domingo, 26 de agosto de 2007

Gigi

Luigi Villoresi foi um dos vários pilotos que tiveram sua carreira interrompida durante a Segunda Guerra Mundial, mas voltou com força total na novidade da época: o Mundial de F1. Villoresi foi parte importante na vida da equipe Ferrari e participou do primeiro Grande Prêmio da scuderia de Enzo Ferrari em Mônaco.

A família de Villoresi era bem conhecida em Milão. Quando Luigi nasceu em 1909 o pai dele dirigiu uma empresa que fornecia energia elétrica para a cidade, enquanto seu avô foi o responsável pela construção de um canal que levava água do rio Ticino ao agora aeroporto Malpensa, irrigando toda a Lombardia. Graças ao esforço do vovô Villoresi, esse canal é chamado até hoje de Canale Villoresi.

O casal Gaetano e Esther Villoresi tiveram cinco filhos. Apenas Luigi não teve um fim trágico. Emilio Villoresi também foi um conhecido piloto, mas encontrou a morte nas curvas de Monza num Alfa Romeo Alfetta. A irmã Rosa morreu em um acidente de estrada, enquanto o irmão caçula Eugênio morreu de câncer e, talvez mais tragicamente, um outro irmão cometeu suicídio.

O primeiro contato de Luigi Villoresi com o automobilismo foi em um rally no ano de 1931 à bordo de um Lancia Lambda. Dois anos depois Luigi comprou um Fiat Balilla, um modelo barato que abriu a porta para que vários pilotos italianos pudessem estrear no automobilismo. Foi neste carro que os irmãos Luigi e Emilio Villoresi fizeram sua estréia na Mille Miglia. Com Luigi ao volante, eles levaram o Fiat a um impressionante quinto lugar na competitiva categoria até 1100cc e a Fiat ficou tão impressionada que chamou Villoresi para correr com eles e como resultado Luigi conseguiu um terceiro lugar na Coppa Ciano de 1935. Esse foi um ano marcante para Villoresi, pois ele foi campeão italiano de carros esporte até 1100cc.

Então Luigi procurou evoluir dentro do automobilismo e comprou uma Maserati 4CM em 1936. Sua primeira corrida foi em Mônaco e logo de cara foi sexto colocado. Junto com Emilio, Luigi disputou toda a temporada 1936 e ambos solidificaram seus nomes no automobilismo europeu. Emilio foi chamado por Enzo Ferrari para fazer parte da Scuderia Ferrari Alfa Romeo em 1937, enquanto Luigi permanecia fiel à Maserati e juntamente com a Scuderia Ambrosiana, comprou um Maserati 6CM. Porém, os carros alemães já dominavam o circo europeu de automobilismo e nem a Ferrari, muito menos Villoresi e sua equipe particular eram páreos à potência alemã.

A relação de Luigi Villoresi e a Maserati crescia na medida que a montadora italiana cedeu a Luigi seu novíssimo Maserati 8CTF. O carro tinha impressionantes 350 cv de potência e poderiam rivalizar com Mercedes e Auto Union. Porém, a Segunda Guerra Mundial eclodiu em Setembro de 1939 e as corridas ficaram suspensas. Não para Villoresi, que disputou o XIV Gran Premio de Trípoli, onde foi quarto, e a tradicional Targa Florio, onde Luigi conseguia sua primeira vitória relevante. Foi a última corrida importante daquele período fértil do automobilismo.

Seis anos depois de sua vitória na Targa Florio, Villoresi estava em Nice para a primeira corrida pós-guerra. Sempre com um Maserati, Villoresi venceu e se tornou o primeiro vencedor do pós-guerra, à frente de Raymond Sommer. Em 1947 Luigi começou a correr com o amigo Alberto Ascari com o Maserati 4CL da Scuderia Ambrosiana e Villoresi vencer em Marseille, Nice, Strasbourg e Lausanne. Seria o início de uma dupla praticamente imbatível dentro das pistas. A forte equipe Villoresi-Ascari permaneceu em 1948 e Ascari conseguia sua primeira vitória em San Remo, mas Villoresi permanecia como o piloto mais forte da equipe e venceu em Albi, o Grande Prêmio da Inglaterra, entre outros.

Em 1949, Luigi recebia uma proposta irrecusável, mas que seria um grande dilema: "Eu recebi uma mensagem de Enzo Ferrari que diz que ele tinha enviado um monoposto Ferrari para mim para correr no Grande Prêmio de Bruxelas, e um sportscar para correr em Luxemburgo. Eu ganhei as corridas e quando eu voltei a Milao, eu recebi um telefonema de um jornalista chamado Corrado Fillipini que me falou que Enzo Ferrari queria que eu dirigisse para ele." Apesar de saber da capacidade de Enzo Ferrari, Luigi sempre fora fiel à Maserati e, pior do que tudo isso, foi num carro de Enzo que seu irmão havia falecido em 28 de Junho de 1939. E a explicação de Enzo sobre o acidente não foi nada simpática...

"Naquele dia, Enzo Ferrari almoçou dentro do circuito para mostrar o novo Alfetta. Depois do almoço, eles tirou as mesas da pista e meu irmão 'Mimi' saiu no carro. Ele fez duas voltas sem problemas e na terceira volta ele bateu numa árvore e foi morto. Eu perguntei a Enzo se eu poderia ver os restos do carro, mas ele se recusou e quando eu lhe perguntei o que tinha acontecido, ele me contou que ele achava que meu irmão tinha comido muito no almoço e talvez tinha tido uma indigestão, que o fez sair da pista. Então eu lhe perguntei se ele tinha certeza de que ele dito e ele confirmou, assim eu fiquei muito chateado. Depois disso, o carro do meu irmão, um Alfa Romeo 2300, desapareceu e algum tempo depois Consalvo Sanesi, piloto de teste da Alfa Romeo, me falou que a direção tinha quebrado no carro. Assim eu realmente não gostei. Porém, eu decidi ir e ver o que ele me diria."

Luigi foi até a casa de Enzo Ferrari e foi logo lhe falando o que sentia. "Eu lhe falei que eu sabia que ele não gostava de mim e eu não gostava dele, mas iríamos conversar. Ao término da conversa eu não apenas deixei Modena com um contrato para correr na Ferrari, mas também com outros dois contratos para os meus amigos Alberto Ascari e Nino Farina. Todos os três contratos eram exatamente iguais." Parecia que a carreira de Villoresi deslancharia, mas alguns acidente fizeram que isso não acontecesse. Em um acidente em Genova, em 1950, Villoresi teve seu motor quebrado e ele acabou rodando no próprio óleo. A Ferrari de Villoresi bateu num fardo de feno, capotou e Villoresi foi jogado para fora do carro. Farina, que vinha logo atrás, desvou a tempo do corpo de Villoresi, mas acabou rodando e também batendo. Villoresi ficou em coma e perdeu a ponta de um dos dedos. No dia 21 de Maio, porém, Villoresi participou do Grande Prêmio de Mônaco junto com Alberto Ascari e Raymond Sommer na Scuderia Ferrari e se tornou um dos primeiros pilotos a andar numa Ferrari num campeonato de F1. Sua Ferrari 125 não era páreo para a Alfa Romeo 158 e Villoresi foi a melhor Ferrari do grid, mas apenas em sexto. Ele abandonaria na volta 63 com a transmissão quebrada quando estava em terceiro, atrás de Fangio e Ascari. Villoresi ainda correria os Grande Prêmio da Suíça e da Bélgica até sofrer o grande acidente que quase tirou sua vida.

Após seu acidente em Gênova, Villoresi só pode voltar às corridas em 1951 na Copa Européia, em Monza. Provando que a ponta do seu dedo não fazia muita falta, Villoresi venceu à bordo de um Ferrari 340 Cupê. Luigi ficou tão empolgado que pedia a Ferrari para correr com o carro na Mille Miglia. Após a recusa inicial de Enzo, Villoresi insistiu e acabou convencendo Ferrari a deixá-lo correr. A insistência acabou dando certo e Villoresi venceu a tradicional Mille Miglia, debaixo de chuva. Villoresi permaneceu na Ferrari até 1953, ajudando Ascari a conquistar seu bicampeonato na F1 e conseguindo bons resultados. Mesmo sem nenhuma vitória, Villoresi se aproveitou do excelente carro da Ferrari e foi quinto colocado em 1953 com dois segundo lugares.

Após tantas glórias pela Ferrari, a dupla Ascari e Villoresi brigou com Ferrari e assinaram um acordo com Gianni Lancia para disputarem o Mundial de 1954 com o novo Lancia D50. Como os carros não ficaram prontos a tempo de estrearem no começo da temporada, Villoresi se juntou aos antigos companheiros da Maserati, andando no mítico modelo 250F. No Grande Prêmio da Espanha o novo carro da Lancia estava finalmente pronto e Villoresi conseguiu o quinto melhor tempo no grid, mas abandonaria com problemas de freio. Como todo carro novo, o Lancia D50 quebrava muito, mas as coisas começaram a melhorar no Grande Prêmio de Mônaco de 1955, quando Villoresi terminou sua primeira corrida pela Lancia em quinto, enquanto Ascari abandonou quando vinha em segundo após o seu famoso acidente em que caiu na baía monegasca.

Apenas alguns dias depois Ascari teria uma acidente bem menos engraçado... Andando emprestado no carro esporte da Ferrari em Monza, Ascari encontrou seu destino. Isso foi um baque tanto para a Lancia como para o próprio Villoresi, que perdia o velho amigo. Gianni Lancia entregou seus carros para a Ferrari, mas Villoresi não entrou no pacote e viu Enzo faturar o campeonato de 1956 com o carro que era dele um ano antes. Villoresi ainda fez algumas corridas com Maseratis particulares em 1956, mas se aposentaria no final do ano.

Mesmo com 25 anos de correndo pelo mundo afora, inclusive no Brasil, Villoresi não conseguiu ganhar dinheiro o suficiente para se tornar rico e ele se mudou para Modena curtir sua aposentadoria. Ele se tornou um embaixador da Maserati nos anos seguintes até morrer no dia 24 de Agosto de 1997 na pequena cidade de Santa Caterina, próximo a Modena, com 88 anos de idade. Ele era o único dos Villoresi vivos. Mesmo sem nenhuma vitória na F1, Villoresi escreveu páginas deliciosas do automobilismo italiano e entrou para história como participante da primeira equipe Ferrari na F1 e de ser o braço direito do seu grande amigo Alberto Ascari.

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