Galvão Bueno a partir dos 16 minutos e 30 segundos. É so digitar assim:
- Grande Premio de Monaco 1982(Globo).
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