quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O Pioneiro francês

A França passou vários anos de glória nos anos 70 e 80, culminando com o tetracampeonato de Alain Prost, mas antes do narigudo francês, outro piloto tinha começado a saga de pilotos franceses na F1. Maurice Trintignant seria para a França o que foi Chico Landi para o Brasil. Um grande piloto dos primórdios da F1, mesmo não tendo sido campeão. Trintignant completou a incrível marca de dezoito temporadas seguidas em carros de Grande Prêmio e posteriormente de F1, porém viu a morte de nada menos de que 52 companheiros de profissão. Um dos últimos pilotos que participaram da corrida inaugural da F1 a falecer, Trintignant completeria 90 anos de idade ontem e mesmo com atraso, iremos ver um pouco da longa carreira desse piloto que atravessou vários anos de perigo e foi dado como morto após um sério acidente.

Maurice Trintignant nasceu no dia 30 de outubro de 1917 em Sainte-Cécile-Les-Vignes, na região vinícula de Vaucluse. Maurice era o caçula de quatro filhos cuja família era entusiasta das corridas, mas o início da carreira do pequeno Maurice foi trágico. Seu irmão mais velho Louis começava sua carreira nas corridas à bordo de um Bugatti tipo 35 e Maurice, com 16 anos, o ajudava, mas no dia 20 de Maio de 1933 Louis faleceu após um acidente nos treinos para o Grande Prêmio de Picardie, no circuito de Peronne. Traumatizada, a família Trintignant vendeu o Bugatti, mas Maurice queria correr e cinco depois recomprou o carro e com 21 anos de idade fez sua primeira corrida no tradicional Grande Prêmio de Pau e com o mesmo carro do irmão mais velho morto cinco anos antes, conseguiu um ótimo quinto lugar.

No ano seguinte Maurice Trintignant comprou um Bugatti Tipo 51 e fez sua segunda corrida no Grande Prêmio da Fronteira em Chimay, na Bélgica, no dia 28 de Maio de 1939 e logo depois venceu o Grande Prêmio de Pau, um ano após sua estréia. As apresentações de Maurice tinham chamado a atenção de Jean-Pierre Wimille, o grande astro da Bugatti na época e a carreira de Trintignant tinha tudo para decolar, mas a Segunda Guerra Mundial pôs tudo a perder. Quando a França foi ocupada pela Alemanha nazista, Trintignant escondeu o seu Bugatti num celeiro e chamou o carro de "vovó". Com o fim da Grande Guerra, uma corrida foi organizada em Paris como forma de celebração e foi chamada de Coupe de la Liberation, ou Copa da Libertação. Trintignant tirou o carro do celeiro e se inscreveu na corrida, mas não completou a prova por uma motivo pra lá de exótico. Durante a estada do Bugatti no celeiro, ratos tinham feito um ninho no filtro de combustível e lá dentro estava cheio de dejetos dos pequenos animais. Ao saber da presepada, o vencedor da corrida Wimille passou a chamar Trintignant de "Le Petoulet", algo como merda de rato. O apelido ficou e Trintignant inclusive colocou o esquisito apelido na sua vinícula quando ele se aposentou. Quero saber se alguém comprava vinho de merda de rato e tomava sem medo...

Após a parada pela guerra, as corridas voltaram com força total a partir de 1946 e Trintignant era um piloto de ponta e enfrentou as grandes estrelas da época, como Jean-Pierre Wimille, Giuseppe Farina, Luigi Villoresi, Louis Chiron e Alberto Ascari. Primeiramente com um Bugatti, Maurice trocou de carro várias vezes, andando de Delages e Gordinis em outras oportunidades. Sua primeira grande vitória foi com um Simca-Gordini T-11 na categoria Voiturette (depois chamada de F2) o Grande Prêmio de Reims, em julho de 1947. Um ano depois, Trintignant sofre um acidente nos treinos para a corrida de Reims e Amédé Gordini chama um desconhecido argentino que acabara de chegar de seu país natal para substituir o machucado Trintignant. Seu nome? Juan Manuel Fangio.

Porém, o pior ainda estava por vir. Na quarta volta do Grande Prêmio da Suíça realizado em Bremgarten, Trintignant sofre um seríssimo acidente na quarta curva do circuito e é jogado para fora do seu Gordini. Farina, Prince Bira e Robert Manzon, que vinham logo atrás de Trintignant, tiveram que se virar para não acertarem o corpo inerte do francês. Trintignant foi considerado clinicamente morto, mas um minuto depois o francês deu sinal de vida e ficou em coma por oito dias. Ele ficou seriamente ferido no baço e perdeu quatro dentes, mas ainda em 1948 ele voltou à ativa e venceu o GP de Roussilon e a Coupe D'Argent, em Montlhéry.

Quando o primeiro campeonato de Fórmula 1 foi organizado em 1950, Trintignant se juntou a elite dos grandes pilotos da época a participou do primeiro Campeonato Mundial de F1, inclusive da primeira corrida na Inglaterra com um Gordini. Os primórdios da F1 revelou uma enorme superioridade das equipe italianas, enquanto Trintignant corria pela francesa equipe Gordini. Os primeiros pontos de Maurice foram no Grande Prêmio da Inglaterra de 1952 com um quinto lugar, após passar duas temporadas sem completar uma única corrida! Trintignant particapava de várias corridas de diferentes categorias, como era usual naqueles tempos. E venceu de tudo um pouco! Isso acabou chamando a atenção da Ferrari, que contratou Trintignant para a temporada de 1954 tanto para a F1 como para o Mundial de Esporte-Protótipos.

Juntamente com o argentino José Froilan Gonzalez, Trintignant venceu a edição de 1954 das 24 horas de Le Mans. Na Fórmula 1, terminou o campeonato em quarto lugar, com 17 pontos, conseguindo um segundo lugar no GP da Bélgica e um terceiro lugar no GP da Alemanha. Venceu as corridas extra-campeonato em Buenos Aires, Rouen e Caen, com uma Ferrari 625. Em 1955, Maurice Trintignant entra para a história do automobilismo francês ao se tornar o primeiro piloto gaulês a vencer um Grande Prêmio. E justamente em Mônaco! Sabedor que sua Ferrari não era páreo aos potentes Mercedes-Bens de Fangio e Moss, e também aos emergentes Lancias de Ascari e Villoresi, Trintignant fez uma corrida de espera no difícil traçado do principado e esperou pelos erros e problemas mecânicos dos seus adversários. Que foram caindo um a um. Primeiro foi Fangio com a transmissão quebrada. Depois Ascari deu o seu famoso mergulho no porto de Mônaco e na volta seguinte Moss quebrou seu motor. Quando a Lancia pediu para que seu terceiro piloto, Eugenio Castelotti, acelerasse para que buscasse Trintignant, já era tarde demais. Trintignant não apenas venceu, como também com o segundo lugar no Grande Prêmio da Argentina na primeira etapa, liderava o campeonato. Contudo, aquele ano seria dominado por Fangio e sua Mercedes, com Trintignant não conseguindo marcar mais pontos e terminar o ano em quarto lugar no Mundial de Pilotos, com apenas dez pontos. Este seria o melhor ano do francês.

Seguindo seu patriotismo, Maurice Trintignant saiu da Ferrari para tentar tocar um projeto da francesa Bugatti de entrar na F1, mas isso acabou sendo um perda de tempo para Trintignant, que participou de apenas uma corrida na equipe, em Reims, e abandonou. Trintignant participou de algumas corridas pela equipe inglesa Vanwall, mas sem sucesso e em 1957 volta à Ferrari, onde consegue apenas cinco pontos e no final do sai da equipe novamente. Em 1958 Trintignant se junta à equipe de Rob Walker e à bordo de um Cooper com motor traseiro, Maurice consegue repetir a façanha de três anos antes em Monte Carlo. Correndo numa equipe particular, Trintignant não tinha muitas chances contra a equipe de fábrica da Cooper, que começava a andar mais à frente, Ferraris e Vanwalls. Trintignant largou apenas em quinto, mas o pole Tony Brooks foi um dos primeiros a sair da corrida, mesmo destino teve Moss, Hawthorn e Lewis-Evans. Na volta 48 Trintignant assumiu a liderança e não largou mais, vencendo pela segunda vez na carreira.

A partir de 1959, Trintignant se torna um nômade na F1, participando das corridas em várias equipes em poquíssimo tempo. No ano de 1960 disputou seis Grandes Prêmios, um por Rob Walker, quatro pela Scuderia Centro-Sud e um pela Aston Martin, não marcando pontos. Venceu o GP de Buenos Aires, não válido pelo campeonato. Correndo pela Scuderia Sereníssima na Fórmula 1 em 1961, com um Cooper T-51, terminou o campeonato sem marcar pontos. No começo de 1962 Trintignant tem um grande baque na sua carreira quando Stirling Moss sofreu seu seríssimo acidente e teve que abandonar a carreira. Ele próprio substituiu Moss na equipe de Rob Walker, mas não marca pontos, porém, vence o Grande Prêmio de Pau, ganhando sua última corrida de F1, mesmo que extra-campeonato. Foi o início do fim da carreira de Trintignant. Já com 47 anos de idade, o veterano francês fez sua última corrida na F1 com um BRM no Grande Prêmio da Itália de 1964, após conquistar seus últimos pontos na corrida anterior, em Nürburgring. Trintignant encerrou sua carreira definitivamente em 1965, disputando os 1000 Km de Nurburgring e as 24 Horas de Le Mans, com um Ford GT-40 da Ecurie Ford-France, não terminando as duas corridas.

Maurice Trintignant fez parte de 82 Grandes Prêmios de Fórmula 1 de qual 50 em companhia de Fangio. Ele conseguiu duas vitórias, ambas em Mônaco, dez pódios e uma volta mais rápida. Sua melhor posição no campeonato foi um quarto lugar em 1954 e 1955. De 1959 à 1964 Trintignant foi único representante da França na F1, iniciando um período de vacas magríssimas do automobilismo francês (bem parecida com a atual), só retornando ao auge no início dos anos 70 com a chegada de Cevert e Beltoise, com forte investimento de empresas estatais francesas. No total, Trintignant largou 324 vezes, com um total de 44 vitórias e apenas 124 abandonos.

Após sair do automobilismo, Trintignant se mudou para a tranqüila cidade de Vergèze, a 20 km de Nimes para voltar a velha tradição familiar de produzir vinhos, ganhando o apelido de "Comerciante de vinho" de Enzo Ferrari. Ele se tornou prefeito da pequena cidade de Nimes de 1958 a 1964. Trintignant fazia algumas apresentações em carros antigos e no final dos anos 80 patrocinou seu sobrinho Jean-Louis Trintignant em sua tentativa de correr, mas o jovem Trintignant acabou se tornando ator. Jean-Louis tinha um amigo na região, bem melhor do que ele nas pistas, que Maurice patrocinou no início da carreira. O nome do rapaz era Jean Alesi. Maurice Trintignant teve uma aposentadoria tranqüila e se manteve lúcido até a sua morte no hospital de Nimes, no dia 12 de fevereiro de 2005, aos 87 anos de idade. Mesmo tendo perdido a visão no final da sua vida, Trintignant continuou contando histórias de quando corria contra Farina, Ascari, Fangio, Moss...

2 comentários:

Anônimo disse...

Texto legal! Como sempre!

João Carlos Viana disse...

Obrigado e volte sempre!