quarta-feira, 3 de outubro de 2007

O urso

A Oceania estava com tudo nos anos 60 dentro da F1. Jack Brabham era uma dos expoentes da categoria e sua equipe já figurava entre as principais da F1, isso sem contar com o neozelândes Bruce McLaren, que já esboçava sua equipe de F1. Se juntando a esses monstros vindo do Novíssimo Mundo, outro neozelandês chegava à Europa como mecânico e depois se tornou um grande campeão de F1. Denny Hulme era um piloto rapidíssimo que rapidamente chegou ao estrelato, mas seu jeito calmo virava pelo avesso quando alguém o abordava de um modo que ele não gostasse muito. Seu apelido de urso veio do seu modo um pouco, digamos, rude de tratar alguns jornalistas, mas sua velocidade era inerente não apenas na F1, como também na famosa série Can-Am e nas 500 Milhas de Indianápolis. "A McLaren é a melhor equipe do mundo. Disputamos a F1, a Can-Am e em Indianápolis," não cansava de dizer Hulme. Infelizmente, do mesmo modo que alcançou rapidamente o estrelato da F1 pelas suas curvas tortuosas, Hulme também decaiu muito quando decidiu se aposentar e lutar pela segurança do pilotos. O irônico foi que a ajuda que Hulme deu a segurança parace ter funcionado ao longo dos anos, mas sua rápida morte foi do modo que todo piloto gostaria: num carro de corrida. Isso foi a quinze anos atrás e assim iremos ver uma retrospectiva da carreira desse grande piloto kiwi.

Denis Clive Hulme nasceu no dia 18 de Junho de 1936 em Nelson, Nova Zelândia. Hulme cresceu numa fazenda de tabaco que pertecia aos seus pais e que foram herdados dos seus avós em Moteuka, na Ilha Sul da Nova Zelândia. O pai do pequeno Denny, Alfred Hulme, foi um herói neozelandês na Segunda Guerra Mundial e ganhou a principal medalha dada a um soldado da Nova Zelândia, a Victoria Cross, pela precisão como atirador de elite enquanto servia na Batalha de Creta em 1941. Voltando para casa, Alfred saiu da fazenda e levou sua família para Te Puke, na Ilha Norte e começou um negócio de transportes de caminhões. O pequeno Denny ficou sempre próximo à oficina dos caminhões e logo se interessou pela mecânica.

Quando Denny deixou a escola, começou a trabalhar na garagem do seu pai e começou a juntar dinheiro para poder comprar seu primeiro carro e acabou conseguindo o seu intuito em 1956 quando comprou um MG TF para participar de corridas de subida de montanha. Logo Hulme impressionou pelas suas vitórias e por uma mania incomum. Para sentir melhor o carro, Hulme corria sempre descalço, só calçando uma sapatilha em 1960, quando ganhou o prêmio de Melhor Piloto da Nova Zelândia e como Bruce McLaren, partiu para a Europa. Graças a sua aversão à botas no começo da carreira, o primeiro apelido de Hulme foi "O garoto descalço de Te Puke".

Uma vez na Europa, Hulme trabalhou como mecânico na garagem de Jack Brabham em Chessington e começou a pavimentar a sua carreira. Como Brabham corria na época pela Cooper, não foi surpresa ver Hulme participar do Campeonato Europeu de Fórmula Júnior com um Cooper-BMC. Em 1961 Hulme é convidado pela pequena equipe italiana Abarth para dirigir para eles em Le Mans e foi em Sarthe que Denny conheceu Ken Tyrrell, que o convidou para correr em sua equipe na temporada 1962 de Fórmula 2 e no ano seguinte Denny foi para a equipe de Jack Brabham na Fórmula Júnior. Hulme vence a metade das corridas de Fórmula Júnior em 1963 e se tornou campeão europeu. Empolgado com a pérola que tinha em mãos, "Old Jack" coloca Hulme em sua equipe de F2 para 1964 e os dois dominam os campeonato europeu, com Brabham sendo campeão e Hulme vice.

Brabham bem que gostaria de colocar Hulme logo na F1 ainda em 1964, mas como tinha Dan Gurney como contratado, Hulme fez apenas algumas corridas não-oficiais e por isso Denny só pôde estrear oficialmente na F1 na segunda etapa de 1965, o Grande Prêmio de Mônaco, já como segundo piloto da Brabham e terminou a corrida em oitavo. Logo em sua segunda apresentação Hulme conseguiu um quarto lugar em Clermont-Ferrand. No final daquele ano, os regulamentos da F1 mudaram radicalmente e os motores pularam de 1.5l para 3l. Brabham entrou em contato com a Repco e com um bom chassi, a Brabham tinha o carro mais equilibrado do ano. Hulme era claramente o segundo piloto de Brabham, mas a primeira temporada de Hulme se provou muito boa, com um terceiro lugar em Reims na França, um segundo atrás de Brabham em Brands Hatch, e a volta mais rápida em Zandvoort, antes de problemas de ignição pusessem fim a corrida dele. Hulme acabaria o campeonato o quarto lugar no campeonato e ajudaria Brabham a conquistar o tricampeonato mundial de F1. Nas 24 Horas de Le Mans, Hulme chega em segundo à bordo de um Ford GT40 ao lado de Ken Miles.

O Campeonato de 1967 começava com a Brabham ainda como a melhor equipe, mas já havia a ameaça dos Lotus com os novos motores Ford-Cosworth DFV. Porém, tanto o novo carro como o motor não estavam devidamente desenvolvidos e o campeonato se transformou numa briga interna dentro da Brabham. Hulme trava uma bela briga com a Ferrari de Lorenzo Bandini no Grande Prêmio de Mônaco de 1967 e quando Denny já disparava nas voltas finais, Bandini sofreu um acidente fatal, fazendo com que a primeira vitória de Hulme na F1 ficasse de lado. Jack Brabham se preocupava mais em testar as novas (e frágeis) peças dos seus carros, enquanto Hulme usava um material mais consistente. O resultado era que Brabham raramente chegava ao fim das corridas, enquanto Hulme colecionava bosn resultados, com mais uma vitória em Nürburgring. Com um terceiro lugar na última etapa do México, Hulme se tornou o primeiro campeão Mundial de F1 vindo da Nova Zelândia. E tudo isso em sua segunda temporada completa!

Como era comum naquela época, Hulme não disputa unicamente a F1 e também se destaca no outro lado do Atlântico. Com a ajuda do seu compatriota Bruce McLaren, Hulme estréia na séria Can-Am com um carro da equipe McLaren e foi o quarto colocado nas 500 Milhas de Indianápolis com em Eagle, ganhando o prêmio de Melhor Novato. Sem clima na equipe de Brabham, cujo dono ele tinha derrotado, Hulme aceitou o convite do seu amigo McLaren e partiu para a equipe de seu compatriota. Após estrear na equipe com um velho motor BRM V12, Hulme ganhou o desejado motor Ford-Cosworth em seu carro na segunda etapa em Jarama e terminou a corrida espanhola em segundo. No final do ano, mais adaptado ao carro, Hulme consegue duas vitórias seguidas na Itália e no Canadá e entra na briga pelo título de 1968 com Graham Hill e Jackie Stewart. Denny ainda tinha chances de ser campeão na última corrida na cidade do México, mas um problema de suspensão acaba com as pretensões de Hulme.

A decadência de Hulme na F1 começa em 1969, quando a McLaren não faz um carro tão confiável e Hulme só consegue uma vitória no México, na corrida final daquele ano e termina o campeonato em sexto. Hulme repete seu desempenho nas 500 Milhas de Indianápolis e chega em quarto. O ano de 1970 se mostra muito difícil para Hulme e a equipe McLaren, com a morte de Bruce McLaren em Goodwood durante um teste com o carro da Can-Am e o equisito acidente de Hulme durante os treinos para as 500 Milhas de Indianápolis, pela equipe McLaren, que lhe causou sérias queimaduras nas mãos quando o bocal de combustível se abriu e encheu Hulme de metanol. Mesmo tão afetado por todos esse acontecimentos, Hulme ainda consegue um quarto lugar no campeonato de F1, mas sem nenhuma vitória.

Falando na série Can-Am, Denny Hulme foi um dos protagonistas desse campeonato realizado na América do Norte e juntamente com Bruce McLaren dominou a categoria no final dos anos 60 com o belo carro laranja da equipe McLaren. Hulme foi o campeão em 1968 com vitórias em Elkhart Lake, Edmonton e Las Vegas. Em 1969 foi a vez de McLaren ser o campeão com seis vitórias, com a equipe vencendo simplesmente todas as corridas com dobradinha e até mesmo com tripletas, quando Dan Gurney usou o terceiro carro em algumas oportunidades. Hulme foi o vice com "apenas" cinco vitórias. Era a época do "Bruce and Denny show". Nem a morte de Bruce McLaren impediu que Hulme vencesse o campeonato de 1970 com o dobro de vitórias do vice-campeão Lothar Motschenbacher. Para 1971 Hulme chamou o amigo Peter Revson para correr ao seu lado na equipe McLaren e o americano foi campeão logo de cara, com Hulme sendo o vice, encerrando uma fase dourada da equipe McLaren (que conquistou 22 vitórias) e do automobilismo mundial.

Na F1, Hulme enfrenta um ano difícil em 1971 e pouco faz no campeonato. Porém, a McLaren consegue o patrocínio da Yardley e os resultados começam a aparecer. Após quase dois anos sem vitória, Hulme vence o Grande Prêmio da África do Sul de 1972 e com um segundo lugar na Argentina, Hulme liderava o campeonato de F1 pela primeira vez após seu primeiro título. Com uma série de pódios, Hulme briga com Emerson Fittipaldi pelo título, mas o brasileiro derrota o neozelandês e com uma seqüência de vitória de Stewart nas corridas finais, Hulme termina o campeonto em terceiro. Após tantos anos da F1, a primeira pole de Hulme só veio no Grande Prêmio da África do Sulo de 1973, quando já estava próximo da aposentadoria, mas o neozelandês é superado pelo companheiro de equipe Peter Revson, terminando o campeonato atrás do americano. Hulme e Revson eram grandes amigos e quando o americano foi demitido da McLaren para a entrada de Emerson Fittipaldi, Hulme ficou muito desapontado.

Porém, Hulme ainda sabia dos atalhos das vitórias e vence sua última corrida na F1 na Argentina em 1974, se aproveitando do incrível azar de Carlos Reutemann, que abandonou a corrida faltando duas voltas sem combustível quando liderava. Até Hulme falou que aquela corrida era de Reutemann. Após a corrida no Brasil, a F1 partiu para Kyalami para testes de pneus. Hulme vinha andando na pista quando viu um carro capotado em cima do guard-rail. Era seu amigo Peter Revson. Hulme abandonou seu carro e tentou salvar seu amigo junto com Fittipaldi e Graham Hill, mas Revson tinha morrido na hora. Hulme ficou arrasado e anunciou que abandonaria a carreira no final do ano. Sem motivação, Hulme pouco faz durante a temporada e tirando um segundo lugar na Áustria, Hulme é pouco notado durante a temporada. Hulme abandonou a F1 com 112 Grandes Prêmios, oito vitórias, uma pole, nove melhores voltas e o título mundial de 1967. Hulme tinha 37 anos.

Após abandonar a carreira, Hulme se tornou presidente da GPDA (Grand Prix Drivers Association) por algum tempo na tentativa de evitar que acidentes como o que matou Revson se repetissem, mas a desunião dos pilotos e falta de força da GPDA fez com que Hulme abandonasse a entidade e voltasse para a Nova Zelândia após quinze anos morando na Europa. No começo dos anos 80 Hulme volta à Europa para disputar o Campeonato Europeu de Turismo com um Austin da equipe de Tom Walkimshaw. Hulme também participava da corrida Bathurst 1000, um evento muito famoso de turismo na Austrália. Em 1992 Hulme, já com 56 anos de idade, compatilha um BMW M3 com Paul Morris na famosa corrida de 1000 km. Hulme reclamou de problemas de visão durante os treinos, mas largou para a corrida. De repente, na longa reta Conrod, o BMW de Hulme aparece muito lento e bate de leve no guard-rail à esquerda. O carro pára no final da reta e para surpresa dos comissários de pista, o BMW estava funcionando normalmente. Quando abrem a porta, encontram Hulme desmaiado sobre o volante. Denny tinha sofrido um ataque cardíaco fulminante e estava morto. O mundo ficou chocado com a morte de Hulme e a Nova Zelândia chorou a morte do seu melhor piloto em todos os tempos. Porém, quem melhor identificou a forma de Hulme foi Jackie Stewart ainda em 1970: Ele é honesto e sincero, com qualidade de uma estrela, mas sem o comportamento de uma estrela. Simplesmente Denny.

2 comentários:

Speeder76 disse...

Como é obvio, um bom artigo, baseado um pouco no meu, mas não faz mal. E fotos, nada? Se quiseres algum, diz, que eu mando.

João Carlos Viana disse...

Pô speeder

Você foi tão rápido em comentar, que ainda nem tinha colocado as fotos e editado os posts...